Diretoria afirma que entidade tem fins privados, mas alunos defendem que não visam lucro
No dia 2 de outubro, o diretor da Faculdade de Economia e Administração, Adalberto Fischmann, declarou que o Cursinho da FEA não poderia mais realizar suas atividades na faculdade a partir do ano que vem. A justificativa do diretor para tal decisão foi de que o cursinho estaria de forma irregular dentro da universidade.
O comunicado foi dado em uma reunião com os coordenadores do cursinho. Essa, porém, não foi a primeira a ser realizada com essa temática. Em agosto, o diretor já havia informado que eles não poderiam mais utilizar as salas da FEA aos sábados a partir de 2016. Os motivos seriam os transtornos causados pelo cursinho na universidade. “Segundo ele, são 480 pessoas desconhecidas andando pela USP aos sábados”, conta Gabriel Bueno Terhoch, coordenador de Recursos Humanos do projeto.
Com isso, os membros da coordenação do cursinho fizeram um levantamento de todos os possíveis inconvenientes causados por eles nos finais de semana. Entretanto, logo no início da reunião, o diretor comunicou à Procuradoria Geral da USP que o cursinho estava irregular na universidade. Segundo ele, o cursinho seria uma entidade com fins privados utilizando o espaço de uma faculdade pública. “Mas isso soa muito estranho para nós porque somos um projeto sem fins lucrativos. Além disso, na FEA, por exemplo, todas as entidades e fundações usam o espaço da faculdade. E nenhuma outra atividade está sendo questionada”, afirma Gabriel.
Assim, no dia 13 de outubro, as entidades da FEA publicaram uma nota comunicando a decisão do diretor Adalberto Fischmann e apoiando a permanência do cursinho na faculdade. O coordenador de Recursos Humanos explica que essa proibição é algo que preocupa todos os projetos. “Uma vez que usar o espaço da FEA sem ser a própria FEA é irregular, se você não é do CAVC ou da FEA, você automaticamente não tem vínculo com a faculdade”.
Para os coordenadores do cursinho, essa decisão foi um choque. As gestões anteriores a de Fischmann reconheceram a importânica do curso. Reinaldo Guerreiro, por exemplo, diretor da FEA até o ano passado, chegou a fazer um documento afirmando o cursinho como entidade e projeto social.
Quando começou, em 2000, o cursinho era parte de uma parceria com o CAVC (Centro Acadêmico Visconde de Cairu). Eram cobradas mensalidades dos alunos, até que, em 2004, a Procuradoria Geral da USP procurou os membros gestores do projeto para regularizá-lo, já que era proibido realizar qualquer tipo de atividade financeira dentro do campus. Assim como outros cursinhos, que também cobravam mensalidades, o da FEA se adaptou. Passaram, então, a cobrar apenas uma taxa de matrícula (de R$130 a R$300) para manutenção do curso.
Procuradoria geral
Na segunda-feira (19) à tarde, foi realizada a terceira reunião entre Adalberto Fischmann e os coordenadores do cursinho, que levaram um advogado com eles. No entanto, a fim de orientar judicialmente o caso, houve também a participação da Procuradoria Geral da USP.
Segundo Gabriel, o veredito do procurador presente foi de que a situação não se trata de um problema legal, mas administrativo. “Como a gente não cobra mensalidade e não tem remuneração para a nossa diretoria, não teria nenhum problema de a gente existir. A gente só tem que se acertar com a diretoria da FEA”, completa.
O diretor da faculdade expôs alguns dos transtornos causados pelo cursinho para a comunidade universitária e insistiu na proibição do funcionamento aos sábados. Gastos com equipes de segurança e faxina e problemas nos banheiros decorrentes do grande contingente de pessoas que os utilizam seriam alguns dos motivos para o fim das turmas de sábado. Porém, segundo Gabriel, “o cursinho não consegue existir só durante a semana por uma questão de estrutura de curso: das nossas quatro turmas, três são só aos sábados”.
Portanto, por enquanto, o funcionamento do cursinho durante a semana se mantém. Mas ainda será realizado, por parte dos coordenadores do projeto, o levantamento de possíveis soluções para os transtornos causados aos sábados, citados pelo diretor.
Hoje (quarta-feira, 21) acontece a reunião da Congregação da FEA e o cursinho será uma das pautas discutidas.
Outros cursinhos
Só dentro da USP, existem em torno de dez cursinhos populares. Desses, quatro formam uma liga: cursinho da Poli, o da FEA, o MedEnsina e o Arcadas. Nela, os membros trocam experiências e auxiliam uns aos outros, mas, principalmente, formam uma unidade. Segundo Daniel Szente Fonseca, diretor do Cursinho da Poli, o objetivo dos cursinhos populares não é ganhar dinheiro, mas ajudar os alunos de baixa renda a ingressar no ensino superior de qualidade. “Nós não temos mais nenhum objetivo grande além desse”, conclui.
Todos os componentes da liga têm parceria com o grupo ETAPA e recebem seu material de graça. No caso do cursinho da Poli, ainda são distribuídas listas extras de exercícios e simulados feitos pelos professores de lá. A intenção deles é que seus alunos consigam competir com os que fazem cursinhos comerciais.
Assim como no da FEA, são cobradas taxas dos alunos para manutenção do curso. A Escola Politécnica empresta as salas de aula, mas não arca com nenhum tipo de gasto que o cursinho possa ter. “As mesmas coisas que foram faladas para o cursinho da FEA, já foram faladas para todo projeto que usa o espaço da universidade. A diferença é que nunca ninguém tentou tirar a gente. Essa é a novidade”, conta Daniel. Para ele, dizer que o cursinho está “irregular” já está errado por si só, pois se foi autorizada a realização das atividades na faculdade, elas estão regulares. “Por exemplo, sábado agora teve Night Run na USP. Alguém autorizou o acontecimento dessa corrida. Não precisa ter algo mais formal do que alguém autorizar”, completa. Porém, o problema do espaço físico é algo recorrente nos cursinhos populares. Para Daniel, esse é a grande dificuldade de todos eles.
“Eu sempre falo pra Poli: ‘se a gente já consegue fazer tudo isso sem ajuda, imagina o que a gente poderia fazer com a ajuda de vocês’. Mas nós somos um projeto social e a USP está em crise. Quando se está em crise, as primeiras pessoas a sofrerem com isso são aquelas que não têm dinheiro. De qualquer forma, estamos aqui”, conta Daniel.
Por outro lado, na FGV (Fundação Getúlio Vargas), faculdade particular, o cursinho popular conta com o total apoio da instituição. Além de não ser cobrada nenhum tipo de taxa dos alunos, ainda são oferecidos vales transporte e refeição para que eles consigam frequentar o cursinho sem custo nenhum.
Diferente da USP, o cursinho da FGV conta com a ajuda de patrocínios. Estes bancam os vales fornecidos aos alunos e o material didático – que é do CPV. A FGV ainda cobre outros gastos, como salas de aula, que são privadas e, portanto, pagas; e a realização de possíveis eventos.
Segundo Lucas Martins Mesquita, diretor da área pedagógica da turma de Administração Pública do cursinho, a coordenação da FGV os auxilia em tudo que precisam. “Quando surgiu a ideia de abrir o cursinho, a coordenação de Administração Pública os apoiou muito. Ela que os instigava com o projeto, ela queria muito que acontecesse”, relata.
Porém, o cursinho também enfrenta resistência dentro da faculdade. No começo, somente os vestibulandos de Administração Pública tinham acesso a ele. Ao tentar expandir para o Direito e para a Administração de Empresas, a coordenação desta questionou se aqueles eram o tipo de aluno que queriam lá dentro, mas cedeu. Agora, ao tentar abranger também a Economia, a mesma discussão volta à tona.
O Jornal do Campus não conseguiu falar com o diretor da FEA até o fechamento desta edição.
Por: Lana Ohtani