Vencedor do Troféu Audálio Dantas, Luis Nassif, é o novo ombudsman do JC

O Novo ombudsman tece críticas ao jornalismo atual por se pautar com frequência pela ideologia, e não pela informação

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por Ramana Rech Duarte

Foto: acervo pessoal

 

Jornalista “ecano”, entusiasta do pebolim e do tênis de mesa em sua época de CJE, com mais de 50 anos de experiência em redação, Luis Nassif é o novo ombudsman do JC. Palavra de origem sueca, que significa “representante do cidadão”, o ombudsman tem como função enxergar os pontos negativos e fazer críticas ao jornal do ponto de vista do leitor. O colunista do independente Jornal GGN (Grupo Gente Nova) é um conhecido crítico do jornalismo atual. 

Já trabalhou na Folha de S.Paulo, Rádio Bandeirantes e no Jornal da Tarde. Neste ano, recebeu o Troféu Audálio Dantas, que premia jornalistas pela defesa da democracia e da liberdade de expressão. Nesse sentido, Nassif tem sua cota de processos judiciais por falar o que pensa e o que julga relevante. Ele afirma que uma das principais ameaças à liberdade de expressão é o judiciário, que, muitas vezes, sentencia multas como represálias aos jornais.  

Segundo o jornalista, hoje, falta à imprensa capacidade de valoração da informação, ou seja, de trazer o enfoque mais relevante para as notícias e não o desejado. Outro problema é a utilização do modelo de jornalismo da Fox News importado para o Brasil em 2004, que consiste em transformar a mídia em partido político, priorizando ideologia em vez de informação. Isso comprometeu a imagem da imprensa “de forma visceral justamente no momento em que a informação mudava o perfil com as redes sociais”. 

Luis Nassif também foi um dos pioneiros do jornalismo eletrônico no Brasil, lançando em 2005 o Blog do Nassif. O site recebeu o prêmio de melhor blog de política tanto por voto popular quanto pelo júri especializado no ano de 2008. O modo como a mídia se adaptou à era digital tampouco passou ileso pela mente crítica do jornalista. 

Para Nassif, o estilo adotado de notas curtas somado à precarização das redações resultaram na desvantagem do jornalismo frente à internet. “Os jornais entram no campo do adversário, usando as armas do adversário, em vez de ser aquela parte mais aprofundada, que consolida o que a internet deu no dia anterior”, disse.

Quais as principais questões que precisam ser trabalhadas no jornalismo atual?

Um dos principais problemas é buscar informação objetiva. Mas a informação objetiva exige uma valoração, ou seja, tem que saber o que é relevante, o que não é relevante. Tem que saber interpretar a informação e interpretar não é usar a narrativa que quero para informação. É saber se aquela informação se adequa ao conteúdo que estou levantando. E, finalmente, contextualizar. Pegar aquela informação dentro de um contexto maior e contar uma história que tenha começo, meio e fim, que tenha pé e cabeça. 

Um dos grandes problemas do jornalismo atual, principalmente a partir de 2004, 2005, é esse negócio da valoração. Por exemplo, um ministro que comprou uma paçoca com cartão corporativo é transformado em escândalo. Isso é fake news. Fake news não é só a informação errada, é a ênfase errada também. 

Você mencionou os anos de 2004 e 2005. Por que esse período trouxe novos problemas no fazer jornalístico?

Os jornais tiveram uma frase de excesso de poder nos anos 1990 com o impeachment de Collor. Pensaram que podiam ter atuação política e usaram isso em termos de mercado, de conseguir o público. Em 1999, eles quebraram, porque fizeram grandes investimentos nos anos anteriores. E veio a valorização cambial e a internet, trazendo novos desafios. 

Sem saber como se situar, os jornais seguiram as orientações do Roberto Civita, da Editora Abril, que trouxe o padrão Murdoch, do Rupert Murdoch [principal acionista da News Corporation, conglomerado por trás da Fox] para o Brasil, que consistia em criar um clima de guerra, transformar a mídia em partido político, fazer discurso de ódio e mentir. 

Roberto Civita traz esse modelo para o Brasil e a partir daí você tem o chamado jornalismo de esgoto. Ali você tem a desmoralização do jornalismo corporativo, que eles tentam recuperar agora a duras penas. Uma imagem comprometida de forma visceral justamente no momento em que a informação mudava o perfil com as redes sociais. 

E o que marca o jornalismo de qualidade?

Esse jornalismo tem que partir de princípios. A liberdade de imprensa não é um fim em si. O fim é o direito à informação e a defesa de princípios. A liberdade de imprensa é um meio, uma prerrogativa que você dá a mídia para cumprir a sua missão. O bom jornalismo, ele tem que se basear em princípios, defesa da civilização, defesa de valores civilizatórios. 

Falando um pouco sobre a ética do jornalismo, o dever do jornalista é dar a informação sem importar as consequências disso?

Algumas consequências você tem que pensar, claramente. Se uma pessoa sofre um estupro, eu vou expor a vítima? O ponto central é o seguinte: qual é a relevância? Se você tem os princípios de defesa dos direitos individuais e coletivos muito claros, você sabe separar o que é relevante. O grande problema que tem hoje na imprensa, é que essa seleção se dá em torno de objetivos políticos dos jornais.

A Lava Jato foi escandalosa, só dava um lado. No momento em que vem  o material  da vaza jato e mostra aquela balbúrdia, os jornais pularam fora da Lava Jato sem fazer uma autocrítica.

Quando o Murdoch vai para os Estados Unidos e cria a Fox News pegando a ultra-direita, tinha um monte de anticorpos, o The York Time, o Washington Post. Aqui no Brasil, quando vem o padrão Mudoch, todos se transformam numa grande Fox News. Tem que ver as consequências, sim, mas essas consequências não podem ter viés ideológico ou político.

Qual o papel do jornalismo no contexto atual de recrudescimento da extrema-direita e de ataques à imprensa durante o governo Bolsonaro?

Assim que a própria Veja começou com ataques aos jornalistas [em 2004, 2005] que faziam contraponto – ataques terríveis, com acusações pesadas, ataques à família – foi criado o ovo da serpente, que levou depois a questão do Bolsonaro. 

Mas a grande ameaça não vem do bolsonarismo, vem do Poder Judiciário. Por alguma razão, o poder judiciário resolveu calar o jornalismo mais crítico. Tem multas, condenações hoje das mais inusitadas. É um processo de solapamento da liberdade de expressão muito pesado. 

Tem que passar a haver uma grande aliança com todos os setores democráticos do país pela liberdade de expressão, mas tem que legitimar essa liberdade. E você legítima trazendo a informação correta, como foi feito agora em relação a pandemia, em que a mídia, em parte, se redimiu por defender a ciência contra as loucuras do Bolsonaro.

Você pode citar alguns casos que exemplificam essa ameaça do Judiciário mencionada na resposta anterior?

Eu fui condenado em R$ 40 mil e bloqueio de contas, por difamar Eduardo Cunha, que já tinha sido derrotado em todas as instâncias. Isso porque eu critiquei o Tribunal do Rio de Janeiro e tem um sujeito muito influente lá. 

João Dória entra com uma ação contra o Jornal GGN por conta de um colunista que publicou críticas a ele, pede R$ 50 mil de indenização, o juiz aumenta para R$ 100 mil. Quando você pega todo esse acúmulo de abuso, você fala: “tem uma ação orquestrada”. 

Eu critiquei, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo por conta da prisão da Carmen [Carmen Silva Ferreira, líder do Movimento dos Sem-Teto do Centro]. Aí, veio a represália. É todo um processo que vem do ovo da serpente plantado pelo discurso de ódio da mídia a partir de 2005. 

Você é um jornalista que está no mercado desde os anos 1970. Então assistiu a passagem do impresso para o digital. Quais os novos requisitos e desafios que a internet trouxe?

 Hoje, é evidente que a busca do furo, conversar com uma pessoa que te faça um furo, é relevante, mas a informação está toda disponível. Então, o grande desafio do jornalista é saber qual é a informação relevante, onde buscar e como juntar tudo isso em uma narrativa factível. A grande dificuldade é lidar com essa montanha de informação. Tem que saber trabalhar com planilhas, com base de dados e tudo. 

Lá atrás, nos anos 1970, 1980 até 1990, a informação era diária, ou seja, saia diariamente nos jornais e tinha serviços semanais que selecionavam os principais temas e agregavam alguma coisa. Quando a informação fica horária com a internet, os jornais têm que fazer em um dia, o que as revistas faziam em uma semana. 

Para entrar nisso, teria que estruturar um modo de operação que permitisse entender o contexto [das reportagens] e fazer as matérias consolidadas e aprofundadas. Em vez disso, os jornais resolveram emular a internet e fazer notas curtas. Os jornais entram no campo do adversário, usando as armas do adversário, em vez de ser aquela parte mais aprofundada, que consolida o que a internet deu no dia anterior.

Agora, isso exige um preparo. E como se tinha essa facilidade de busca de informação, passaram a reduzir o tamanho das redações, os salários e a especialização dos jornalistas. Pegaram jornalistas jovens sem experiência e afastaram os mais experientes que poderiam passar experiência para os mais jovens.