A divulgação dos resultados do Questionário Socioeconômico do último vestibular da Fuvest revela que dos quase 12 mil aprovados na USP neste ano, 78,7% são brancos e 2,4% são pretos. A pesquisa mostra ainda que 62,9% fizeram escola particular e 22% cursaram o ensino médio em escolas públicas.
Além disso, nas três carreiras mais concorridas, não há alunos pretos (conforme classificação de cor do IBGE) matriculados no primeiro ano. Nos dez cursos mais concorridos, apenas quatro pretos se matricularam.
Para Pedro Luan Balle Silva, aluno do curso de Letras, a razão para a presença de uma parcela tão pequena de negros na USP é bem clara e se dá devido à marginalização desse estrato na sociedade. “Por motivos históricos e sociais, nós somos, na maioria, pobres, como eu sou. Viemos de escola pública, como eu vim. E é nesse momento que a falta de políticas de extensão universitária e de abertura real da universidade para a população nos prejudica, impedindo inclusive que muitos sequer saibam da existência e possibilidade de ingresso na universidade”.
A professora e pesquisadora Eunice Prudente, do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neinb), explica que os motivos históricos e sociais responsáveis pela discriminação social dos afrodescendentes está ligada à escravidão. “Esse processo violento e elitizado deixou os negros entre os mais pobres, uma vez que a abolição não aconteceu junto a uma política de inserção social. Desde então, os afrodescendentes se encontram à margem. O latifúndio no Brasil também piorou o processo de exclusão, uma vez que com a concentração de terras, o acesso dos ex-escravos à propriedade se tornou ainda mais escasso. O Brasil não é uma democracia racial”.
Paulo Henrique de Oliveira, estudante de Linguística, aponta a pequena parcela de afrodescendentes na USP como consequência de uma elitização histórica da própria universidade. “Esse elemento, associado ao fato de que a cara do pobre no Brasil é negra, é acentuado com a entrada de mais brancos no ensino superior e nos centros de excelência como a USP, e ampliam a exclusão dos negros num contexto nacional, gerando uma realidade ainda mais absurda”.
Realidade econômica
Praticamente metade dos alunos matriculados nos dez cursos mais concorridos da USP é de família de classe A (renda acima de R$ 12.440) ou B (acima de R$ 6.220). Dados do questionário socioeconômico da Fuvest mostram que os ingressantes de 2013 nessas carreiras são predominantemente brancos, de escolas particulares e com renda familiar superior a dez salários mínimos mensais.
O coordenador do Núcleo de Consciência Negra da USP, Leandro Salvatico, atenta para uma questão mais ampla. “Praticamente todos os indicadores socioeconômicos apontam para esta desigualdade étnica-racial e mostram também que medidas universalistas não resolvem o problema dos negros. Apesar do crescimento da taxa escolar e do aumento no número de anos estudados, a diferença entre brancos e negros ainda se mantém. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à renda familiar”.
Cotas e Pimesp
Uma alternativa apresentada pela universidade para diminuir a exclusão é o Pimesp, programa que pretende destinar 50% das vagas na instituição para alunos de escolas públicas, sendo que dentro delas 35% destinadas a pretos, pardos e índios. Para Eunice, essa é apenas mais uma proposta de meritocracia que não terá resultados condizentes com as necessidades da população afrodescendente.
“Nós, os negros, enfrentamos várias formas de discriminação, o que acaba impossibilitando o exercício do direito fundamental à educação. A USP deve abraçar essa causa e estudá-la com atenção. A solução não se dará através da meritocracia porque o negro, excluído, já não consegue competir, não por inabilidade, mas por falta de oportunidade”.
Paulo de Oliveira acredita que a mudança real só pode ser alcançada com o desenvolvimento dos negros dentro do sistema produtivo, minimizando a desigualdade social, de modo que as cotas seriam um primeiro passo nessa direção. “Nesse sentido, o Pimesp é um programa que utiliza a ideia de cotas para aprovar uma nova casta na universidade, a dos estudantes do “college” (curso preparatório exigido pelo Pimesp). É uma medida ineficaz e também um retrocesso para a luta histórica do movimento negro”.
Para Pedro Silva, as cotas também seriam uma alternativa mais eficaz do que o Pimesp, além da ampliação de medidas de apoio à permanência estudantil dentro da USP. “O que poderia resolver esse problema, por hora, seriam políticas reais de cotas raciais e de auxílio e permanência, que realmente visem incluir o negro na universidade como um cidadão de igual capacidade em relação a qualquer outro, mas que historicamente vem sido prejudicado por fatores sociais”.
Negro na sociedade
Segundo Salvatico, não se trata apenas de aumentar o número de negros na USP, embora isto seja importante. “O Estado precisa reconhecer que o racismo existe e deve ser combatido em todas as esferas, seja dentro das universidades, seja em locais públicos ou privados. As ações afirmativas devem ser adotadas para reverter essa desigualdade que foi implementada no passado e é mantida até os dias de hoje”.
Eunice aponta para a mesma direção: “Necessitamos de cotas para afrodescendentes em todas as instituições, já que não conseguiremos incluir essa população se não for pela lei. Não é suficiente trazê-las apenas para as escolas públicas. O movimento negro clama pelo aperfeiçoamento de um Estado de direito, buscando soluções pacíficas. A solução talvez seja impor por lei o enfrentamento do racismo e das questões étnicas”.