Para advogado, Regimento Disciplinar fere autonomia da USP

Os processos administrativos movidos contra os estudantes da USP se baseiam em parte do Regimento Geral de 1972, que foi mantida pela Universidade em 1990, quando foi escrito um novo regimento, em vigor atualmente.

Aton Fon, advogado dos seis estudantes eliminados, acusados de participar da ocupação do bloco G do CRUSP, argumenta que quando foi feito o regimento disciplinar, não estava em vigência a autonomia universitária como princípio constitucional. Mesmo depois da Constituição de 1988, valendo a autonomia universitária, a USP decidiu manter temporariamente partes do regimento interno, de 1972 no Regimento Geral da Universidade escrito em 1990.

Para o advogado, manter o regimento “foi um suicídio da autonomia universitária, já que o Conselho manteve um instrumento que foi decretado pelo governador do estado como se fosse de sua própria vontade, mas na verdade acolheu a vontade do governador”.

Ainda assim, Fon afirma que a manutenção do Regimento Disciplinar “foi legal, porque quem tinha poder usou seu poder para manter aquele regimento, é como se tivessem reescrito da mesma forma”. Entretanto, Renan Quinalha, advogado e articulador da Comissão da Verdade da USP, não deixa de ressaltar que o regimento interno de 1990 recepciona as normas disciplinares que estavam presentes no Regimento Geral anterior. “Ou seja, remonta ao pior período da ditadura civil-militar brasileira. Os direitos de liberdade de expressão e manifestação política, bem como de greve, todos garantidos pela Constituição Federal de 1988 estão restringidos no regimento”, diz ele.

Regimento Disciplinar

O artigo 247 do antigo Estatuto Geral, que justifica as medidas do Regimento Disciplinar, visa “assegurar, manter e preservar a boa ordem, o respeito, os bons costumes e preceitos morais, de forma a garantir a harmônica convivência entre docentes e discentes e a disciplina indispensável às atividades universitárias”.

Nesse sentido, o regimento considera infrações atos como perturbar os trabalhos escolares, bem como o funcionamento da administração da USP ; promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares e praticar ato atentatório à moral ou aos bons costumes, por exemplo. No caso de alunos, as infrações podem ser punidas por advertência verbal, repreensão por escrito, suspensão ou eliminação.

Renan Quinalha afirma que considerar infrações os atos como os citados acima significa que os direitos de liberdade de expressão e manifestação política – garantidos pela Constiução de 1988 – estão restringidos pelo regime disciplinar da USP.

A Reitoria justificou que a Universidade recorre ao Regimento Disciplinar com fundamento na própria Constituição Federal de 1988 e no direito administrativo geral brasileiro: “O processo no âmbito da Universidade tem início por uma sindicância, após sua conclusão a Comissão de Sindicância elabora um relatório e dependendo do resultado, o processo poderá ser encaminhado para instauração de processo administrativo disciplinar”, explicou a asssesoria de imprensa da Reitoria.

Questionada sobre a possibilidade de alteração do regimento, a reitoria argumentou: “Em 1990, quando foi aprovado o vigente Estatuto da USP, os alunos preferiram não discutir a legislação nova, deixando que o texto de 1972 continuasse em vigor”. E afirma que o Estatuto pode ser revisto considerando as premissas constitucionais e administrativas da USP.

Aton Fon contesta: “Por que as infrações são colocadas de modo infinitamente genérico, por exemplo, o que são a moral e os bons costumes? O regimento já foi redigido desse modo para dar o poder na mão da autoridade que vai aplicar a sanção”. Segundo Fon, do ponto de vista jurídico não se pode reivindicar o regimento como inválido por ser da ditadura.

Segundo explicações da Reitoria, o processo administrativo é julgado por uma Comissão Processante que sugere a pena a ser aplicada, que deve ser acolhida por parte da Reitoria. Essa comissão é composta por três docentes indicados pelo Procurador Geral, que é indicado diretamente pelo Reitor. Apesar do advogado Aton Fon considerar esse tipo de procedimento tradicional em julgamentos de processos disciplinares, Marcus Padraic Dunne, estudante que sofreu processo e foi eliminado, opina: “Me parece que a mesma pessoa que instaura o processo é quem julga e define a punição”.

Comissão da verdade

A Comissao da Verdade da USP, segundo Renan Quinalha, surgiu de um movimento envolvendo alunos, servidores docentes e não-docentes para que a USP também institua uma Comissão da Verdade, a exemplo do Estado brasileiro, da Assembléia Legislativa do Estado de SP e da Câmara Municial de São Paulo, diante da necessidade de examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas no período de 1964 a 1988.

O advogado afirma que “as discussões têm sido no sentido de exigir uma Comissão da Verdade de caráter oficial da USP, mas com autonomia e independência da estrutura de poder da Universidade para poder realizar seu trabalho com profundidade e liberdade”.

Segundo ele, a Constituição garante autonomia às universidades sob diversos pontos de vista, mas ainda assim, Quinalha afirma que “a USP é uma das universidades mais retrógradas e ainda resistentes às mudanças trazidas pela transição democrática de 1988, daí a importância de uma Comissão da Verdade uspiana”.


Como foram encaminhados os processos que eliminaram seis estudantes

A USP, propriamente, não tem um código de procedimentos para processos administrativos/disciplinares. Segundo Aton Fon Filho, no caso dos eliminados pelo processo da ocupação do Bloco G do Crusp, a USP usou como base o Estatuto do Servidor Público Estadual, que não está mais em vigência. A Reitoria contesta as informações mas não explica em que lei ela se baseia. Atualmente, o Governo do Estado de São Paulo utiliza a lei 10.177 de 1998, que determina como é o processo administrativo sancionatório. Entenda as diferenças:
Usada no Estado (Lei Nº 10.177, de 30/12/1998)
  • Citação do processado com antecedência mínima de 15 dias;
  • Elaboração e apresentação de pareceres ou informes de caráter técnico ou jurídico: 20 dias prorrogáveis por mais 10 dias;
  • Manifestações do particular ou providências a seu cargo: 7 dias;
  • Julgamento após 20 dias, contados após a apresentação do relatório.
Usada na USP (Lei Nº 10.261, de 28/10/1968)
  • Citação do processado com antecedência mínima de 2 dias;
  • O indiciado tem prazo de 5 dias para apresentar as testemunhas (máximo de 10);
  • Apresentação de defesa por parte do indiciado deve ser feita em 10 dias, com acesso aos autos;
  • Julgamento após 30 dias, contados após a apresentação do relatório

Fontes: Aton Fon Filho e leis citadas