Docentes do IQ falam sobre ciência no Brasil

Apenas no Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo existem mais de 80 linhas de pesquisa, envolvendo todos os docentes da instituição. Tantos grupos de pesquisadores não refletem, necessariamente, sucesso acadêmico. Até hoje, nenhum brasileiro foi contemplado com o mais alto prêmio na área, o Nobel de Química.

O suíço ganhador em 2002, Kurt Wüthrich, acredita que o crescimento econômico brasileiro não é acompanhado por crescimento em ciência. “A China é um gigante, tem feito enormes esforços científicos. Como a Índia, já possui prêmio Nobel. Está em outro patamar em relação ao Brasil e isso é algo que vocês têm que aceitar”, afirmou em entrevista ao Portal IG, em 16 de agosto.

“Recentemente, o professor Hernan Chaimovich ganhou uma ordem francesa e a professora Ohara Augusto, o prêmio L’Oreal para Mulheres na Ciência. Mais alto do que isso, nunca ganhamos”, diz o diretor do IQ, Fernando Ornellas. Compreender os motivos para a defasagem brasileira em pesquisa científica envolve mais do que questões de investimento.

Laboratório de Biomateriais Poliméricos do IQ-USP (foto: Anna Carolina Papp)
Laboratório de Biomateriais Poliméricos do IQ-USP (foto: Anna Carolina Papp)
Outros institutos

“O que diferencia a USP e a Unicamp de Caltech, Stanford, Berkley e de Harvard?”, questiona o professor Hernan Chaimovich, do Departamento de Bioquímica do IQ.  “Gosto de citar o grande filósofo brasileiro Abelardo Barbosa, conhecido como Chacrinha, que diz: ‘Quem não se comunica se trumbica’. Nessas instituições, as pessoas se comunicam em ciência o tempo todo. Sinto que, nas nossas universidades raramente a ciência extravasa o seu mundinho”, completa.

Burocracia

Além da estrutura, o desenvolvimento de pesquisas e a expansão científica da Universidade têm seu potencial diminuído por encontrarem barreiras em âmbito legal. O diretor aponta a questão de contratação dos docentes, que não podem ser mandados embora após o período de três anos de experiência. Chaimovich explica: “Aqui [na USP] se contrata por um processo completamente formal e, se foi um engano, é difícil mandar embora”.

Os docentes ressaltam a dificuldade para obter recursos ou efetivá-los. O diretor conta que, no ano passado, comprou um software inédito no Brasil. No entanto, apesar do acordo com os Estados Unidos, até hoje o técnico responsável não conseguiu o visto para vir ao país instalar o programa.

Intercâmbio

Outro fator importante para uma instituição despontar em pesquisa é ter contato constante com o que está sendo feito no resto do mundo, valorizando a internacionalização, que, para Chaimovich, “não é viajar, mas estar inserido, realizar pesquisa junto. Trazer gente e levar gente, comunicar”. Ele ressalta que é imprescindível que os docentes estejam em congressos de sua área.

Investir em nível nacional

Otto Gottlieb, que era professor do Instituto, foi indicado ao Nobel de Química três vezes. “Ele conseguiu criar sua própria infraestrutura. Formou muita gente, e conseguiu que muitos ex-alunos o ajudassem em sua pesquisa”, relata Chaimovich. No entanto, apesar de apresentar pesquisas relevantes em escala mundial, nunca foi contemplado com o prêmio.

Ornellas ressalta que o país tem experimentado grande crescimento científico, apesar de nunca ter recebido um Nobel. O diretor acredita que mais importante do que prêmios internacionais é estimular o desenvolvimento científico igualitário em todo o país. “Talvez fosse mais importante gerar pessoas mais capacitadas.”