As bodas de ouro do ponto central da USP

A Praça do Relógio completa 50 anos como um marco de integração pessoal e estudantil

 

 

por Lucas Zacari

A Praça do Relógio é o centro de convivência e integração entre as partes da Universidade. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

 

“Vamos nos encontrar na Praça do Relógio?” Essa frase tornou-se comum para os alunos, professores e integrantes em geral da comunidade da Universidade de São Paulo. Os 176 mil metros quadrados do “ponto central” da Cidade Universitária “Armando Salles de Oliveira” (CUASO) tornaram-se local para encontros, vivências ou, até mesmo, a passagem para outros pontos do campus. 

Neste ano, a Praça está completando o seu 50º aniversário. Para conhecer ainda mais da história desse espaço, o JC faz uma retomada histórica dos seus principais momentos e como ela se tornou ponto de referência na USP.   

A praça antes do relógio

Apesar de não ser precisamente o ponto central da Cidade Universitária — traçando-se um raio das dependências do campus, o centro da USP fica, aproximadamente, entre o Instituto de Geociências e o Instituto de Química —, os planos para a construção da Praça do Relógio sempre foi o de ser um dos principais pontos da Universidade. O Plano Diretor da CUASO de 1954 indicava uma área semelhante à atual como “Centro Cívico”, enquanto o Plano de Ação de 1962, no mesmo espaço, um local de “Convivência Geral”.

A sua construção, no entanto, deu-se somente em 1971, década em que a Universidade obteve um grande aporte financeiro para a manutenção de sua infraestrutura. Aliado a isso, a migração de diversos institutos espalhados pela cidade de São Paulo para a Cidade Universitária, como a Escola Politécnica (Poli-USP) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), ocorrida na década anterior, fazia da praça um provável ponto de referência e integração entre os participantes da Universidade. 

Os 176 mil metros quadrados projetados pelo arquiteto Rino Levi tornaram a Praça do Relógio um dos cartões postais da USP. No entanto, a ideia inicial era de que o espaço fosse, antes de tudo, algo contemplativo, e não de uso contínuo da comunidade. Isso porque, na época de sua construção, a Cidade Universitária fechava-se aos finais de semana, o que dificultava a presença das pessoas fora do período de aulas, algo inimaginável no funcionamento atual. 

O relógio 

Dois anos após a sua inauguração, a estrutura que dá nome à praça foi criada e erguida. Projetado pelo arquiteto Rino Levi, as duas placas de 50 metros de altura por 10 metros de largura, possuindo um relógio com mais de 3 metros de diâmetro ressalta a grandiosidade e a intenção do destaque que a localidade possui dentro da Cidade Universitária. Junto de ser uma referência física, a ideia da construção é que ela fosse também uma referência psíquica. 

Isso porque, além de ser uma construção que, por si só, já destaca a Praça, ela também representa o próprio mundo universitário. No projeto escultórico desenvolvido por Elisabeth Nobiling, então professora de Plástica da FAU, existem um conjunto de doze desenhos que representam as principais áreas de estudo da Universidade.

Desenhos da face do “mundo da fantasia” da torre do relógio. Foto: Marcos Santos/USP Imagens


O “mundo da fantasia” está na face voltada para a antiga reitoria, com representações da poesia, das ciências sociais, ciências econômicas, dança, música e teatro, arquitetura e artes plásticas e filosofia. Já do outro lado, em direção à nova reitoria, temos gravuras do que seria o “mundo da realidade”, simbolizando a astronomia, a química, as ciências biológicas, a física, as ciências geológicas e a matemática. 

Como base das duas torres, está presente um espelho d’água que, ao seu redor, está expresso um ideário que representa o que os projetistas da construção queriam com o relógio. A frase “No universo da cultura, o centro está em toda parte”, proferida pelo reitor da USP na década de 1950, Miguel Reale, representa a noção de que a Praça do Relógio seria o ponto central da vivência universitária.

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

“É justamente a ideia de Universidade, a ideia de que a universidade é uma coleção de saberes que precisam ser integrados, que não podem ser trabalhados isoladamente”, aponta Paulo Pellegrino, professor do Departamento de Projetos em Paisagem e Ambiente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ele ainda complementa: “A ideia era de que a praça fosse o centro do campus, como um grande demonstrativo de como a Universidade consegue demonstrar essa integração do conhecimento produzido e consegue expor isso de uma maneira saudável, interessante e rica.   

Grande reforma

Limpezas em espaços específicos ou recuperações de infraestruturas, como da parte de iluminação ou das torres do relógio, aconteceram poucas vezes nos anos seguintes à sua construção. Isso porque, por vezes, prioridades financeiras tiveram de ser tomadas e a Praça do Relógio passou a ser deixada de lado, sem contar o próprio mau dos usuários.    

Com isso, a Praça do Relógio não estava presente nos seus 176 mil metros quadrados. Pellegrino explica que a praça em si era somente os arredores do relógio: “Quando eu conheci a praça, ela era muito abandonada, ela era um vazio em que as pessoas alugavam como campo de futebol. Era um terreno baldio no meio da Universidade, praticamente”. 

No entanto, no ano de 1997, uma reforma de 3 anos alterou o projeto urbanístico e paisagístico da praça. Custando cerca de R$ 1,2 milhões — financiados pelo Banco Real —, a proposta da reforma teve como principais tópicos a construção de um sistema de irrigação, terraplanagem, e melhorias nas alamedas de passagem e na iluminação. Mas foi a natureza do local que teve uma grande mudança. 

“Foi feito um projeto para transformar a praça em um exemplo de como seria um arboreto, uma coleção de árvores, da mata de São Paulo, das árvores e plantas dos diversos biomas que existem no estado de São Paulo”, ressalta Pellegrino, que, inclusive, foi um dos idealizadores desse projeto de revitalização da Praça do Relógio. 

Os seis ecossistemas vegetais representados foram a Mata Atlântica, a Mata de Araucária, o Cerrado, os Campos Rupestres, a Restinga e a Floresta Semi-decídua. Para isso, a Prefeitura da Cidade Universitária da época, na gestão de Antônio Rodrigues Martins, comprou 8 mil mudas de árvores ornamentais e dos ecossistemas, sem contar as 1850 mudas de arbustos. 

Um pouco da vegetação da Praça. Foto: Jorge Maruta/Jornal da USP

 

Além disso, os caminhos que foram instalados dentro da praça fizeram com que acontecesse uma integração maior entre as próprias partes da Universidade. O idealizador da reforma explica que, antes da revitalização, “a praça era um grande obstáculo. Principalmente quando chovia, ela virava uma área cheia de lama, e que impedia as pessoas de atravessarem a praça. Então as pessoas eram obrigadas a contornar a praça, era um elemento que ficava interrompendo no meio do campus”. 

Com isso, a ideia da reforma era que fosse possível fazer da praça também um espaço de passagem e de conexão entre todas as partes e elementos internos da USP. Pellegrino aponta ainda que alguns equipamentos e espaços que estavam no projeto original não chegaram a ser implementados de forma completa. “Há aquelas grandes áreas de piso que temos ali no meio que era pra ter eventos acontecendo ali, uma série de atividades que permitissem que as pessoas se congregassem no local”, exemplifica. 

Presente e futuro da Praça do Relógio

Apesar de, em comparação ao momento de sua construção inicial para os dias atuais, o número de espécimes naturais ter se multiplicado imensamente, o projeto inicial da reforma não foi seguido à risca. Pellegrino ressalta que a revitalização faria da praça como um elemento de coleção de plantas para os integrantes da Cidade Universitária: “O projeto previa um plantio que fosse feito em sucessão. Para recriar os ambientes dos biomas, nós entramos com as espécies pioneiras e secundárias, e depois era para entrar com as espécies climácicas para fazer, depois que já estivesse fechado os bosques, para que fosse enriquecido com novas espécies”. 

A própria manutenção desse espaço do campus dificulta o desenvolvimento das plantas, o que faz inclusive que espécies invasoras tomem conta do local. “A vegetação que a gente encontra hoje lá é a que conseguiu sobreviver e se estabelecer ali. Quando deixam a vegetação se desenvolver naturalmente, é quando a praça adquire mais a ideia do que nós imaginávamos no início, mais natural”, ressalta o professor.

Apesar das críticas, ao menos a própria preservação do espaço já ajuda para que o processo possa continuar num futuro próximo: “Como um bom projeto de paisagismo, é um processo em andamento, é uma somatória de camadas de conhecimentos. Dali, a gente poderia colocar mais coisas ainda”, aponta Pellegrino. Ele ainda finaliza: “Falta ter a ideia de que a paisagem é algo importantíssimo unificador do campus”.

Mesmo que o projeto paisagístico ainda não esteja completamente finalizado para demonstrar o aspecto unificador pretendido pelo projeto da praça, as pessoas que ali passam e movimentam o local fazem dela esse ponto agregador. 

Depois de uma pandemia que retirou os alunos da Cidade Universitária, afastando-os desse local de convívio estudantil, pouco a pouco o movimento retorna à praça. É extremamente comum ver grupos de pessoas confraternizando e se reencontrando. De esportistas para integrantes das baterias universitárias. Para estudar, se encontrar com amigos ou simplesmente dando uma pausa no dia e respirando um pouco de ar, é muito difícil estar na praça e não encontrar ninguém ao seu redor.

E mesmo que seja como uma passagem, do CEPE para a Praça dos Bancos, do Bandejão para o Hospital Universitário, ou simplesmente saindo da Cidade Universitária, é bem provável que no seu caminho esteja a Praça do Relógio.

Foto: Cecília Bastos/USP Imagem