O consumo de álcool faz mal à USP?

A universidade é, por essência, um local de formação acadêmica. No entanto, também é considerada um importante espaço de convivência, no qual a bebida alcoólica pode estar presente. Especialistas discutem os limites da influência do álcool.
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A proibição da bebida condiz com a missão da Universidade – entrevista com Guilherme Polanczyk
Proibir é negar aos jovens a possibilidade de autonomia – entrevista com Edemilson Campos


A proibição da bebida condiz com a missão da Universidade

Guilherme Polanczyk é professor doutor de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.

Jornal do Campus: Qual a sua opinião sobre o consumo do álcool na sociedade?
Guilherme Polanczy: É bem claro que a bebida é algo relevante por causar problemas de saúde física e mental e por levar a outros problemas. Além disso, é muito comum pessoas começarem a usar outras substâncias por estarem alcoolizados, pois ficam menos inibidas. Violência e acidentes de trânsito também estão relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas.

JC: O que você acha desse consumo dentro do espaço da universidade?
GP: A universidade acaba tendo responsabilidade pelo que acontece dentro dela. Quaisquer eventos dentro do campus são de responsabilidade da USP e não faz parte da sua missão proporcionar situações possivelmente prejudiciais. A proibição da venda de bebidas alcoólicas dentro do campus vai ao encontro da missão da universidade, que é promover o desenvolvimento dos alunos. Trata-se de uma medida mais eficaz para evitar danos à saúde do que ações que condicionam o uso. Um exemplo: apesar de o cinto de automóveis servir para a segurança das pessoas, elas só passaram a usá-lo depois que se tornou obrigatório.

JC: Atléticas e grêmios afirmam que sua renda, revertida para o esporte universitário e outras atividades acadêmicas, vem quase que exclusivamente da venda de cervejas. Quais as alternativas que você sugere para a manutenção desse orçamento?
GP: Depende da criatividade da organização. Essa renda é revertida para o bem dos estudantes, então são os próprios estudantes que talvez tenham que pensar em outras formas. Já que eles pagam para beber, por que não poderiam contribuir de outra maneira? Não acho que isso seja uma justificativa.

JC: A USP também é responsável pelas festas organizadas por associações acadêmicas fora do campus?
GP: Teoricamente, sim. Mas a universidade não pode se responsabilizar por tudo que acontece com seus integrantes. Se algo está acontecendo dentro da minha casa, eu decido se permito ou não. Fora disso, o controle fica inviável.

JC: Considerando então que as pessoas estariam consumindo álcool fora do campus, a proibição dentro dele não seria em vão?
GP: Acho que não. É complicado ter um happy hour na própria faculdade, onde a pessoa sai de dentro da sala de aula e já se depara com a bebida. Eu não preciso nem ir a uma festa para ter contato com o álcool, mesmo se eu for menor de idade. Ou seja, não dou a chance de o meu pai dizer que eu não posso ir naquela festa por ela ser inadequada para a minha idade porque eu já estou dentro da universidade, em um local onde eu deveria estar estudando. Não é que eu seja necessariamente contra as festas: estar aqui junto com os amigos também faz parte da vivência universitária.

JC: O que você pensa a respeito das políticas de conscientização?
GP: Acho muito válido. Além dessas proibições, a informação é necessária, sem dúvida. Não acho que elas resolvam o problema, mas acho que elas amenizam e evitam uma série de questões mais graves. Existem ações para serviços especializados dentro da universidade para atender a comunidade da USP, que sofre com problemas de dependência.

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Proibir é negar aos jovens a possibilidade de autonomia

Edemilson Campos é professor da Escola de Artes Ciências e Humanidades do curso de obstetrícia e doutor em antropologia e saúde. Estudou o alcoolismo e os grupos de ajuda.

Jornal do Campus: O que significa o consumo de álcool na sociedade?
Edemilson Campos: Quando se fala de bebida alcoólica, é importante perceber o contexto no qual esse uso acontece. O consumo de álcool faz parte da história da humanidade e sempre fez parte da vida social. As pesquisas mostram que o modo como o álcool é consumido cria também uma forma de regulação. Se você sai com amigos e bebe uma certa quantidade, isso pode ser visto com naturalidade. Mas, se você vai a um bar e bebe sozinho, você poderá ser visto com certa censura. É preciso pensar no contexto do consumo para avaliar se ele é abusivo.

JC: Como você avalia esse consumo entre jovens?
EC: O que as pesquisas mais epidemiológicas mostram é que, na faixa dos 12 aos 17 anos, há um consumo elevado em 50% dos homens e em mais de 40% das mulheres. Quando se pensa em jovem, pensa-se em uma fase de transformação, em uma transição, em uma experimentação. O álcool opera como facilitador de interações nessa fase, um lubrificante social. Assim, ao pensar em políticas de prevenção, é preciso lembrar que hoje o jovem tem autonomia, não se pode desprezar isso.

JC: Qual sua opinião sobre o consumo dentro da universidade?
EC: Há uma visão proibicionista, que visa a restringir o contato do universitário com bebidas alcoólicas. A justificativa é de que esse é um espaço acadêmico. Mas esse argumento acaba escondendo o problema e não o enfrenta. O jovem, dentro ou fora da universidade, vai continuar bebendo.  A pergunta interessante é por que ele bebe na universidade. Melhor do que proibir é identificar problemas e promover debates. Só então será possível desenvolver um programa de prevenção.

JC: Como você enxerga o aumento da burocracia para a entrada de bebida no campus?
EC: A burocratização vem de encontro a uma visão proibicionista, na qual cria-se entraves, dificuldades para que esse uso possa ser feito, colocando a bebida como o problema. A bebida não é o problema. Existe um exemplo histórico clássico que foi a lei seca norte americana. A proibição do comércio de bebidas alcóolicas  nos Eua nos anos 20 provocou o caos, foi o único caso na história em que se injetava álcool na veia.

JC: Muitos alunos ingressam com menos de 18 anos. No caso  de menores de idade, o proibicionismo é justificável?
EC: Há um aspecto legal colocado e é claro que a universidade não deve fechar os olhos para isso. Mas a complexidade é maior. O uso do álcool está presente, ele faz parte da vida, não é um inimigo. Os menores, é claro, têm que ser mais protegidos e a legislação já faz isso. Mas eles também devem ser conscientizados e informados. Não se pode sonegar informação. Acho que a pior consequência da proibição é você impedir um debate no qual as pessoas vão se informar e tomar uma decisão.

JC: Essa burocratização reduz o ambiente universitário a um espaço meramente acadêmico?
EC: A vida universitária envolve várias interações. Há a dimensão do conhecimento, mas ela também é uma formação para a cidadania; se ela é uma formação para cidadania, ela tem que fazer com que esse jovem pense nessas práticas. Muitas vezes proibir é negar a possibilidade de autonomia nas decisões. O que se observa na história é que a proibição não é eficaz. Ela traz algo mais problemático, que é a clandestinidade.

JC: Então a universidade deveria ter autonomia de questionar essa lei?
EC: O papel da universidade também é esse. As pesquisas feitas aqui dentro e os conhecimentos produzidos repercutem na sociedade. A universidade tem que ser visionária, olhar sempre para a frente. Mesmo estando inserido em um contexto histórico atual, o espaço universitário deve pensar no futuro. Dessa forma pensar em políticas mais eficazes, não só no âmbito do espaço universitário, mas para toda a sociedade.

JC: Quais medidas regulatórias você considera mais eficazes para o consumo de bebidas?
EC: Sem dúvida a de redução de danos, que o que há de mais avançado atualmente. Ela é mais realista porque representa uma política que aceita o uso do álcool como parte da vida social. A política de redução de danos pode ser pensada tanto para as drogas lícitas quanto também para as substâncias ilícitas. Redução de danos significa investir em autonomia e capacitar as pessoas para que elas possam decidir.  Tratam-se de dependências que devem ser tratadas e a USP possui uma unidade de saúde voltada exclusivamente para isso.

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