Classificação do projétil de borracha como não-letal é incorreta, segundo senador Lindbergh, pois ele pode matar os atingidos
O uso das balas de borracha pela Polícia Militar de São Paulo voltou a ser discutido no começo deste mês de outubro. No último dia 8, o secretário de segurança pública do estado, Fernando Grella Vieira, afirmou que a PM poderia voltar a usar a munição durante a repreensão de protestos. De acordo com Grella, será montada ainda uma força-tarefa de segurança de atuação específica nas manifestações, cujo objetivo é lidar com os “baderneiros”.
A medida foi tomada após “atos de vandalismo” que ocorreram, no dia anterior, em uma manifestação em São Paulo de apoio às reivindicações dos professores da rede municipal do Rio de Janeiro. Desde junho a Polícia Militar paulista estava proibida de usar balas de borracha, por ordem do governador Geraldo Alckmin, após relatos de cidadãos gravemente feridos. Um deles foi o fotógrafo Sérgio Silva, que ficou cego do olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha.
Ela é um projétil comum, mas com revestimento de látex. Isso a impede de penetrar no corpo, mas não evita ferimentos graves, que podem levar à morte. De acordo com o coletivo Menos Letais, as recomendações para o uso são que elas devem ser disparadas a, no mínimo, 20 metros do alvo, e sempre na direção das pernas. No entanto, na maior parte das vezes, os policiais têm agido com tanta violência quanto os “baderneiros” que tentam controlar.
“Boa parte dessa violência resulta do uso impulsivo do poder de polícia”, diz o sociólogo Luís Flávio Sapori, especialista em violência policial e professor da PUC-MG. “É típico de policiais despreparados tecnicamente, que agem mais com a emoção do que com a razão. O fato dos policiais serem provocados por baderneiros não justifica a resposta na mesma medida”.
Porém, segundo informações do Portal Terra, a justificativa de Fernando Grella para o retorno do uso das balas de borracha é evitar que “uma minoria de baderneiros atrapalhe o direito democrático de manifestação. Queremos assegurar que eles não fiquem impunes. O Estado não quer que uma minoria irresponsável provoque baderna que prejudique a qualidade de vida da população. Basta de vandalismo e baderna. Nosso objetivo é cumprir a lei e a ordem”.
Em sentido contrário, o projeto de lei 300/13, em tramitação no Senado, busca proibir o uso de armas equipadas com balas de borracha ou festim durante manifestações. Conforme o texto do projeto, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), seria incorreto considerar o conceito “não letal” para armas que podem causar lesões graves, irreparáveis e até mesmo morte. Lindbergh utiliza, como base, o exemplo ocorrido na Espanha no momento da saída do país da ditadura militar. “Após três mortes de jovens causadas por balas de borracha, sete jovens terem perdido um olho e trinta manifestantes ficarem com lesões irreversíveis, surgiu um forte movimento que reuniu 70 entidades civis voltadas para o banimento do seu uso”, afirma o senador no texto do projeto.
No entanto, para representantes dos movimentos sociais, a questão reside na legitimidade da Polícia Militar para esse tipo de controle. Para Luka Franca, representante do Movimento pela Desmilitarização da Polícia e da Política, “a Polícia Militar é preparada para lidar com a população como se fosse o inimigo. Acredito que é uma instituição pouco formada para lidar com a segurança pública preventiva”.
Em contrapartida, um tenente da Polícia Militar que preferiu não se identificar afirmou que “a munição é não letal e possui toda uma técnica para ser utilizada. Somos instruídos a utilizá-la apenas em último caso, para conter agressão injusta. A imprensa não noticia, mas há inúmeros policiais militares atingidos por pedras e bombas caseiras, além de queimados com coquetel molotov”.
Nesta questão, Sapori comenta que “a Polícia Militar não deve controlar manifestações populares. Elas são parte da cidadania e da democracia”. No entanto, o sociólogo defende que é responsabilidade dessa instituição conter atos de vandalismo.
Segundo ele, “o preparo técnico das polícias militares brasileiras para atuar em manifestações populares ainda é deficiente, salvo honrosas exceções”. Sapori afirma que os fundamentos operacionais são preteridos nas academias de polícia, em relação à formação teórica e conceitual. “O devido uso da força física e da arma de fogo só é possível se o policial automatiza protocolos de atuação de acordo com a situação vivenciada. Ainda estamos longe de alcançar esse preparo técnico nas polícias militares brasileiras”, ele explica.
Além do projeto de lei em tramitação no Senado, o Conselho de Defesa da Pessoa Humana, órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, editou duas resoluções a respeito do assunto. A primeira propõe a criação de um grupo de trabalho sobre a regulamentação dos armamentos de baixa letalidade, e a segunda determina que sejam elaboradas normas e programas de treinamento aos policiais a respeito do uso da força.
No entanto, mesmo uma possível reforma da atitude da polícia em relação à população manifestante pode não ser o suficiente. Para Luka, a atuação da Polícia Militar é unicamente repressiva. “Acho um absurdo os governos usarem da PM, Força Nacional ou Exército para lidar com as manifestações. Essa atuação só demonstra como os governos não estão dispostos a avançar com garantias sociais para a população.”
Contudo, o tenente da PM ressaltou que a imagem de violenta e repressora que a instituição possui é muitas vezes injusta. “A verdade é que também somos a favor das manifestações. Também estamos lutando por melhorias, salariais inclusive, só que não temos o valor que merecemos”, completa.