Estatísticas não sustentam PEC 171

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou na terça-feira, 31 de março, a PEC proposta em 1993 que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos

Há mais de vinte anos atrás o deputado federal Benedito Domingos (PP-DF) propôs a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 171/1993, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. No último dia 31 de março, ela foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, por 42 votos a 17. O projeto ainda será avaliado por uma comissão específica antes de ir a votação nos plenários da Câmara e do Senado.
Em junho de 2013 foi realizada uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes que apontava que 92,7% dos entrevistados era favorável à redução da maioridade penal. Dois meses antes da realização da pesquisa havia acontecido um dos casos que foi símbolo para quem defende a medida. O estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi assassinado em frente ao prédio em que morava no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, no dia 09 de abril de 2013 durante um assalto por um jovem que estava há três dias de completar 18 anos de idade.
Para o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, várias instâncias auxiliam na disseminação desta visão, que em sua opinião é equivocada. “A grande incentivadora desta movimentação [da redução da maioridade penal] é a mídia. Mas também temos um parlamento muito conservador, que vê na prisão uma grande indústria e um Judiciário que é indiferente à questão carcerária”, afirma.
As estatísticas apresentam uma realidade diferente. Segundo levantamento feito pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2012 apenas 13,3% dos crimes cometidos por adolescentes foram atos infracionais contra a pessoa (homicídio, latrocínio, estupro e lesão corporal). Foram 1,8 mil homicídios cometidos por jovens em todo o Brasil nesse ano segundo o estudo. O Mapa da Violência de 2014 indica que 30.072 jovens foram assassinados em 2012 no país, o que corresponde a 53% de todos os homicídios do país no ano.
Dados do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) mostram que a redução da maioridade penal para 16 anos pode triplicar a chance de reincidência do jovem no crime. Enquanto as taxas de reincidência no sistema socioeducativo – que abriga jovens infratores de 12 a 21 anos – são de 20%, nas penitenciárias comuns estes índices passam dos 60%.
Para a defensoria pública do Estado de São Paulo, a redução da maioridade penal é inconstitucional. Em nota técnica divulgada pelo órgão, os defensores afirmam que a proposta fere o artigo 60 da Constituição em seu parágrafo 4º que afirma que não podem ser feitas propostas de emendas que visem abolir os direitos e garantias individuais.
A proposta também é criticada por conter passagens da Bíblia em sua justificativa. Em parágrafo que pretende argumentar sobre a consciência plena de um jovem sobre seus atos, Benedito Domingos escreve um trecho do profeta Ezequiel, presente no Velho Testamento.
O Mapa da Violência mostra o Brasil como o oitavo país que mais assassina jovens. E 77% destes mortos são negros. São 54 homicídios a cada 100 mil jovens no JCpaís. Em 2012 foram pouco mais de 23 mil jovens negros assassinados no Brasil, um aumento de 32,4% em comparação aos números de 2002. No caso dos jovens brancos foram quase 7 mil homicídios em 2012, uma queda de 32,3% em relação ao número de 10 anos atrás.
Ao contrário, os crimes mais comuns cometidos pelos jovens e que resultam no encarceramento são os atos infracionais não violentos. 38,7% de todos os casos entre os jovens são de roubo e 27% por causa do tráfico de drogas.
“A grande violência está nas grandes periferias, de onde vem a camada social que superlota os presídios. E são os mesmos bairros que têm os maiores índices de desnutrição, analfabetismo e desemprego. A redução da maioridade penal vai castigar estes jovens ainda mais. Quando se supera a violência do bairro, este jovem pode ser jogado no presídio”, analisa Valdir Silveira. “Nesta questão da redução da maioridade parece que queremos confinar a pobreza. Cada vez mais parece que a sociedade quer separá-los, demarcar fronteiras”, conclui.

(Ilustração: Stella Bonici)

por MURILO CARNELOSSO