Vida na Universidade

A volta ao presencial e a passagem do tempo


por Thomas Toscano

Foto: Thomas Toscano/JC

Quando descobri que meu estágio seria cem por cento online, fiquei muito feliz. Afinal, ter que acordar mais cedo e pegar ônibus todos os dias cansa e não serve para nada. É o tipo de tempo inútil que, de alguma forma, nos tornamos gratos de termos nos livrado. 

E além disso, a vantagem de poder levantar da cadeira e ir na cozinha buscar um lanche ou um copo d’água, abrir as janelas do quarto ou fechá-las se começar a chover. Nada de máscaras ou de tempo marcado para ir ao banheiro. 

Nesses dois anos, tem sido essa minha rotina e também a de muitos colegas. Às vezes converso com alguém pelo whatsapp, a gente combina alguma coisa que nunca vai fazer. Nada parece muito diferente do que era quando estava no colégio: ainda estou no colégio?

A pergunta simples não é tão simples. Quando sonho ou quando lembro, só me vêem coisas da escola. Os três anos de colegial, três anos rápidos, mas cheios de memórias. E os dois anos da faculdade, quase o mesmo tempo, de que me lembro? Mal posso acreditar que tanto tempo já passou. 

Talvez tenha sido culpa minha, não viver a faculdade. Mas o que havia de vivo nesse tempo? O mundo, por todo canto, unido pela dor e pelo silêncio. E quando se tentava seguir em frente, era o “novo normal”, tudo parecido como antes, com a impressão de que faltava alguma coisa: o quê?

Tento não pensar demais. Quando voltaram às aulas, tudo parecia muito normal, como se nada tivesse mudado. Parecia que a pandemia não passava de um sonho febril, uma mancha esquecida na memória coletiva de todos. Talvez, no máximo, relembrada com dor e decepção, conversas com amigos sobre aquela matéria que teria sido bem melhor no presencial. E parecia que tudo seguia como normal.

Até semana passada. Por algumas razões, não tivemos aula na semana passada inteira. Na segunda, me senti com sorte. Depois do estágio online, poderia descansar e escrever no computador. Na terça, a sorte se misturou com estranhamento: já tinha até separado meus trocados para o ônibus. Meus amigos me zoam por eu não ter feito o bilhete único. 

Quarta, quinta e sexta. Dias que não consigo diferenciar um do outro, uma mancha cinza de acontecimentos. A todo tempo estava no estágio, a todo tempo não estava. Na tela do computador, as imagens se confundem com memórias e, por eficiência, sempre obedecem meus comandos. Nada sai de inesperado no meu tempo de trabalho. Engraçado.

Hoje na aula, a luz acabou. Foi uma coisa bem divertida, por que tinha esquecido o caderno e minhas folhas soltas estavam todas espalhadas pelo chão escuro. Enquanto juntava minhas coisas, via pela janela as pessoas saindo mais cedo, agradecidas pela intervenção quase divina no fim da aula. O que aconteceria ano passado?

A luz acabaria só pra mim. E ia fechar o notebook, deitar e dormir. Tão sozinho como se ainda estivesse na aula. Com certeza consigo usar melhor meu tempo dentro de casa, mas o tempo em casa não passa. 

Os horários não fazem sentido, as aulas não se fixam, trabalho bem, mas não aprendo nada. E só hoje fui entender: quando acaba a luz, estamos ali. Vivos, preocupados, cansados, entediados – vivos. 

E toda aquelas demoras chatas entre uma aula e outra, as filas na lanchonete ou no bandejão, todas as coisas mais banais da universidade, de tudo isso senti falta. São delas que saem as histórias, os momentos marcantes, os dias sem luz quando mais se precisava. Aquele lanche quando se tem fome e quando só se pode comer no intervalo. As idas ao banheiro coroadas com frases engraçadas nas portas do toilette. O malabarismo para carregar o celular na única tomada da sala ou para descobrir se quem você mais olha está olhando pra você. As pequenas risadas, os imprevistos com o projetor, as canetas sem tinta, as aranhas no campus, tudo que sempre vimos e sempre achamos normal: é tudo isso que faltava. 

Parece pouca coisa. Afinal, em casa tenho comida e água quando quero, abro as janelas do quarto e as fecho quando faz frio. E faço isso de novo e de novo. Me senti muito sozinho nesses dois anos e, ainda que eu não fale com tanta gente, ver os rostos das pessoas, cobertos de máscaras, e ver suas expressões: é pouca coisa, mas é tudo que faltava. 

A pandemia ainda não acabou. Na semana passada, a crônica abordou muito bem a dor no olhar das pessoas, a perda velada. É impossível voltar tudo ao normal e fingir que nada aconteceu. O mundo não nasce como era, mas tenta nascer de novo. Duro, cansativo, chato, porém vivo. E a Universidade volta à vida.