Obras tomam espaço de vegetação rara

As construções estão próximas ao Portão 3, dentro da Cidade Universitária, e os espaços seriam inaugurados em 2013 (Foto: Otávio Nadaleto)

Uma brecha na legislação ambiental foi determinante para o desmatamento indiscriminado de espécies raras do cerrado brasileiro encontradas na USP. De acordo com a Lei Municipal n°2964, de abril de 2010, capítulo 1, artigo 3°, apenas árvores são passíveis de preservação. Isso exclui o cerrado, considerando que essa vegetação é composta majoritariamente por arbustos.

Em 2010, o botânico e ambientalista, Ricardo Cardim, mestre em Botânica pela USP, localizou focos de cerrado próximos  à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) quanto próximas à caixa d’água do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), respectivamente nas unidades I,II e IV.

O desmatamento ocorreu em função da construção do Parque dos Museus e do Centro de Convenções. O projeto, orçado em R$ 240 milhões (segundo o boletim USP Destaques nº 18, de 2011), tem aproximadamente 70.000 m² e deveria ter sido entregue em 2013.

Cardim relata que, após o início das obras, decidiu estudar a região. “Quando descobri aquela relíquia ambiental, fiquei apavorado porque as escavadeiras as estavam destruindo naquele mesmo momento. Então fotografei com o celular, peguei algumas amostras das plantas e fui para a Reitoria”, relata o botânico. Ao chegar, o pesquisador conta que foi recebido pela Superintendência de Gestão Ambiental, que também mostrou preocupação. “Após uma semana de negociações intensas, conseguimos uma promessa da Universidade de transformar as duas áreas em ‘museus vivos’. Um dos espaços não teria como ser preservado, mas seria transplantado para o ICB”, afirma.

No ano seguinte, o então reitor João Grandino Rodas, por meio da portaria n° 5.648, noticiou no boletim USP Destaques nº 61 que diversas áreas nos campi USP foram decretadas como reservas ecológicas. Dentre elas, estavam os dois locais com vegetação do cerrado, cada um com 10.000 m².

FICOU NO PAPEL

Apesar dos acordos, nada do que foi prometido de fato se cumpriu. Os ‘museus vivos’, que deveriam ter sido entregues em dezembro de 2011, ainda não se concretizaram e, segundo o biólogo, cerca de 40% da área próxima à FMVZ foi devastada. “Destruíram a vegetação com os tratores, isto é, aterraram-na e ainda construíram refeitórios e banheiros provisórios sobre ela”.

Segundo Cardim houve um equívoco em relação ao plantio de compensação. Em nota de 2011, a Reitoria dizia que 65% das plantas do terrenos eram invasoras e exóticas, ou seja, estranhas ao local e que prejudicariam a vegetação de cerrado. Ao todo, seriam 1.592 árvores cortadas a serem compensadas por outras sete mil. Porém, o processo foi feito de forma incorreta. “Plantaram árvores que não têm nada a ver com o cerrado. Elas o matariam por falta de luz, pois ele é uma vegetação de sol”, explica o botânico.

FALHA NA LEGISLAÇÃO

De acordo com a mesma nota da Reitoria, de 2011, foi firmado um acordo com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente de São Paulo (SVMA) “demonstrando que todas as salvaguardas foram cumpridas e a legislação foi respeitada”. O órgão, quando procurado, assegurou que existem dois Termos de Compromisso Ambiental (TCA) regendo as obras: o 176/11 e o 280/11. Os TCA’s são formas de compensação ambiental para projetos que comprometem o meio ambiente. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria, “a autorização de corte de árvore é emitida pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente depois de feita a análise por um profissional habilitado (engenheiro agrônomo, engenheiro florestal ou biólogo), que iniciam a fiscalização e execução deste termo”. Ambos os Termos estão aguardando vistoria para verificar seus cumprimentos.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a USP declarou ao jornal “Folha de S. Paulo” em xx que “a obra foi licenciada dentro da legislação ambiental vigente”. Desta forma, somente espécies com mais de cinco centímetros de diâmetro no tronco (na altura do peito) requerem autorização municipal para sua retirada. Segundo a Universidade, “a vegetação arbustiva não é protegida” pela legislação ambiental.

Porém, de acordo com Cardim, o argumento utilizado tanto pela Universidade quanto pela Secretaria não são válidos. Ele explica que a vegetação de cerrado é formada por arbustos e gramíneas, e não por árvores. “Isso não significa que um arbusto não tem o mesmo valor ambiental que uma árvore de 40 metros. E isso está sendo dito pela maior e melhor Universidade do país, o que é um absurdo”, afirma.  “O cerrado foi considerado como mato no sentido pejorativo mesmo. Foi considerado área descartável, sem valor ambiental. Isso é uma falha hedionda da legislação. Quando isso parte da Universidade de São Paulo, com um corpo técnico de excelência, não poderia acontecer”, completa.

por OTÁVIO NADALETO