Copinhos recicláveis não são reciclados nos bandejões

Marcelo Canquerino

 

 

 

Só o fato de existirem nos restaurantes do campus já é polêmico; pior é saber que podem ser reciclados e não são, há anos

Por Ana Gabriela Dompiere e Beatriz Cristina

Um aluno acaba de comer e segue para a fila da devolução das bandejas. Antes de entregá-la ao funcionário, descarta um copo plástico e um guardanapo. Vê os restos da refeição serem jogados em um lixo diferente. Vai embora. Cena corriqueira, mas quase tão corriqueira quanto ela é o usuário não saber o que acontece com os resíduos.

Se o próprio aluno jogasse seu copo junto com restos de arroz, feijão, carne e repolho, será que ele não se incomodaria? Poderia fazer exatamente isso, e nada se alteraria no sistema de descarte de dejetos dos bandejões do campus oeste uspiano, pois o lixo orgânico e o reciclável acabam sendo misturados dentro dos restaurantes, ou na hora da coleta, em caminhões que prensam sacos de lixo com o que tiverem dentro, sem separação.

Só no Restaurante Central, o dado oficial da Divisão de Alimentação é de 100.000 copinhos utilizados mensalmente. Pelo que veremos, equivale a dizer que, só desse restaurante, 100.000 copos plásticos são levados mensalmente para aterros, como se fossem meros pedacinhos de gordura daquela sua carne à cigana – com a enorme diferença de que o lixo orgânico dura de 2 a 12 meses; um copo, 50 anos. 

Marcelo Canquerino

No último Anuário Estatístico disponibilizado pela USP, o Restaurante da Física e o das Químicas somavam um total de alunos servidos muito próximo ao do Central. Se essa proporção tiver se mantido, pode-se estimar que eles somam, em um mês, mais 100.000 copinhos à conta dos descartes inadequados. No restaurante da Prefeitura, que serve apenas almoço, a média é de 1.000 copinhos por dia. Por mês, 22.000.

Mais a fundo 

Tanto o bandejão Central quanto o da Física são administrados pela Superintendência de Assistência Social (SAS). A empresa responsável pela coleta do lixo comum é a Multilixo, que também recolhe o lixo do resto da USP. Eles contam com coleta de resíduos recicláveis três vezes por semana e duas, respectivamente. 

Apesar disso, funcionários do Restaurante Central disseram que apenas os materiais da cozinha – como rolos de papelão, óleo e garrafas – vão para a reciclagem. Ao serem questionadas sobre copos plásticos, uma das duas gerentes respondeu que “copos descartáveis devem ser descartados”, e não lavados. Entretanto, a sujeira que fica nos copos após o uso não impede a reciclagem. A gerente afirmou ainda que a empresa contratada não aceita copinhos porque “acho que não é reciclável esse copo”.  

Entramos em contato com a empresa que recolhe os recicláveis do restaurante, a Nova São José. O gerente operacional, Marcelo, disse que a empresa pode retirar os copinhos descartáveis da mesma forma que outros resíduos plásticos recicláveis, como garrafas PET, desde que estejam separados do lixo comum. 

Ele vai além na questão da sujeira: “Não tem problema. As pessoas têm essa dúvida, mas o maquinário que recicla faz a higienização do material. Restos de café, iogurte, refrigerante para nós não são problema.”

Segundo ele, não seria necessária nenhuma alteração de contrato para que os copinhos entrassem para a coleta, porque o restaurante é um ponto de recolha; bastaria separá-los. Para tanto, ele sugere que sejam utilizados lixos específicos para copos, bastante comuns. Eles se assemelham a canos, onde um copinho se encaixa no outro e permite o armazenamento eficaz ocupando pouco espaço até a hora da coleta. A importância de isolá-los se deve ao fato de que os guardanapos, que não são recicláveis, podem se misturar aos copos. 

Terceirizados 

Nas Químicas e Prefeitura, outros dois dos quatro bandejões do campus, é diferente. Por serem terceirizados, eles são obrigados a contratar serviço de coleta. Na Prefeitura, a empresa escolhida é a Pró-Visão, que também confirmou que os copos poderiam ser reciclados – o único tipo que não se aceita é o de isopor. 

A Pró-Visão oferece recolhimento de lixo comum e de recicláveis, dependendo do acordado. Apesar de não ser possível acessar diretamente o contrato, funcionários do bandejão confirmaram não haver coleta seletiva. Apenas um caminhão passa e leva todos os sacos prensando-os indiferenciadamente. O caminhão próprio para esse tipo de serviço não passa, o que sugere que apenas a coleta de lixo comum seja contratada.

Nas Químicas, a justificativa que impede a reciclagem dos copos plásticos é “o fato de serem muitos”, de acordo com uma responsável no local.

 

USP tira nota vermelha na adequação à políticas ambientais

Como um grande geradora de lixo, com mais de 200 litros diários, ainda há muito a aprender e ensinar

Instituída pela Lei Federal 12.305/2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) tenta promover a sustentabilidade através de suas diretrizes para a iniciativa pública e privada. Entre os seus 15 objetivos, estão o gerenciamento dos resíduos sólidos da redução até a substituição dos lixões por aterros sanitários e a reciclagem. Apesar de parecer um avanço nas políticas ambientais, ainda falta planejamento local e parcerias efetivas entre empresas e órgãos, sem que coloquem as vantagens financeiras em primeiro lugar. 

Por exemplo, mesmo que pesquisas demonstrem o longo tempo de vida de um copinho plástico, ainda é muito mais lucrativo para as empresas não reciclá-lo. Entre outros pontos importantes, que na prática também não são contemplados, estão a falta de subsídios para o incentivo de produtos reciclados e da educação ambiental.

Marcelo Canquerino

Seguindo a PNRS, outras leis foram criadas, como o Decreto Municipal nº 51907/2010 e a Lei Municipal 14973/2009, que obriga as grandes geradores de lixo a gerenciarem o que é produzido em suas instalações, envolvendo o armazenamento, a coleta, a triagem e a destinação de resíduos sólidos produzidos. 

As unidades da USP estão na condição de grandes geradores por produzirem mais de 200 litros diários de lixo. De acordo com a Prefeitura da USP, há dois tipos de contrato de coleta de lixo: enquanto a Multilixo recolhe os comuns, a Nova São José pega os materiais recicláveis. Segundo eles, a separação dos materiais (recicláveis e não recicláveis) e a disposição do resíduo no local de coleta é do gerador do lixo, ou seja, faculdades, órgãos internos e bandejões.

Com relativamente poucas mudanças, em alguns casos, contratuais, e em outros, apenas na dinâmica dos restaurantes, como a inclusão de lixos específicos e de orientações para os alunos, a Universidade se adequaria não só à consciência esperada de um centro de pesquisa, inclusive ambiental, mas também à Lei e à Política Nacional de Resíduos Sólidos. A rotina dos copinhos é uma certeza, por enquanto; o que podemos fazer é alterar a rotina errada.

No mesmo lixo, soja e copos

O USP Recicla é um programa que existe na USP há mais de 20 anos e é administrado pela Superintendência de Gestão Ambiental (SGA). De acordo com Tércio Ambrizzi, superintendente do SGA, a Cidade Universitária vai na contramão da educação ambiental: “Diferentemente de outros campi como Piracicaba, Pirassununga, São Carlos, não há ninguém que responde por isso aqui. Precisamos montar um grupo que responda pelos resíduos e outras questões importantes, como a água e a energia.” 

Do ponto de vista financeiro, o problema ambiental dos copos gera um gasto de, aproximadamente, 40 mil reais anuais para a Universidade. Segundo Ambrizzi, a USP poderia utilizar esse valor em outras ações de sustentabilidade, como a confecção de canecas reutilizáveis, comuns durante a semana de recepção dos calouros, a adoção de um dia sem o uso dos descartáveis e novos cursos do PAP (Programa Aprendendo Participando), para educar e capacitar funcionários, alunos e docentes: “Há sempre uma resistência porque dá a sensação que é um trabalho a mais. Mas, se você imaginar que esse trabalho a mais está beneficiando a cadeia como um todo, principalmente as futuras gerações, é uma consciência que precisamos criar nas pessoas.”