A internacionalização da USP deve ser prioridade?

A Reitoria anunciou a criação do programa “USP Internacional”, que, entre outras medidas, abrirá escritórios em São Paulo, Boston, Singapura e Londres. Especialistas e estudantes discutem a importância da inserção da Universidade no cenário acadêmico internacional

Dizer que a globalização tem dado novos contornos ao mundo nas últimas décadas soa quase como um clichê. Mas essa nova realidade continua afetando desde os simples costumes pessoais de cada indivíduo às mais complexas formas de organização da sociedade, o que inclui o sistema educacional de nível superior. O fenômeno impacta diretamente a vivência acadêmica internacional e pressiona as universidades a se adaptarem frente às novas circunstâncias. Na USP não é diferente.

“Eu acho que a internacionalização é uma questão de vida ou morte para a USP”, declara Leandro Piquet, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade, que se reúne para analisar questões como relações de poder, política externa, consequências da globalização, entre outros pontos. “Ou nós entramos dentro dessa contextualização global do conhecimento, ou ficaremos para trás. Poucas coisas são mais importantes no momento”, completa.

Intercâmbio

A Universidade mantém cerca de 700 convênios com instituições estrangeiras. Hoje, aproximadamente 1.900 alunos estudam fora do Brasil. Piquet afirma, porém, que “existam, no momento, poucas bolsas para os alunos de graduação. E quanto mais cedo investirmos nisso, melhor para mudar essa situação”. Ele destaca que o Programa Ciência Sem Fronteiras, por exemplo, já é um importante passo para a presença do ensino superior. O programa tem como meta, de acordo com seu regimento interno, oferecer 101 mil bolsas a estudantes e pesquisadores aqui e no exterior até 2015.

Em 2012, o número de estudantes estrangeiros na USP chegou a 1.200, levando em conta convênios de curta duração e a dupla diplomação, de acordo com dados do Sistema Mundus. No primeiro semestre desse ano já são mais de 700 alunos intercambistas. Segundo João Paulo Cândia, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) e também do departamento de Ciências Políticas da FFLCH, são números que tendem a aumentar. “É uma coisa que nos últimos quatro ou cinco anos ganhou muito força. Os esforços da Universidade nessa área têm mostrado resultados. Eu recebo pedido de alunos querendo estudar na USP quase todo dia. Nunca foi assim”.

Apesar da quantidade de bolsas e do aumento no interesse pelo intercâmbio, os alunos ainda encontram dificuldades para conseguir inserção dentro do programa. Gustavo Katague, aluno de Ciência da Computação do IME, acredita na importância e no diferencial de fazer um intercâmbio, mas lamenta não ter conseguido uma vaga. Ele foi aprovado pela seleção da USP, porém não na instituição desejada. Embora Gustavo não ache o processo de intercâmbio burocrático, acredita que falta mais orientação para o aluno e uma melhor organização das relações estabelecidas entre a USP e a universidade no exterior.

Pesquisa no exterior

Mais do que oferecer bolsas, a Universidade dá atenção ao desenvolvimento de pesquisas em comum com instituições do exterior. A internacionalização impõe essa condição. É necessário que os pesquisadores trabalhem de forma aproximada. Segundo João Cândia, quando isso acontece há um efeito multiplicador da linha de pesquisa, e o conhecimento produzido e disseminado fica aberto para ser explorado por novos estudantes de diferentes locais.

Mas o especialista faz uma ressalva. Para ele, algumas áreas de pesquisa correm o risco de ficar marginalizadas, pois os recursos passarão a ser destinados apenas àquelas que dialogam com universidades do exterior. “Se esse interesse por plataformas em comum com instituições de ensino estrangeiras se adensar, temas nacionais importantes podem deixar de ser objeto de estudo dos pesquisadores”.

Piquet, no entanto, pensa de outra maneira. “Ciência é ciência. As teorias e métodos científicos não tem nacionalidade. Talvez falar sobre a questão da pesquisa nacional seja justamente uma lógica de defesa que foi desenvolvida pelo isolamento da produção científica brasileira ao longo dos anos, mas não tem que haver uma briga entre o que se faz aqui e o que se faz lá fora”.

A ideia é complementada por Marco Gianotti, professor da ECA e vice-presidente da Comissão das Relações Internacionais. “Mesmo problemas exclusivos do Brasil precisam ser estudados num âmbito internacional. É preciso buscar o que há de melhor e mais avançado em toda a parte do mundo”, explica.

USP Internacional

Foi apresentado recentemente o Programa USP Internacional, que promoverá a criação de núcleos em São Paulo, Londres, Boston e Singapura, além de congregar ações para a internacionalização. O programa, tal como especifica o Diário Oficial do estado de São Paulo do dia 26 de março, propõe, dentre outros objetivos, o fortalecimento da USP no exterior, e também a promoção e a manutenção dos acordos e convênios que existem com outras instituições de ensino estrangeiras.

Segundo o informe de divulgação da universidade, o programa como um todo terá despesa estimada em 400 mil reais, que incluem o aluguel e manutenção dos prédios, que, em grande parte, virá de doações de uma instituição privada, porém o programa deixa claro que gastos como o de deslocamento e os salários dos membros do secretariado executivo do programa, por exemplo, é da própria USP. Para João Paulo Cândia, o “argumento de que você poderia usar os recursos para fazer outra coisa é complicado”.

O professor diz que o prédio em que trabalha precisa de reformas há muito tempo, porém coloca que “você não tem como gerar, de forma equânime, as mesmas condições em todas as unidades. Elas guardam suas diferenças”. Cândia diz ainda que esse processo está interligado, ao mesmo tempo em que há alunos querendo estudar no exterior há alunos estrangeiros procurando os cursos daqui. “Lá fora a USP é vista como Universidade de excelência. São poucas as que conseguem traduzir este núcleo de excelência em tantas áreas”, completa João Cândia.

Para Leandro Piquet, a iniciativa era necessária para a USP no sentido de criar uma estrutura de apoio, padronizar e integrar o processo para a universidade como um todo, não apenas em cada unidade separadamente. “Harvard tem isso também pelo mundo inteiro, assim como o Haiti e outros lugares”, salienta. Marco Gianotti também defende a oficialização do programa, que permite que o processo seja acompanhado de perto, com um coordenador responsável, de forma a efetivar e a concretizar ações legítimas de mobilidade, tanto de professores, como de alunos, de convênios, entre outras.

A internacionalização também abre a possibilidade de que os alunos, pesquisadores e professores deixem o Brasil a partir do programa. Piquet aprova a possibilidade do estabelecimento de alunos e professores fora do país. Para o professor, “o brasileiro é ausente no mundo inteiro”, e, por isso, “temos que competir para colocar nossos profissionais nos centros de estudos de referência internacional”.

Entre as falhas que Gianotti aponta estão a falta de divulgação tanto da importância do processo de internacionalização para a comunidade acadêmica como um todo, como também da falta de estímulo para que os alunos busquem a experiência internacional. Isso inclui a questão das bolsas, por exemplo. Falando da ECA, o professor conta que o Centro de Relações Internacionais vem buscando cada vez aumentar a quantidade de bolsas disponíveis para dar conta da demanda de talentos que surgem na escola.

Outra complicação do projeto é apontada pelo aluno de jornalismo da ECA, Leonardo Fernandes. Ele levanta a questão das bolsas-auxílio, que teoricamente deveriam ser fornecidas para o aluno que não tem condições financeiras, e são dadas apenas por meritocracia, e não levam em consideração aspectos sociais e econômicos do aluno. Leonardo não conseguiu fazer intercâmbio por problemas financeiros. Ele foi aprovado no processo seletivo da universidade justamente pelo seu desempenho acadêmico, mas isso não foi o suficiente.“ A USP quer se internacionalizar, mas, quem de fato precisa de bolsa não é tratado como prioridade”, questiona.