Projeto de empresa júnior segue em debate na Psico

O adiamento da decisão final da Congregação iniciou discussão entre alunos e professores a respeito do papel da Universidade e seu caráter público

Trechos de declarações de docentes favoráveis e contrários à criação da Empresa Júnior no IP mostram a divergência de ideias sobre a questão (arte: Bruno Federowski)
Trechos de declarações de docentes favoráveis e contrários à criação da Empresa Júnior no IP mostram a divergência de ideias sobre a questão (arte: Bruno Federowski)

Um projeto para a criação de uma em­presa júnior (EJ) no Instituto de Psicologia (IP), encaminhado para a Congregação de profes­sores por três alunos do quarto ano da graduação, foi reprovado por dois pro­fessores, desencadeando uma série de discussões que polarizaram alunos e professores. A partir daí, o debate ampliou-se para todo o Instituto, e passou a abarcar questões políti­cas como o papel da Uni­versidade, a atuação dos estudantes na melhoria de sua graduação e o conflito entre o espaço público e o privado na sociedade atual.

Alunos do Centro Aca­dêmico (CA) e do projeto de criação da empresa júnior se mobilizaram em encontros com professo­res, representantes dis­centes, alunos da gradu­ação e da pós-graduação. Além disso, foi criado um fórum de discussão no Facebook, mas, ainda as­sim, a questão parece estar longe da possibilidade de um acordo mútuo. “As reuniões são um debate político, o que acabou afastando muita gente”, diz Sérgio Paes de Barros, aluno da pós-graduação. “Esses encontros têm um clima bem hostil. Algumas pessoas se ofenderam”, diz Igor Colombo, diretor administrativo do Núcleo USP Jr., que agrega as Em­presas Juniores da USP.

Questões do Instituto

Muitos alunos souberam da intenção de se criar a empresa júnior apenas quando ela foi recusada pela Congregação. “Tudo foi feito de forma pouco democrática”, diz Feli­pe Oliveira, suplente de representante discente. Laima Czarlinski, cossig­natária do projeto, explica: “A Congregação é a ins­tância máxima do IP. Foi um pouco de imaturidade da nossa parte, porém foi uma solução para levar a ideia pra frente e aprimo­rar o projeto. Mas já pedi­mos desculpas por termos levado diretamente”.

“A maneira com que foi entregue o projeto é sinto­mática, fomos ensinados a ser assim aqui no Insti­tuto. Aqui, falta diálogo e democracia”, diz Renata Conde, do Centro Acadê­mico. Para ela, a criação de uma empresa júnior parte de algo comum: a insatisfação com a gra­duação. “A diferença está nas saídas propostas: o CA quer resolver de forma de­mocrática, com uma me­lhoria coletiva. A criação da EJ seria uma medida paliativa que, na verdade, significa um retrocesso, porque desresponsabiliza­ria a Universidade da sua função. Devemos exigir do Estado, e não fazer por ele”, diz.

A Empresa Júnior

Algumas das críticas le­vantadas pelo CA, como apontam alunos favorá­veis à EJ, vêm da falta de conhecimento do que é esse movimento.

O Movimento Empre­sa Júnior (MEJ) surgiu na França, em 1967, em confluência com as novas tendências de tornar o trabalho empresarial me­nos automatizado. Rapi­damente se espalhou pela Europa, e chegou ao Brasil em 1986, com a criação da primeira EJ, a FGV Júnior, em 1988. É desse contex­to histórico que veio o nome “empresa”, apesar de se configurar como uma associação civil sem fins lucrativos.

Laima Czarlinski ex­plica: “Se é um projeto de extensão, todo mundo aceita, mas se configu­rando como EJ, criticam. Todo mundo associa ‘em­presa júnior’ com empre­sário, mercado, salário. Mas esse nome é só pelo motivo histórico. Não queremos formar empre­sários, e sim psicólogos com práticas diferencia­das”. A presidente da San­fran Jr. (empresa júnior da Faculdade de Direito), Amanda Costa, comple­menta explicando que o propósito da EJ “mostra­-se exatamente o oposto da lógica de mercado – trabalha-se muito, de gra­ça, pra aprender de forma diferenciada”. Sobre essa questão, diz Patrícia Lei­te, do Centro Acadêmico: “Não é responsabilidade da Universidade dar a formação de gestor de projetos e empresários”. O professor Sigmar Malvezzi depõe contrariamente: “O trabalho na EJ é uma excelente oportunidade de aprendizado da responsabilidade profissional e do compromisso com a qualidade do serviço prestado e os direitos dos clientes”.

O MEJ é considerado o maior movimento estu­dantil do Brasil, com uma estimativa de mais de 700 associações envolvendo cerca de 22 mil alunos, de acordo com a Bra­sil Júnior, Confederação Brasileira de Empresas Juniores.

“A gente não quer ser a formação acadêmica, e sim um complemento. É pra caminhar junto com a graduação” explica Allan Rocha, presidente da Poli Jr. “A USP tem um caráter bastante voltado para a pesquisa, para a parte aca­dêmica”, completa. Nesse sentido, “a EJ serve para dar um braço de prática para os alunos”, diz Caio Colzi, presidente da FEA Jr. Essa iniciativa dos es­tudantes é bem aceita na maioria dos institutos e faculdades, e em alguns casos, como na Unesp, já há uma portaria que via­biliza a criação de uma EJ.

Definição de Empresa Júnior (retirada do Concentro da Brasil Júnior)

A Empresa Júnior é uma Associação Civil sem fins lucrativos* constituída por alunos de nível superior ou técnico com o intuito de aplicar a teoria ministrada em sala de aula, prestando serviços de consultoria e assessoria de qualidade, a um custo reduzido, para empresários e empresa públicas e privadas. Estas atividades são desenvolvidas com o acompanhamento e a orientação de professores e profissionais especializados, promovendo assim, a excelência na preparação e no estímulo da formação profissional.

*entidade constituída pela união de pessoas civis com o intuito de alcançarem um objetivo comum, excluindo a geração de lucro. As associações adquirem personalidade jurídica após a efetuação do registro de seus estatutos em cartório.

Público x Privado

Além da questão do foco mercadológico apontado pelos alunos contrários à EJ da Psicologia, uma grande discussão trazida nesse contexto foi sobre o público e o privado dentro da Universidade.

Uma associação civil sem fins lucrativos, como a EJ, o CA e as Atléticas, teoricamente não fere nenhum caráter público, já que todo o lucro ob­tido é revertido para as próprias entidades, não havendo lucro para seus integrantes.

Ainda assim, aponta Patrícia Leite: “Eles se apresentam como uma empresa, e portanto se­guem as lógicas de mer­cado. Para prestar servi­ços a empresas privadas, recursos públicos seriam realocados”. A professora Leny Sato completa: “Se­ria uma estrutura estra­nha à natureza da Uni­versidade, e teria o nome do Instituto e da USP como selo para se inserir de forma diferenciada no mercado” (para entender melhor, consulte o box à direita).

Cursos de Extensão

Muitos professores também apontaram os cursos de extensão já existentes como um argumento para a não criação da EJ. O docu­mento oficial redigido pelo Centro de Psicolo­gia Aplicada ao Trabalho (CPAT) argumenta que esses projetos cobrem a carência prática do curso de forma mais ampla. Outro argumento é que “o novo currículo da gra­duação, vigente há sete anos, já previu as solici­tações dos próprios alu­nos. Há disciplinas que abrem a possibilidade de criação de projetos para gestão e autonomia”, diz a professora Sato. “Já temos campo, espaço e muitas estruturas para a extensão. Não vejo moti­vo para a criação da EJ”, completa.

Nesse ponto, alunos contrários e a favor da EJ entram em acordo quanto à ineficiência da extensão no IP: “Temos os projetos de exten­são, o problema é que são pouco divulgados”, diz Felipe Oliveira. “A Universidade se pauta em um tripé manco – a questão da extensão é sempre minorizada”, ar­gumenta Patrícia Leite. Diante dessa questão, a criação da EJ se vê como uma solução imediata: “Somos outro objetivo e outra proposta. O que diferencia a EJ é a ques­tão da gestão. A atuação do projeto se aproxima­ria muito de um projeto de extensão, mas seria gerido pelos próprios alunos, que já é uma prática empreendedora”, diz Laima Czarlinski. De acordo com Renata Conde “a EJ iria atender a pouquíssimos alunos, por isso o CA quer fazer reivindicações mais de­mocráticas”, o que não viria tão cedo, dadas as barreiras burocráticas apontadas pelos favorá­veis à criação da empresa júnior.

Mesmo com tamanhas divergências entre os envolvidos na discussão atual, o IP se encontra em processo de questio­namento que pode trazer melhorias para todos os seus componentes. “Achamos esse momento muito frutífero”, conclui Renata.


Conheça outros casos polêmicos de Juniores

Bio USP Jr.

Bio USP Jr.

Em 15 de junho, alunos da Biologia formaram uma pequena comissão e criaram uma empresa júnior, com o auxílio de professores e membros do Núcleo USP Jr. O projeto foi aprovado pela diretoria sem o conhecimento de muitos docentes e discentes, causando o incômodo de alguns membros do Centro Acadêmico. A Bio USP Jr. foi apresentada ao Instituto na Semana de Inovação e Empreendedorismo, em agosto, mas “a ausência de um projeto escrito dificultou o entendimento”, explica Adriano Senkerics, membro do CA. Como solução, foi proposto que a comissão escrevesse sobre a EJ na edição de novembro do jornalzinho do CA, o RNA Mensageiro.

Odonto USP Jr.Odonto USP Jr.

Em março desse ano, a diretoria apontou que a EJ, por realizar a atividade de clínica no espaço da faculdade, estaria sendo incompatível com o caráter público, já que as atividades eram cobradas e oferecidas gratuitamente pelo Instituto. As atividades de clínica da EJ, portanto, foram encerradas em abril. “Isso teve um reflexo bastante grande na Júnior, não só financeiro mas de organização de trabalho”, explica Fernando Horita, diretor de projetos. “Os membros acabaram tendo um aprendizado maior diante da resolução de um problema, o que está dentro da proposta de uma EJ”, conclui.