Para dar nome aos bois

 

por Bruna Irala

Fotomontagem: Bruna Irala / Imagens: Canva

 

A pandemia gerou as mais diversas analogias sobre o fim do mundo. Apesar de parecer que estamos próximos de um cenário apocalíptico digno de filmes de ficção científica, a conclusão mais sóbria é de que o mundo, da forma como está, é insustentável. O capitalismo é insustentável. 

Se em Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak diz que alguns mundos precisam acabar, é necessário complementar que qualquer mundo sob o capitalismo está fadado à barbárie. 

Para dar nome aos bois, o mundo de hoje é o da gestão totalizante do capital em sua expressão neoliberal. Não simples ideologia, o neoliberalismo é uma racionalidade política global que coloca todas as relações sociais e esferas de vida em função do capital, da “eficiência por eficiência” e de uma subjetivação empresarial. 

Aqui, os indivíduos participam e reproduzem o capitalismo em confusão, suspensos por um feitiço, como se a sociabilidade humana fosse regida por uma ordem natural. Pessoas não são agentes políticos, mas indivíduos empreendedores, que vendem livremente sua única mercadoria, a força de trabalho. A racionalidade econômica é internalizada como a única racionalidade possível, os indivíduos são “empresários de si mesmos” e todas as suas ações devem ser tomadas como investimentos para lucros futuros.

Privatização dos Correios, privatização da Petrobrás, teto de gastos, reforma Trabalhista e da Previdência, reforma do Ensino Médio, autonomia do Banco Central, tudo é justificado. São políticas de austeridade, ora. É preciso enxugar os gastos públicos. Parem de buscar um pai no Estado e tomem as rédeas de suas vidas com as suas próprias mãos! 

Parte do triunfo do neoliberalismo está em ter revestido a realidade em um fetiche. A forma como a realidade se apresenta dentro do capitalismo não é o que ela realmente é. É uma ilusão real, de modo que torna-se mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Aquilo que o cientista político Francis Fukuyama teorizou como o fim da história, em 1989, se afirma como a própria realidade e não como uma versão fetichizada da mesma. Porém, por ser uma falsa realidade, ela se quebra em crises.

Na pandemia, todos os horrores do capitalismo estão se desnudando livremente em números de pessoas mortas para uma doença que não só tem vacina, mas formas de ser contida. Em chacinas ao público e assassinatos à luz do dia permitidos e justificados pela força estatal. Na manutenção da fome, da pobreza, da destruição e do medo. 

No entanto, ainda parecem enganados aqueles que veem formas de reabilitação e conserto, alternativas de terceira via, como passíveis de causarem mudanças radicais na forma em que vivemos. 

Talvez a reabilitação possível esteja nos meios de denúncia que o jornalismo pode se munir, mas não enquanto agente subserviente e legitimador do capital e dos que têm poder. E sim, como um jornalismo que não se deixa enganar pela conciliação, que não coloca na conta de seus princípios de busca pela neutralidade, clareza e verdade a sua recusa à política e à história. O capital nos reduz à categoria de mercadorias e nem por isso o somos.