O JC publicou nas últimas edições reportagens sobre as condições de trabalho dos vigilantes terceirizados na USP. Eles prestam serviços na universidade, mas têm salários e direitos diferentes dos demais funcionários do campus e são subordinados a uma empresa de fora. Este modelo é bom para a universidade? Situações como as descobertas pelos repórteres do JC, como atraso de valetransporte e condições insalubres, são a regra ou exceção nesse universo? Convidamos dois especialistas para destrinchar o tema.
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Reduzir custos com o sacrifício de terceiros é imoral e ilegal – por Jorge Luiz Souto Maior
Estado deve focar verbas para aprimorar serviços prestados – por Sandra Souza Pinto
Reduzir custos com o sacrifício de terceiros é imoral e ilegal
por Jorge Luiz Souto Maior
Qual a razão de se trazer a prática da Terceirização, que não passa de uma intermediação de mão-de-obra, para o setor público? Incrementar a produção? Reduzir custo?
Nada disso tem sentido… A redução de custo do trabalho para a Administração é imoral, pois o custo é reduzido a partir do sacrifício dos direitos daquele que presta o serviço. Ora, o direito da sociedade de se fazer valer dos serviços do Estado não pode ser concretizado por meio da diminuição dos direitos do trabalhador, pois isto seria o mesmo que excluí-lo da condição de membro dessa mesma sociedade, ou colocá-lo em uma situação de sub-cidadania.
De todo modo, o próprio lucro é ilusório, pois não raro as empresas de terceirização, já que não possuem estrutura produtiva própria, ativandose com o comércio de gente, não têm bens suficientes para garantir os créditos trabalhistas desses “servidores” e como efeito o poder público é responsabilizado pelo pagamento desses créditos.
Os “terceirizados”, ademais, são tratados de modo preconceituoso, como cidadãos de categoria inferior, que estão ali prestando serviços por um “favor” da empresa prestadora. São elementos descartáveis e com relação aos quais nenhuma atenção precisa ser dada, a não ser para algum ato de caridade. Além disso, de alguns tempos para cá a perversidade da terceirização ampliou sua maldade, fazendo com que os terceirizados sejam “jogados” de um local de trabalho para o outro, sobretudo quando se “atrevem” a pleitear o respeito aos seus direitos.
Quando perdem o emprego, os terceirizados, em geral, não recebem seus direitos e para tentar fazer valê-los são obrigados a se submeter a um longo percurso judicial, tendo, ainda, que suportar o ente público dizendo, em audiência, que nada tem a ver com tal situação. A Constituição fixa, expressamente, os requisitos para a execução de serviços públicos: impessoalidade, publicidade, moralidade, acesso amplo e concurso público, tudo para evitar os defeitos por demais conhecidos do favorecimento, do nepotismo e da promiscuidade entre o público e camadas privilegiados do setor privado.
Não há em nosso ordenamento constitucional a remota possibilidade de que as tarefas que façam parte da dinâmica administrativa do ente público sejam executadas por trabalhadores contratados por uma empresa interposta. A terceirização, que nada mais é que uma colocação da força de trabalho de algumas pessoas a serviço de outras, por intermédio de um terceiro, ou seja, uma subcontratação da mão-de-obra, é inconstitucional na esfera da administração pública.
Jorge Luiz Souto Maior é juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, professor de Direito do Trabalho da USP, com doutorado na Université de Paris II e livre docência na USP com a tese “O direito do trabalho como instrumento de justiça social”.
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Estado deve focar verbas para aprimorar serviços prestados
por Sandra Souza Pinto
Terceirizar serviços significa transferir para terceiros a responsabilidade pela execução de atividades que empresas ou órgãos públicos realizam internamente. Embora não haja um limite para o que possa ser terceirizado, de modo geral as atividades terceirizadas são de natureza secundária.
A terceirização surge para que a empresa possa se concentrar nas atividades-fim e ficar mais competitiva. Para o Estado é uma forma de concentrar recursos nos serviços que atendam diretamente às demandas da sociedade – educação, saúde, segurança etc.
Nos órgãos públicos, a contratação de serviços terceirizados é regida pela Lei de Licitações (8.666/93) e pelo Decreto 2271/97. Esse último permite que sejam terceirizadas atividades acessórias, instrumentais ou complementares à competência legal do órgão contratante, desde que a função não esteja prevista no plano de cargos de funcionários. De fato, o que os órgãos públicos costumam terceirizar são atividades de vigilância, limpeza, conservação, portaria e restaurante.
Tramita no congresso um projeto que proíbe a terceirização de atividades típicas de Estado, como as de julgar, legislar e tributar, ou inerentes ao poder de polícia, o que é coerente com os fins da terceirização. O projeto também prevê a proibição da contratação de parentes até o terceiro grau, ainda que por afinidade, de políticos, servidores ou empregados, e estabelece que uma empresa só pode prestar serviços a órgãos públicos se estiver em dia com o pagamento das contribuições sociais.
Com esse projeto, as regras já estabelecidas e a experiência acumulada pelo Poder Público com a contratação de serviços, pode-se esperar que os processos de escolha e gestão de contratos com terceiros sejam cada vez mais aperfeiçoados e os serviços terceirizados ganhem qualidade.
Nos serviços em que o uso de mão de obra é intensivo e o de tecnologia é baixo prevalece o critério do menor preço. Por isso, para garantir a prestação de bons serviços por seus fornecedores, o órgão contratante tem a obrigação de reforçar os cuidados no processo de contratação. Deve exigir que as empresas comprovem estar em dia com as obrigações fiscais, e que demonstrem ter suporte econômico e financeiro para arcar com os encargos trabalhistas.
A concentração naquilo que lhe é próprio e indelegável permite ao órgão público imprimir qualidade aos serviços prestados, com o desenvolvimento constante da mão-de-obra, tecnologia e métodos de gestão. Isso não significa, no entanto, descuidar dos serviços delegados a terceiros.