Pouca gente quer falar de reforma

Apesar de não sair da mídia, no campus central pessoas ficam retraídas para falarem sobre o assunto

A história de Dario ajuda a entender as mudanças da reforma para os funcionários da iniciativa privada (Foto: João Paulo Falcão)

Por Júlia Vieira e André Romani

No último dia 20, o presidente Jair Bolsonaro entregou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do sistema previdenciário. O novo texto pretende modificar regras de aposentadoria, atingindo milhões de pessoas, entre elas as que trabalham, convivem e estudam na USP, onde não é fácil – ao contrário do que poderia parecer – encontrar alguém à vontade para conversar sobre o assunto.

Em um dia chuvoso, véspera de feriado, o Jornal do Campus encontrou alguém querendo conversar. Na entrada do prédio da FEA, estava Dario Valeriano, de 32 anos. O Controlador de Acesso começou a trabalhar cedo, aos 14 anos de idade. Suas contribuições mensais ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que garantem seu direito à aposentadoria, ocorrem há 16 anos.

Apesar de trabalhar na USP, Dario não é funcionário dela, mas sim terceirizado.

O que muda no caso de Dario
Pela regra atual, existem dois tipos de aposentadoria para funcionários da iniciativa privada: por idade ou tempo de contribuição. Na primeira hipótese, é preciso alcançar a idade mínima de 60 anos (mulheres) ou 65 anos (homens), mais 15 anos de contribuição ao INSS. Nas segunda hipótese, basta atingir 30 ou 35 anos de contribuição, independente da idade mínima.

Pela regra proposta pelo governo, a aposentadoria por tempo de contribuição é extinta, prejudicando Dario, que poderia se aposentar aos 41 anos de idade. Para aposentar por idade, é preciso atingir 60 ou 65 para homens e mulheres, por, pelo menos, 20 anos de tempo de contribuição para ambos os sexos.

No entanto, para quem já está na ativa, a regra geral ainda não vale. É necessário escolher um dos três modelos de transição. Como Dario começou a trabalhar cedo, a regra mais benéfica para ele seria a de pontos, que soma idade mínima e tempo de contribuição.

Para se aposentar, ele precisará atingir essa soma, que subirá um ponto ao ano. A transição começa em 2019, quando será preciso atingir 96 pontos para homens 86 para mulheres, até atingir 105 pontos (homens) e 100 (mulheres), em 2033. Assim, Dário chegaria aos 105 pontos em 2047, quando completar 61 anos de idade e 44 anos de contribuição.

Essas regras valem apenas para benefício. Caso façam o contribuinte se aposentar mais tarde, passa a valer a regra geral.

Logo no prédio da frente da ECA, encontramos Ellen Pereira, de 36 anos, funcionária pública da USP desde 2011. Atualmente, ela é secretária de graduação do CRP. Assim como outros entrevistados, ela teme os impactos da nova proposta entre os funcionários públicos, categoria que mais deve sentir o peso das reformas.

Com a nova proposta, Ellen vai demorar mais seis anos para se aposentar (Foto: João Paulo Falcão)

Em 2019, Ellen atinge 13 anos de contribuição ao INSS. Pelas regras atuais, alcançaria o tempo mínimo para aposentadoria por contribuição (30 anos) aos 53 anos. Mesmo assim, teria de esperar mais dois anos para atingir a idade mínima e finalmente poder se aposentar, aos 55 anos. Isso, se já estivesse há pelo menos 10 anos no serviço público e a cinco anos no mesmo cargo.

Para servidores públicos (Arte: Daniel Medina)

No entanto, como está na ativa, Ellen não obedeceria a nova regra geral para funcionários público – que prevê aposentadoria depois de 62 (mulheres) e 65 anos (homens), 25 anos de contribuição para ambos,  somados ao tempo de serviço público aos anos de cargo.

Para o servidores, só existe uma transição — a regra de pontos (a mesma que beneficiou Dario). Assim, ela só se aposentaria aos 61 anos e seis meses, quando atingisse os 100 pontos necessários, soma de sua idade e tempo de contribuição.

E como fica a regra para professores?
A categoria possui regras especiais de aposentadoria, por ser uma profissão com maior demanda de trabalho e desgaste.

Os professores da iniciativa privada, atualmente, não precisam atingir uma idade mínima. A aposentadoria é concedida apenas por tempo de contribuição: 25 anos (mulheres) ou 30 anos (homens).

Apesar de na regra atual o professor poder se aposentar em qualquer idade, quanto mais velho ele se aposentar, maior o valor recebido. O motivo é a existência de um sistema de pontuação, que soma o tempo de magistério e a idade.

Na proposta apresentada pela equipe econômica de Jair Bolsonaro, será estabelecida uma idade mínima de 60 anos para que os magistrados possam se aposentar, somados a 30 anos de contribuição independente do gênero.

Para professores da rede pública, segundo a nova proposta, a contribuição e idade mínima são as mesmas que os da rede privada. No entanto, adiciona-se a necessidade dos 10 anos de serviço público e cinco tempo de cargo, também prevista na regra vigente.

Além disso, atualmente, é necessário ter 55 anos (homens) ou 50 anos (mulheres) e 30 anos de contribuição (mulheres) e 25 anos (mulheres) para se aposentar.

A mudança atinge pessoas como Suelen Rosa Pelissaro, de 35 anos, que é professora de geografia e doutoranda na FFLCH. Ela acredita que a reforma é um “grande absurdo”, porque além de aumentar o tempo de contribuição para as mulheres [para docentes da rede pública e privada, ignora que são elas que ainda assumem a maioria das funções domésticas.

Apesar de nova, ela já tem uma experiência de 15 anos em salas de aula, com passagens tanto pelo ensino público quanto pelo privado.

O que mais mudou
A reforma apresenta diversos outros pontos fundamentais, como a previsão de surgimento do sistema de capitalização. Nesse modelo, o trabalhador cria uma espécie de poupança para sua aposentadoria.

Atualmente, vigora o sistema de repartição, em que os trabalhadores na ativa contribuem para o pagamento dos que estão aposentados.

As pessoas atingidas pelo novo modelo de capitalização são aquelas que ainda não entraram no mercado de trabalho, como Nayara de Souza, a estudante que participou do documentário Espero tua Revolta, que o leitor conhecerá na página seguinte.

Nayara também é estudante de Direito na FMU (Foto: Ane Cristina)

Com 23 anos de idade, ela é presidente da União Estadual dos Estudantes e cursa Direito. Nayara tem uma posição crítica sobre a reforma da Previdência e sabe que, se começar a trabalhar neste ano, só conseguirá se aposentar aos 62 anos. “Eu, por exemplo, para me aposentar com idade mínima, já tinha que ter começado a contribuir.”

Na visão do atual governo, o sistema de capitalização seria uma das soluções para o rombo nos cofres públicos que o modelo atual está gerando, já que o Brasil está envelhecendo e os trabalhadores ativos não conseguem abater o valor das aposentadorias.

… e agora?
O próximo passo é a modificação e discussão dos termos da reforma pelo Congresso. Para ser aprovada, a proposta precisa de uma maioria de três quintos tanto no Senado quanto na Câmara, em dois turnos em cada casa. O processo só termina quando deputados e senadores votarem o mesmo texto.