Participantes da Barraca do Tapa, tradicional na festa, foram acusados por uma estudante de comportamento machista, racista e lipofóbico
A tradicional festa junina da Escola Politécnica ocorreu no dia 16 de agosto, mas aindaestá longe de seu desfecho. Como em edições anteriores, a festa deste ano foi marcada por ações machistas, preconceituosas, homofóbicas e ofensas despropositadas. A estudante Camila Lainetti acusa a Barraca do Tapa, organizada pelo CAM (Centro Acadêmico Mecânica e Mecatrônica), de tê-la desrespeitado.
A ideia da barraca do CAM é que a mulher ofendida pague para dar um tapa na cara de quem a ofendeu. E, com essa finalidade, o incentivo vem através de xingamentos que podem reforçar os estereótipos a que mulheres são submetidas cotidianamente. Conforme exemplificado por Camila, “preta fedida”, “gorda nojenta” e “puta” são utilizados como encorajamento para comprar fichas.
A estudante já conhecia a fama da barraca e deixou claro que não estava interessada na brincadeira. Mesmo assim, levou um tapa na mão que derrubou sua bebida e começou a ser insultada. “Eles não paravam de me xingar por um segundo”, conta. “A barraca é muito pior que eu imaginei e extremamente agressiva”.
Em seu relato, Camila pede a retratação pública do CAM e o fim da “brincadeira”, além do apoio dos Diretórios para todas as mulheres ofendidas e constrangidas pela barraca. “Infelizmente, os participantes já provaram que não têm responsabilidade de levar a brincadeira de uma maneira agradável e até mesmo engraçada, para todos, não só para o agressor. Por conta exclusivamente disso, essa atividade deve ser removida imediatamente. Se fosse uma brincadeira normal, essa crítica não estaria aqui”, explica.
CAM
Após o ocorrido, o CAM utilizou sua página do Facebook para fazer uma nota de esclarecimento, e pedir desculpas publicamente “a todos que se sentiram direta ou indiretamente ofendidos”. Renato Jácomo Neto, presidente da atual gestão do CAM, explica que a “proposta da barraca não é humilhação”. Para ele, a brincadeira tem por objetivo apenas “levar tapas em troca de 1 real”. O CAM também anunciou que será feita uma reunião entre os integrantes e, se não houver acordo entre todos, a barraca poderá não acontecer no ano que vem.
“Temos cerca de um ano para elaborar propostas que evitem casos como o descrito pela Camila”, explica Renato. Uma das ideias é a presença de um supervisor na barraca que poderá ajudar a coibir os excessos, tendo o poder de inclusive expulsar os membros que não partilharem na mesma visão do Centro Acadêmico. Este irá ainda delimitar a área da barraca, para deixar evidente o espaço daqueles que querem e quem não quer envolver.
Agressão de gênero
A crítica proposta pelo episódio não se restringe apenas à Escola Politécnica. A Barraca do Tapa também pode ser encontrada em muitas outras festas, especialmente nas festas juninas, que ocorrem em muitas outras Escolas e Institutos.
De acordo com Adeline Vassaitis, da Frente Feminista da USP, “essa suposta brincadeira, que alguns julgam tão inocente, reproduz a lógica machista que está presente na nossa sociedade. É uma forma de rebaixar, de subjugar uma mulher, de fazer com que ela se sinta inferiorizada”.
O ocorrido relembra outros casos de machismo que aconteceram na USP recentemente. No início do ano, no campus de São Carlos, o protesto de um grupo feminista contra o “Miss Bixete” (concurso de beleza entre calouras) causou irritação entre os veteranos e terminou com agressões verbais, hostilidade, simulação de sexo e nudez por parte dos membros do Caaso (Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira).
A atitude dos alunos foi repudiada pela diretoria do campus, que lançou comunicado afirmando ser “veementemente contra qualquer ação que cause constrangimento” e também que abriria procedimento administrativo para identificar os envolvidos. Além disso, os estudantes que ficaram nus foram indiciados pela Polícia Civil de São Carlos, pelo crime de ato obsceno.
As denúncias de agressão de gênero, no entanto, podem ser encontradas nos próprios trotes. Um caso mais recente ocorrido na USP é a gincana de recepção dos alunos da Escola Politécnica, acusada de propor atividades de cunho degradante e machista às calouras.
Nas orientações para a gincana, estavam listadas, entre outras, situações em que três calouras teriam que lavar um carro usando blusas brancas e recebendo pontos pela melhor performance. Felizmente, após as reclamações, a diretoria da Escola reuniu-se com integrantes do Grêmio Politécnico, em março deste ano, para alterar os itens considerados problemáticos.
Devido à frequência com que atos do tipo ocorrem, Adeline pontua que “é muito importante que sejam promovidos debates sobre a questão do machismo, não só na Poli, mas em todos os cursos em que isso se faz mais latente”.
A Frente Feminista defende, para isso, a criação de mais Coletivos Feministas dentro dos cursos como forma de lutar mais ativamente contra situações do tipo. “A luta contra o machismo não deve ser encarada como uma questão individual. A organização é a melhor forma de fazer com que as mulheres tenham a força política necessária para seguir lutando contra casos como esses”, ressalta Adeline.