Membros da COP comentam crise financeira da USP

A crise orçamentária da USP revelou-se a ponta de um iceberg envolvendo série de questões relacionadas às finanças da universidade. Tendo em vista essa situação, o Jornal do Campus falou com Sigismundo Bialoskorski Neto, atual presidente da Comissão de Orçamento e Planejamento, Hélio Nogueira da Cruz, vice reitor de João Grandino Rodas, e Joaquim Engler, membro da COP por mais de 30 anos.

De acordo com Cruz, é consenso entre os núcleos da universidade que a autonomia financeira, iniciada 1989, foi uma mudança positiva. “Antes o reitor ia conversar com o secretário da fazenda ou com o próprio governador para pedir dinheiro para cada projeto. Era uma coisa muito desgastante. Às vezes o secretário entendia de universidade, às vezes não muito.” Além disso, de acordo com Engler, antes de 1989 não havia uma previsão do percentual de arrecadação, o que existe hoje e permite que haja um planejamento de gastos.

Cruz relata que houve fortes momentos de crise econômica no início do modelo de autonomia devido à grande inflação existente no país entre 1989 e 1995. O repasse inicial de 8,4% do ICMS não foi suficiente para suprir as universidades estaduais e em 1992 o percentual aumentou para 9%. Depois, para 9,57%, em 1995. Ainda assim, ele acredita que a autonomia fez com que a universidade sofresse menos com o impacto da inflação. “Teríamos sofrido muito mais [se não houvesse autonomia]”

Em um período posterior, na gestão Melfi (2001-2005), da qual foi vice reitor, Cruz relata que os gastos com a folha de pagamento eram razoáveis, assim como na gestão Suely (2006-2009). “Na gestão do professor Grandino é que se decide ampliar gastos […]  Nós tínhamos um certo nível de reservas, o ICMS cresceu e o volume de reservas diminuiu. Gastamos bastante. Quando se fala de gasto, há dois tipos importantes: um que se faz uma vez só – por exemplo, eu faço um prédio; terminou, eu não gasto mais. Agora gastos com pessoal, por exemplo, essa pessoa fica um tempo – na tradição aqui da universidade, vai ficar toda sua vida. Então é um compromisso permanente.”

Engler enfatiza que o momento atual se dá em decorrência do grande crescimento da USP, especialmente com novos cursos e novas unidades, como a EACH e os campi do interior. “Tudo isso implicou no crescimento do corpo de docentes e servidores, elevando a despesa de pessoal”

Cruz também contrasta a situação atual com o que aconteceu no início da década de 1990. “A situação atual é bem diferente. O ICSM cresceu, a transferência de recursos associada ao mesmo 9,57% também [..] Fomos nós que colocamos a USP na situação em que ela se encontra hoje, não foi uma crise externa que nos atingiu. [..] Acredito que [pedir para] aumentar o percentual neste momento é um equívoco enorme [..] que enfraquece a posição da USP perante a sociedade.” Entretanto, o professor afirma que não houve irregularidade de contas, pelo seu conhecimento.

Já Bialoskorski destaca o desconhecimento da própria estrutura organizacional da universidade. “Todo mundo fala como se a COP fosse o lugar mais especializado, mas tudo isso é ilusão. A COP na verdade é uma comissão de seis professores representantes do Co. e nem todos têm experiência na área [administrativa]”. Ainda nessa questão, o atual presidente da COP problematiza o engessamento da organização pública. “Você tem autonomia, mas não tem a flexibilidade de fazer aquilo que você quer”. Para ele, as causas da crise relacionam-se a gestão e governança. “Na hora que você faz um orçamento, ele deve ser cumprido. Você aprova um orçamento no Co., mas a execução orçamentária é diferente.” Segundo ele, os orçamentos aprovados pelo Co. não foram os mesmos postos em execução pela VREA/CODAGE. “Foram tomadas decisões diferentes, todas nos âmbitos da folha salarial, que são decisões que se multiplicam uma pela outra, crescem de forma exponencial e oneram os próximos anos”. Os dados fornecidos por Engler estão de acordo com o que argumenta Bialoskorski. Em 2012, a proposta da COP para gasto com pessoal foi de 85%, mas o valor gasto foi de 95,9%. Já em 2013, a proposta foi de 92,8% e o que foi realizado foi 99,8%.

Para Bialoskorski, a falta de especialidade daqueles que ocupam cargos administrativos é outra questão preocupante. “Nós tínhamos que ter uma gestão profissionalizada[…] na administração central. Uma área forte de orçamentação, controladoria e planejamento não se faz com uma comissão de professores, pois eles são especializados em dar aulas e fazer pesquisa. Qualquer professor deveria ter um treinamento para assumir um cargo desse tipo.”

Cruz acredita que um plano econômico para a universidade deve ser elaborado a longo prazo e que as discussões no Co. devem se ater mais ao que acontece na economia estadual e federal. “Um planejamento de longo prazo tem que ser feito com muita cautela, levando em conta, inclusive, se a economia paulista vai bem ou não, se o ICMS vai bem ou não, porque no modelo de autonomia se supõe que você tem reservas em um momento de vacas magras e que você as acumula em um momento favorável, de vagas gordas, então ter reservas faz parte do jogo […] O Co. tem que discutir essas coisas sim, muito. O tom de surpresa que existe por aí, para mim é inaceitável. As informações eram razoavelmente disponíveis, então espera-se que todos estejam atentos a elas.”

Sobre o que já está sendo feito, Engler acredita que as medidas que podem ser executadas estão sendo feitas pela reitoria e o reajuste de 0% foi uma medida necessária. “Essa situação [a folha de pagamento ocupando mais de 100% do orçamento da universidade] dificulta qualquer acréscimo de despesa.”