Em atividade desde meados dos anos 1980, as empresas juniores no Brasil vêm exercitando uma função comumente tida como essencial na formação dos estudantes. Além de colocar em prática o que é aprendido em sala de aula e estimular os alunos a aprimorar habilidades inéditas, as empresas juniores também proporcionam uma maior integração entre os alunos participantes e favorece o trabalho em grupo. Ainda assim, apesar de em um primeiro momento parecer uma entidade apenas benéfica, a própria existência dessas empresas em alguns cursos acaba por abrir portas a aspectos indesejados à proposta acadêmica de algumas instituições, como a mercantilização do conhecimento e o aprendizado voltado somente à inserção no mercado. Dessa forma, cria-se um debate: em que âmbitos a existência de uma empresa júnior beneficia os alunos de um determinado curso? Seu propósito deve sempre ser voltado para a inserção no mercado? De que forma isso pode afetar os outros estudantes?
Para Roberty Bertolo, diretor presidente do Núcleo USP Júnior, qualquer oportunidade existente no mundo universitário é um benefício para os alunos – o que inclui as empresas juniores, pois elas “desenvolvem e buscam novas formas de inserir o conhecimento dentro da universidade”. Tendo em vista a característica de inovação das universidades em geral e, em especial, da USP, ele afirma que “a inserção do ambiente das empresas juniores na vida universitária faz completo sentido”.
Além disso, o diretor presidente destaca as possibilidades de desenvolver habilidades que inicialmente não seriam exploradas pelo curso de graduação e que contribuem para o crescimento intelectual do estudante. Não é raro, por exemplo, que alunos de Humanas tenham que lidar com conceitos de Exatas – e vice-versa – devido ao seu envolvimento com as empresas juniores. “Apesar de fazer Ciências da Computação, consegui entender a conexão da área em que atuo com as outras diversas existentes. Pude desenvolver experiências básicas de administração, linguística, design e relacionamento com pessoas”, conta Bertolo.
Dessa forma, as empresas juniores seriam uma espécie de alternativa ao modo tradicional de ensino da universidade, que considera os alunos como iguais e portanto não diferencia as variadas formas e velocidades com que cada um apresenta maior facilidade em aprender. “As empresas juniores são formadas por alunos que têm desejo por um conhecimento além do qual a graduação fornece: o conhecimento da rede de pessoas, da experiência. É inegável que a conexão de pessoas por um interesse mútuo, em específico voltado para o empreendedorismo, é uma nova forma de desenvolver as habilidades dos estudantes”.
Já para a professora Ana Fani Carlos, do departamento de Geografia da USP, é necessário analisar que, numa universidade pública e gratuita, seus alunos devem ter compromissos com a sociedade, e não com empresas. “O trabalho de pesquisa deve voltar-se a resolver, sem ônus, problemas que afetam a sociedade, e não a vender a baixos custos a mão-de-obra qualificada dos alunos para o mercado”, afirma.
Além disso, para ela a preocupação dos estudantes em se prepararem antecipadamente para o mercado pode estar tirando trabalho dos formandos, que não possuem o respaldo da infraestrutura pública da universidade. Dessa maneira, os formandos, que teriam que pagar altos impostos pelos trabalhos exercidos, estariam em desvantagem.
A professora destaca, ainda, a necessidade da existência de projetos sociais, que podem complementar a formação acadêmica e auxiliar na questão das perspectivas após o término dos cursos. “Os alunos poderiam, dessa forma, atingir os objetivos de aplicar seus conhecimentos técnicos, que é o que os leva a se voltarem à construção de empresas juniores dentro da universidade”, afirma.
Apesar de os dois lados apresentarem visões diferentes sobre o assunto, ambos levantam a problemática do sistema de ensino na universidade, que se mantém o mesmo com o passar dos séculos – e, portanto, não acompanha a rapidez com que as coisas acontecem hoje em dia e também não supre todas as necessidades do estudante universitário. Para a professora Ana Fani Carlos, uma resposta seria a criação de projetos interdisciplinares: “o desafio seria que cada curso criasse projetos voltados para resolver soluções frente aos problemas reais de nossa sociedade”, diz. Já Bertolo segue firme na ideia das empresas juniores. “O mundo precisa de novas ideias, de mentes mais abertas. O ambiente da empresa júnior me ensinou que somos capazes de conseguir tudo isso”, afirma.
por ANA CARLA BERMÚDEZ e MARIA ALICE GREGORY