Laboratório do IB desenvolve novo teste com saliva para covid-19

Nos estágios finais de pesquisa, o teste é capaz de detectar a presença do vírus utilizando insumos fabricados nacionalmente e por menor custo que o RT-PCR

 

por Guilherme P. P. Bolzan

Arte: Pedro Lobo / Foto: Freepik e Unsplash

 

Um novo teste para detecção de pessoas infectadas com o vírus da covid-19 está nos últimos estágios de desenvolvimento no Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH-CEL), Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do IB-USP. A sua metodologia é RT-LAMP, diferente do RT-PCR, o teste mais difundido atualmente, mas obtém resultados de precisão semelhantes. Utiliza a saliva como meio de coleta e seus procedimentos laboratoriais se mostram mais rápidos e também menos custosos, além de ser fabricado principalmente com insumos de produção nacionais.

Segundo a professora Maria Rita dos Santos e Passos-Bueno, que trabalhou no desenvolvimento do teste, o estudo possui duas principais funções. A primeira etapa foi elaborar o teste para que funcione corretamente e com boa precisão na detecção do vírus. Este trabalho já está concluído, o que significa que o teste já pode ser utilizado. Já a segunda etapa, ainda em andamento consiste em conseguir produzir, em parceria com o IQ, os reagentes e insumos necessários para realizá-lo no Brasil, substituindo a necessidade de importação. 

“A ideia do projeto surgiu no início da pandemia. Nós percebemos que um dos fatores que atrasou a testagem foi a falta de reagentes. Algumas pessoas ficaram sem o teste porque faltava reagentes — havia capacidade de testagem, mas não reagentes”, afirma a professora. Com os testes padrão de RT-PCR, toda a comunidade internacional passou a comprar os mesmos reagentes, levando a uma corrida seguida de aumento de preços e escassez. “A vantagem de desenvolver métodos alternativos é fornecer maior flexibilidade para obter o testes, sistemas diferentes para chegar nos mesmos resultados”, afirma ela. Acompanhe na imagem abaixo os passos para realização do teste:

Arte: Giovanna Farnezi/Foto: Freepik e Flaticon

 

Procurando o vírus

Essa metodologia alternativa inicia no meio de coleta do material a ser analisado. Com os testes RT-PCR, considerados o “padrão ouro”, é necessário coletar muco da cavidade nasal com o uso de um cotonete, exigindo treinamento do coletor e expondo-o à contaminação, além de gerar grande desconforto. Já para coleta da saliva, nada disso é necessário. O próprio paciente pode fazer a autocoleta e enviar o material para o laboratório, poupando espaços e pessoas.

Como o Sars-Cov-2 da covid-19, é um vírus respiratório, ele estará presente em grandes quantidades nos pulmões e na saliva do indivíduo infectado. Portanto, a amostra de saliva coletada deve ser analisada, detectando se existem vírus presentes nela ou não. Mas antes, é importante adicionar uma solução inativadora na amostra, desenvolvida no próprio CEGH-CEL, que torna os vírus incapazes de infectar outras pessoas, além de preservá-los para o teste.

Devido ao pequeno tamanho dos vírus (entre 60 e 140 nanômetros, cerca de mil vezes menor que a grossura de um fio de cabelo), é necessário um processo bioquímico para detectá-lo. Assim como o RT-PCR, o teste do IB busca detectar a presença não do vírus diretamente, mas de seu material genético. 

Todo vírus possui um material genético único da sua espécie, permitindo que se reproduza ao infectar células de outros seres vivos. O material genético do Sars-Cov-2 é o RNA, uma única fileira de nucleotídeos que carregam toda informação para fabricação de mais versões de si mesmo.

Encontrando o vírus

Inicialmente, esse RNA está em quantidades muito pequenas para poder ser analisado, então é preciso realizar um processo de ampliação. A informação do material genético se mantém, mas a sua quantidade aumenta milhares de vezes. O primeiro passo para esse processo é inserir uma grande quantidade de nucleotídeos na mistura, que formarão as outras cópias do RNA na ampliação. Em seguida, é necessário converter esse RNA em DNA, que possui uma dupla fita de nucleotídeos, um ao lado do outro. Essa conversão, chamada de transcriptase reversa (RT, na sigla em inglês, dando parte do nome do teste) é necessária pois os métodos conhecidos para ampliação do material genético funcionam apenas com a dupla fita do DNA. 

Em seguida, essa dupla fita é separada em duas através do aumento de temperatura. O próximo passo é adicionar na mistura os primers, reagentes especialmente fabricados que procuram uma determinada sequência de nucleotídeos na longa fita do material genético, se ligando a ela. Enzimas capazes de “montar” fitas complementares de DNA são adicionadas em seguida. Sua função é utilizar os nucleotídeos soltos na mistura para montar outra fita de DNA, mantendo a sequência correta de nucleotídeos e, portanto, mantendo as mesmas informações.

É neste momento que os primers são importantes. Eles orientam onde as enzimas devem começar a montar a fita complementar, permitindo um controle muito preciso de quais trechos do material genético são ampliados e quais são ignorados.

Segundo a professora Maria, é por isso que a escolha de um primer adequado é tão importante: “Primers são específicos para uma sequência do material genético do vírus, eles vão aderir exclusivamente, especificamente a um trecho que escolhemos. Esse trecho não existe em nenhum outro vírus e nem, teoricamente, em nenhum material genético humano. Isso é importante, porque, na coleta da saliva, vêm junto muitas células humanas.” Isso só é possível graças ao trabalho de sequenciamento genético do vírus, que permitiu o conhecimento de todas as sequências de nucleotídeos presentes em seu RNA e possibilitou a escolha de uma sequência única e adequada.

A partir de uma única fita de RNA, é possível produzir milhares de outras através desse processo. As enzimas reproduzem em velocidades exponenciais as mesmas informações indicadas pelos primers, tornando-as muito abundantes na mistura. 

Detectando o vírus

O processo de “montagem” de fitas de DNA feito pela enzima é uma reação química, que liga nucleotídeos entre si. Quando essa reação acontece, são liberados H+ (cátions de hidrogênio) na mistura, o que diminui seu pH e deixa-a mais ácida. 

Nesse momento, é possível utilizar indicadores de pH, substâncias que mostram o quão ácido ou alcalino está um meio, para verificar se a reação de ampliação do material genético aconteceu ou não. No caso do teste do IB, o indicador de pH usado é colorimétrico, ou seja, muda de cor quando o meio se torna mais ácido. 

“Nosso RT-LAMP é colorido, então é só observar a cor do tubo, que de início é rosa e, se houver vírus, se torna amarelo. A leitura do teste é bastante fácil, dessa forma”, afirma a professora Maria. Caso o vírus esteja presente na amostra de saliva inicialmente coletada, todo esse processo envolvendo transcriptase reversa, primers e enzimas, ocorrerá, liberando H+ e tornando o meio ácido, o que será indicado pela mudança de cor para amarelo. Mas, se o vírus não estiver presente, a sequência de nucleotídeos que os primers se ligam nunca será encontrada, então a reação de ampliação nem mesmo se inicia, deixando o pH do meio como estava (rosa), sem qualquer mudança de cor.

Apesar das complicadas reações bioquímicas por trás do RT-LAMP, a leitura do teste é fácil. É só observar a cor do líquido dentro do tubo de ensaio: rosa para vírus ausente e amarelo quando presente. Segundo a professora Maria, a sequência do RNA viral escolhida para interagir com os primers está presente em todas as variações atuais do Sars-Cov-2, o que torna o teste útil para detectar qualquer uma delas.

RT-PCR e RT-LAMP

Apesar de ambos os testes utilizarem técnicas semelhantes para ampliação do material genético, é importante notar os avanços realizados no CEGH-CEL. Além de fornecer mais uma opção para testagem, evitando os altos preços e a corrida pelos insumos do teste padrão, o RT-LAMP também opera mais rapidamente e por um preço mais acessível.

Ambos esses fatores se devem a uma etapa “pulada” pelo novo teste, mas ainda necessária para o RT-PCR. Antes de iniciar o teste, é preciso romper a capa protetora do vírus, que isola seu RNA do restante dos reagentes. “O protocolo que nós desenvolvemos já começa o teste direto; não extraímos o RNA. Então pulamos uma etapa. Isso leva a uma redução de custo”, afirma a professora. Além de ajudar na economia de tempo — a professora Maria estima que um teste pode ficar pronto em menos de 24 horas depois de chegar ao laboratório, dependendo da sobrecarga —, o teste tem seu preço estimado “um terço mais barato que o RT-PCR”, afirma ela. 

Além dessa vantagem, a professora Maria destaca que a técnica de ampliação por RT-LAMP requer equipamentos menos sofisticados, o que permite que até laboratórios menos equipados realizem a testagem. “É comum [nos testes RT-PCR] precisar de variações de temperatura para conseguir uma boa amplificação. Em geral, são necessários equipamentos mais sofisticados nesta etapa. Já o RT-LAMP somente requer uma temperatura constante nesta etapa”.

A professora destaca ainda que espera que o teste possa ajudar em um plano de combate à pandemia. “Testes são importantes para que as pessoas possam saber que estão contaminadas e começar a quarentena. Com as pessoas saindo mais, ou trabalhando, elas entram acidentalmente em contato com pessoas contaminadas, então é importante existir a opção de um teste de custo mais acessível.”