Os uspianos andam comentando que…

Em conversas pelo campus, alunos revelam suas expectativas e opiniões sobre as mudanças, esperanças e dúvidas deste começo de ano

Ilustração: Kisu (@kisutastic)

Por Giovanna Jarandilha

Passei pela Portaria 1 incerta sobre qual ponto descer. Fui aconselhada a vagar pela Cidade Universitária com a intenção de decifrar o pensamento uspiano neste tumultuoso início de ano. Pressionei o botão laranja sem pensar muito sobre isso. Acabei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU).

Tentando equilibrar em duas mãos o fone de ouvido, o bloco de anotações, a lapiseira e o gravador do celular, conheci Tales e Camilo enquanto conversavam num banco. Camilo me recebeu com um sorriso confuso: intercambista do Uruguai, estava arranhando o português.

Perguntei como se sentiam neste momento do país. Entreolharam-se, riram meio abafado e demoraram quase um minuto para esboçar a resposta. Tales acredita que muita coisa está mudando, principalmente na educação. E exemplifica: no ano passado, cursava gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), pesquisando discursividades da comunidade trans. A coordenadora temeu não conseguir levar a pesquisa adiante e acelerou o trabalho antes da posse presidencial. “Escolhi a USP porque ela dá diversas oportunidades, e receio que isso seja cortado”.

No meu caminho, encontrei Caroline com mais cinco ou seis alunos da FAU, sentados nas escadas do chamado Coliseu. Sua camiseta do centro acadêmico revelou que, assim como eu, também é aluna da ECA (Escola de Comunicações e Artes). As alterações no Bilhete Único, agora com maiores restrições de uso, estão fazendo Caroline pagar mais para ir e vir de Interlagos. Ela também teve problemas com a Superintendência de Assistência Social (SAS) e não conseguiu solicitar a meia passagem estudantil.

Em seguida, achei-me entre os prédios da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Trombei com quatro alunos da Ciências Sociais que me escutaram apenas por presumir, devido a minha falta de fôlego e rosto vermelho, que eu estava perdida.

Estavam a caminho do RU e me ofereci para acompanhá-los. Descendo até a Praça do Relógio, um deles demonstrou preocupação com a proposta do governo Dória de fortalecimento da Polícia Civil. “A gente tem uma base pequena da polícia aqui no campus, além da Guarda Universitária, e pode ser que isso seja expandido”.

Comentei o apoio declarado do governador ao projeto Escola Sem Partido. A mais simpática das moças enfatizou que não acredita em doutrinação ideológica. “Na escola, a gente não teve nem tempo de ver Marx, como é que vai ter doutrinação?”. Em seguida, completou: “doutrinação parte do pressuposto de que alguém vai sofrer lavagem cerebral e cooptar, e isso é asneira”.

Luana, porém, discorda. “Todo lugar tem doutrinação ideológica, e acredito que aqui não seja diferente”, disse quando repeti o assunto ao seu lado na Escola Politécnica.

Perguntei se conhecia algum professor que tentou doutriná-la em sala de aula. “Dá pra perceber a ideologia dos professores através de uns comentários que eles fazem”, reforçou. Luana receia que as mudanças políticas nacionais e estaduais possam interferir na USP, sobretudo em relação aos recursos financeiros.

Na saída do Biênio, dei com quatro alunos entusiasmados. Transferidos de Santos, estão pela primeira vez no Butantã. Ao contrário de Luana, não acreditam em influência dos professores. “Os alunos se juntam de acordo com a ideologia política de cada um, isso não acontece da Universidade pra gente, mas dos alunos pros alunos”, comentou um deles, apoiado pelos amigos.

Cansada, sentei num ponto de ônibus enquanto rabiscava no meu caderno. Percebi que estava acompanhada de outra mulher, de trinta e poucos anos. Deslizei até ela, que ofereceu o lugar ao seu lado com a mesma atitude com a qual respondia minhas questões — como se estivesse de saco cheio e quisesse mandar tudo ao diabo.

“Dentro da USP, existem todos os tipos de linha de pensamento”, disse, enquanto discutíamos a impossibilidade, segundo o reitor, do Escola Sem Partido ser implantado na Universidade. “Acho que têm casos pontuais de professores que tentam fazer doutrinação ideológica, vide o caso do professor da SanFran”, que defendeu a Ditadura em sala de aula e disparou ofensas de caráter preconceituoso. “Mas é meio díficil doutrinar alguém com mais de 18 anos, que passou no vestibular”, acrescentou, enquanto se levantava e dava sinal pro ônibus.

Partiu antes que eu pudesse pegar seu nome.