“Não vamos aceitar de cabeça baixa”

Luiz Carlos de Melo, professor da rede pública estadual, teme não ter trabalho ano que vem
Foto: Dimítria Coutinho
Foto: Dimítria Coutinho

No dia 23 de setembro, o Governo do Estado de São Paulo anunciou um plano de reestruturação da rede estadual de ensino, a ser aplicada já a partir de 2016. O objetivo central da medida é reorganizar a distribuição dos alunos em unidades que atenderão cada um dos três ciclos de ensino: o primeiro abrange os alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental; o segundo, dos alunos do 6º ao 9º ano do fundamental, e o terceiro reúne os três anos do ensino médio.

Desde que foi anunciada, a reorganização escolar tem despertado a insatisfação de muitos alunos e professores da rede estadual, motivando mobilizações com o mote “Não fechem minha escola”. Em um dos atos realizados em São Paulo, no dia 9 de outubro, houve repressão policial, acarretando na detenção de Luiz Carlos de Melo, professor de Sociologia da Escola Raul Fonseca, no Ipiranga.

O Jornal do Campus conversou com o professor sobre a sua detenção, a mobilização estudantil e o atual cenário da rede estadual de ensino.

Jornal do Campus: Como aconteceu a sua detenção durante o ato dos estudantes secundaristas, no dia 9 de outubro, e os momentos que a sucederam?

Bom, na sexta-feira, dia 9, nós fomos pra manifestação com uns 150 estudantes. Nós sabíamos que iam ter bastantes estudantes de outras escolas também. Eu já estava um pouco tenso porque era a primeira vez dos estudantes e imaginava que podia ter alguma confusão ali; só não imaginava que fosse ser com a polícia.

Chegando no local a gente já percebeu que a polícia estava bem tensa. Eu já tinha presenciado uma situação em que chegou um grupo de estudantes de uma outra escola e sentou na faixa de pedestres. E aí eu pensei “nossa, que bacana, estão fechando a pista”. Quando eu olhei, havia polícia vindo em formação pra cima deles e alguns já tirando o cassetete. Então eu corri pra ajudar eles a esvaziar, pra tomar cuidado com os estudantes, e quando eu cheguei lá os policiais já estavam empurrando alguns estudantes. Eu pedi pra ter calma, porque só tinha estudante e professor ali, eles me agrediram verbalmente e me empurraram também.

Então, eu percebi que a questão estava tensa e fui atrás de ver algumas pessoas que eu já conhecia de outras manifestações, de grupos como Território Livre, Rizoma, para a gente tentar fazer uma comissão de segurança. Já tinha presenciado uma outra cena de um comandante da PM defendendo a chacina de Osasco; dizendo que tinha morrido mesmo só bandido, que tinham feito um favor.

Então a coisa tava bem tensa ali. Num dado momento, houve uma pequena confusão com a UMES por conta das bandeiras, a gente ficou tentando ver isso porque tinham grupos que eram independentes e queriam separar a manifestação – ou juntar, mas tinha que ser sem a bandeira da UMES – e acabou dividindo o ato.

Num dado momento, eu estava andando com um aluno e comecei a ver a PM correr. Saí correndo, porque pensei que devia ter algum problema; PM correndo numa manifestação, ou tem problema, ou vai ter. Nessa corrida minha eu esbarrei num policial. Quando eu esbarrei, eu pedi desculpa. Ele me ofendeu e eu continuei correndo, e aí saí – a gente estava correndo pela ciclovia – para ver onde que estava a confusão com a PM, e aí um policial caiu na minha frente. A hora que o policial caiu, eu parei e esse PM veio, já esbarrou em mim, e disse “você está querendo impedir a passagem de policial”. Eu falei “não senhor, ele caiu aqui”.  Discutimos brevemente e continuei andando.

Quando eu cheguei onde estava sendo presa uma pessoa, ele já me apontou e falou “grava esse daí, fotografa ele que ele é folgado, ele deu um rodo num policial ali e tentou derrubar outro”. Eu falei “eu não fiz nada” e saí. Nesse momento, olhei e vi que era o o fotojornalista do Coletivo Comboio que estava sendo preso.

Como eu já tinha visto a companheira dele ali, fui procurar ela, avisei e falei para tentarmos impedir a prisão dele. Por que que tem que prender? O cara está trabalhando. E começamos a pedir. Eu estava com uma câmera e comecei a registrar, filmando tudo o que estava acontecendo ali, só que eu parei na frente do carro. Eles me deram um empurrão, para me tirar da frente do carro, e esse PM apontou e falou: “pega ele que ele é folgado”. E ainda falou “ele derrubou um policial”. E aí vieram um monte de PM pra cima de mim, me bateram, ele encostou junto, batia e me ofendia. E aí me prenderam e me detiveram ali. Foi isso.

Teve mais coisas, porque me deixaram detido ali e uma hora tocou meu celular – era uma das minhas alunas da escola -, eu fui atender e eles vieram para cima de mim, disseram que eu estava desacatando, me algemaram e eu fiquei ali um bom tempo. Pedi água, não me deram água, me levaram para a delegacia e o tempo inteiro eles ficavam falando que eu ia ser enquadrado como facilitação de fuga; ficavam perguntando se eu conhecia alguém, quem eu conhecia, com quem eu estava, para tentar enquadrar como formação de quadrilha.

Ficaram tentando falar várias coisas que eles iam me enquadrar, fazendo uma pressão. Fui levado até a delegacia, lá fiquei esperando um tempo também, e só depois de uma hora, mais ou menos, os PMs foram embora, já tinha dado uma acalmada, aí me deram água e tudo e eu fui ouvido pela delegada. Aí entrou só como desacato.

Nesse dia, só você e o Caio [ fotojornalista ] foram presos?

Nesse dia, na delegacia, só eu e o Caio. Mas eu vi os vídeos depois e eu entendi onde tinha começado a confusão. Na verdade, a hora que eu cheguei e vi o Caio preso, eles já tinham pegado alguns alunos, os meninos que estavam de máscara, e já tinham ido para cima desses meninos, tinham batido, já estava uma confusão ali. E na hora da minha prisão, também, houve agressões a alguns estudantes. Tem um vídeo que circulou bastante que mostra um PM jogando gás de pimenta numa menina e a menina gritando… E enquanto eu estava lá em cima detido prenderam um menino também, acho que era do MPL.

Você esteve em outros atos depois desse? Esse foi o primeiro?

Não. Na terça-feira anterior nós fizemos um ato. Teve um ato na escola mesmo, onde os alunos [do ensino médio] organizaram uma assembleia e dali eles decidiram que iam fazer uma manifestação na terça-feira, porque tinha algumas outras escolas da região que também iam fazer. Aí a gente saiu da escola e fez uma caminhada pela Vergueiro, a avenida do Cursino, depois andou até a Abraão de Moraes e foi sair lá na Diretoria de Ensino. E aí na quinta-feira agora eu fui também num ato.

Como foi a atuação policial nesses outros atos em que você esteve?

Eu fiquei bem de longe, tentei me proteger pra não ficar visado. A princípio estava sossegado, só teve a confusão no final do ato, lá no Palácio dos Bandeirantes mesmo. Ali teve uma questão de enfrentamento entre alguns anarquistas e a polícia, porque os caras queriam invadir o Palácio, jogaram rojão e algumas coisas, a polícia jogou bomba. Mas a hora que eu vi que ia dar confusão eu já saí, nem cheguei até o portão, porque já estava meio visado, minha foto saiu nos jornais, capa do UOL, dei entrevista, então… O tempo inteiro eu fiquei meio receoso porque a polícia estava ali acompanhando o ato, às vezes eu ficava no final, andava, tinha que resolver algumas questões de alunos que tinham que ir embora, então a polícia ficou olhando, mas não chegou a falar comigo. Não sei também em que pé que está.

Deve existir um medo de perseguição, não?

Tem, eu ando meio tenso. Estou tentando tomar cuidado, mas ao mesmo tempo não entrando na deles de que eu não tenho que participar.

De um modo geral, como você avalia o novo projeto de educação do Governo do Estado e a forma como ele foi colocado?

A gente não sabe ainda, existe uma desinformação muito grande sobre o que vai ser, se escola vai mudar ou não. Hoje eu fiquei sabendo que tem escola em que a mudança vai ser gradual; que foram informados, mas a gente não sabe. Ao que parece, na semana passada era pra ter tido uma reunião de pais nas escolas – pelo menos na minha diretoria era isso, ia ter uma reunião de pais na sexta-feira, dia 16, e aí mudaram a reunião pro dia 23. Então sexta-feira agora vai ter uma reunião de pais, onde parece que os pais vão ser informados do que vai acontecer o ano que vem.

Também recebi notícias de que em algumas escolas, parece que no Taboão, já voltaram atrás, não sei também se vai ou não. Amanhã [dia 20] tem uma manifestação puxada pela Apeoesp, e eu sei que da minha escola eu vou pra lá, vou trabalhar de manhã e à tarde vou pra lá, e alguns alunos se mostraram interessados em ir. É puxado pela Apeoesp mas tem convocação para pais, alunos e professores, porque é uma coisa que vai afetar não só os alunos, afeta toda a família desses alunos e os professores também.

No meu caso, eu dou aula de Sociologia para o ensino médio, e o que foi informado, até então, é que a minha escola, Raul Fonseca, vai deixar de ter ensino médio, então eu vou ter que ir pra outra escola. Só que eu vou chegar nessa outra escola e provavelmente vão ter outros professores, quem já estava lá e outros que também vão para lá. E, como a escolha de aulas é por uma pontuação que cada um tem, que determina quem escolhe primeiro ou não, eu devo ficar por último, então eu também não tenho garantido se eu vou ter trabalho ou não, como que vai ser, onde vai ser. O Estado diz que sim. Ou seja, a minha situação também é incerta, assim como é incerta a situação dos alunos; ele diz que sim, que vai ter sala para todo mundo, que elas não vão estar cheias. Eu acho um tanto quanto complicado.

Fora toda essa questão de você fazer a coisa corrida – pelo menos para nós, ela está chegando de uma forma corrida -, sem consulta a ninguém, você quebra todo um vínculo que os alunos tinham de relação com aquele espaço, alunos que estudam na mesma escola (e que pensavam que terminariam naquela escola) desde a quinta série, então já tem toda uma relação estabelecida ali com o espaço, com as pessoas daquele espaço… Isso também não foi levado em consideração, e eu acho bem complicado.

Não houve diálogo?

Na minha escola, não. O que o governo divulga é que teve uma consulta; a própria diretora de ensino convocou os alunos para uma reunião – na tentativa, creio eu, de intimidá-los – para dizer a mesma coisa que já tinha sido dita, e aí ela disse que esse é um estudo que vem sendo feito há três anos. Só que pra nós chegou a coisa pronta, dizendo que essa escola não vai ter mais ensino médio. Para o ano que vem já. Não houve uma consulta. Mas a gente sabe que em algumas outras escolas, conversando nas manifestações com alunos e professores, houve consulta, para pensar o que seria melhor para aquela região. Na nossa, não teve consulta nenhuma. Então é tudo muito confuso, as notícias são desencontradas, a forma como está sendo feita não existe um padrão, então eu acho que tem um grau de decisão que ficou na mão da diretoria de ensino, do diretor ou diretora de escola… Na nossa escola, não teve consulta alguma. Foi só avisado.

A Secretaria da Educação diz que a reorganização da rede estadual de ensino é necessária devido à diminuição da demanda de alunos, motivada pela redução da taxa de natalidade no Estado. Entre 1998 e 2015, a rede estadual perdeu 2 milhões de estudantes. Qual a sua opinião sobre isso?

Olha, é super complicado porque eu continuo tendo salas cheias, em torno de 40 alunos. Eu acredito que até possa ter ocorrido isso, mas não é a realidade que a gente tem encontrado na sala de aula. As salas que eu tenho menos alunos são os terceiros anos, porque sempre tem aquela taxa de evasão de terceiro ano, mas eu continuo tendo sala cheia, então na minha escola não teve essa redução, isso não ocorreu. Isso não corresponde com a realidade vivida ali.

Uma outra justificativa que a Secretaria apresenta é a questão da separação dos segmentos, que teria mais qualidade focando em cada segmento. Eu tenho uma leve desconfiança disso também, porque todos os sistemas que a gente vê mais avançados e mais democráticos de ensino, na verdade, privilegiam misturar os alunos, pela convivência, pela socialização, e não por afastar. Eu acho que isso está causando um afastamento. Eu acho que existe aí muito mais uma intenção de já preparar pra uma possível municipalização, então já tem os turnos separados todos.

E nem é que eu sou contra, o problema é a forma como ele ocorre. Se a gente precisar racionalizar, a gente racionaliza, mas tem que tomar um certo cuidado com como faz as coisas. Não dá para chegar no meio do ano e avisar o aluno que ele não vai estar mais aqui ano que vem. Eu acho super complicado isso.

As escolas não são todas iguais, ali eu tenho um problema sério: a escola em que eu estou é uma escola tida como referência, então os alunos quiseram e ficar um tempo esperando pra ir para aquela escola, e agora eles vão ser transferidos pra uma escola que é considerada uma das piores, então está tendo uma disputa entre eles. Isso é complicado também.

Então não sei, a realidade que eu tenho não corresponde; pode até ter ocorrido, acredito que em alguns casos tenha, mas, ao mesmo tempo, me soa muito estranho. Os professores iniciaram, esse ano, uma campanha – e que acabou desembocando na greve – por um problema em que o governo tinha fechado 3 mil salas de aula, além da superlotação nas salas de aula. Então, eu entrei em greve, fiz uma greve por conta disso, e aí agora eu dizer para você que não, realmente, teve uma diminuição, não é a minha realidade, não foi o que a gente viu desde o começo do ano. A escola que eu estou fechou salas de aula. O turno noturno, o EJA [Educação de Jovens e Alunos], fechou. E eu sei que nessa reorganização tem várias escolas que vão fechar o turno noturno, de EJA e de normal também.

E isso gera um problema, porque esses jovens e adultos que estudam à noite trabalham, não?

Sim, eles trabalham. Uns alunos meus que vão mudar, eles querem ter garantia se eles vão poder estudar o ano que vem de manhã, porque alguns já trabalham a tarde. “E se não tiver lá para mim?”, ele fala, “como que eu vou fazer? Vou perder o trabalho?”. Isso eu ouvi nas outras escolas que eu fui conversando e nas manifestações também. É uma preocupação deles.

Na escolha entre o ensino e o trabalho, é claro que a necessidade é o que te chama mais alto. Ele vai para o trabalho naquele momento; depois a hora que puder, volta a estudar. É o que a gente escuta.

Se já existiam problemas de superlotação, você acha que isso pode aumentar?

Eu acho que esse problema vai persistir, no mínimo. Mas eu não consigo ver como vai fazer e conseguir manter todo mundo no mesmo turno. Se a minha escola tem 10, a outra tem 10 e essa tem 10, eu precisaria ter 30 salas lá. Eu não sei como isso vai ser feito.

Você acha que isso vai acabar na precarização?

Sim. Vamos supor que ocorra a realocação. O ano que vem vai ser prejudicado. Então vai ter uma precarização do ensino. Já teve esse ano, porque isso foi um choque para eles, foi muito ruim. Então eles estão extremamente desanimados para continuar estudando, “porque eu não vou estar mais aqui, nem sei para onde eu vou”, então não têm motivação para ir para a aula.

E no ano que vem, você tem todo um processo de adaptação nessa escola nova. Eles se reconhecerem no espaço, criarem novos laços, a relação com o professores… Eu acho que vai ser um prejuízo grande.

Voltando à questão das manifestações, você tem acompanhado o movimento “Não fechem minha escola”, mobilização dos estudantes contra a proposta de reorganização do sistema de ensino? Como tem sido a construção desse movimento?

Vou te falar o que eu estou mais próximo, que é a minha escola, e o restante é observação e com quem eu conversei. Lá aconteceu uma coisa meio autônoma deles, eles não tinham mobilização, receberam a notícia e o que eu conversei com eles foi: “e aí, vocês vão receber a notícia e vão chorar calados, cada um no seu canto, ou vocês vão pelo menos se olhar e tentar se ver como iguais, agora no mesmo barco?”.

Disso, eles começaram a conversar entre eles e pensar a situação, e acabou surgindo, dali, uma assembleia. Então o que eu, como professor de Sociologia, e outro professor, o professor Dimitri, de Geografia, fizemos foi dar um apoio pra eles. “Vocês vão fazer manifestação? Nós estaremos aqui. Como vocês vão fazer? Precisa ter uma comissão de segurança, precisa se organizar e fazer cartazes. Vocês vão criar um grupo no Whatsapp e vão trocar informações?”. Então agora eles estão começando nisso. Começando a entender o que é a UMES, começando a pensar isso, então é uma entrada à força no movimento estudantil. Mas tem me surpreendido a organização deles, tanto da minha escola quanto das outras, também. Fiquei muito surpreso de ver na Paulista, aquele dia, várias escolas organizadas de forma autônoma. Mesmo na sexta-feira, que era uma caminhada enorme, do Largo da Batata até o Palácio do Governo, nós conseguimos ir com 35 alunos organizados. Teve uma mãe que auxiliou, ela tinha uma kombi e levou a gente da escola até o metrô, então tem pais envolvidos também, que estão mobilizados. Por conta da minha prisão, eu achei que os pais podiam não querer mais os filhos próximos de mim, mas eles compreenderam e viram a questão da injustiça, tanto na prisão do repórter quanto na minha posição de tentar defender uma prisão injusta. Foi bacana e acabou dando uma força, eu acho. Eu perguntei, em todas as salas que eu fui (são 11 salas), se algum pai disse “não quero mais você com esse professor”, e não teve nenhuma resposta dessa.

Então a repressão não acanhou os alunos?

Não acanhou. Pelo menos eles estão mobilizados e, pela questão de alguma punição que eu ou o outro professor pudéssemos sofrer na escola, eles estão super atentos. Então isso está bacana, eu acho que eles tão aprendendo ali, no fazer. O que a gente tem feito é tentar manter essa forma autônoma deles, não partidarizar o movimento, que eu acho que é importante – não partidarizar no sentido de que não assuma nenhum partido ali, ou que alguém venha e tome pra si aquele movimento. Então eles tão bem mobilizados pra isso.

O terceiro ano é o mais articulado, talvez o mais maduro, não sei, mas tem meninos do segundo e do primeiro ano que tão super envolvidos, estão entendendo… Eu tive alunos que me acompanharam na delegacia e viram o que aconteceu ali, viram a violência policial na Paulista da forma como ocorreu, viram na delegacia, como foi. O tempo inteiro eles falavam “é, a gente sabe que o discurso é uma coisa, e a prática é outra”. Isso foi muito bacana. Para mim, foi riquíssimo, porque é uma aula de Sociologia na prática. Eles estão vendo as coisas e estão começando a relacionar tudo que se discute em sala de aula, sobre a necessidade de socialização, de participação, de reivindicação. Isso está sendo bem legal.

Eu acho que a gente tem aí um super movimento; não vou dizer que é um novo junho de 2013, mas a gente teria todo o potencial pra isso, ou talvez até maior. Como a esquerda está totalmente desarticulada, a gente não sabe o que vai ser, mas a gente teria um potencial enorme pra que isso ganhasse força e mobilizasse as pessoas, o que eu acho que seria bem importante. Porque está afetando diretamente os alunos, então eles estão se vendo nisso. São alunos que não participaram, eles viram o que aconteceu em 2013 – alguns chegaram a falar “eu queria ir, mas minha mãe não deixou. Você estava lá? Correu da polícia? Cheirou gás?”. Estava, corri, cheirei (risos). Então eles ficam querendo saber como que é, como não é, como que faz na rua… A gente está todo nesse cuidado. Por isso a questão da comissão de segurança, de falar da confusão entre eles, do quanto isso tira o foco da luta deles.

Eles conquistaram um espaço enorme dentro da escola. A escola lá é tida como uma referência porque nunca nenhum aluno se rebelou, não se colocava nada; é uma escola que não tem um grêmio, porque nunca se possibilitou a criação de um grêmio, até para isso, para não ter conflitos. Então para eles está sendo uma super experiência.

Eu acho que tem um potencial, não sei o que a gente vai conseguir porque tem todo esse cuidado, a gente estimula para que eles vão quando eles querem mas, ao mesmo tempo, a gente tem que tomar um cuidado enorme porque a gente já tem sido acusado de ser manipuladores, de estar incitando os alunos, de desvio de função de professor, porque “olha lá, não tem que tratar desse assunto”.

Qual você acha que deve ser o caminho a ser seguido pelos jovens a partir de agora? O que eles devem fazer pra não perder o fôlego e conseguir, de fato, alcançar o objetivo de barrar a reorganização?

Eu acredito que eles têm que continuar mobilizados. Eu acho que agora a gente precisa começar a pensar em ações locais, para mobilizar a comunidade local, mobilizar e conscientizar a região onde eles moram, onde está inserida a escola, explicar qual é o problema de você ter ou o fechamento de uma escola, ou uma mudança de configuração daquela escola, o quanto isso influencia…

Eu acho que esses movimentos podem ganhar força se a gente começar a fazer isso, se os alunos começarem a fazer com os professores apoiando, claro. Porque o outro lado disso é esse: entre os professores, eu ainda vejo a mobilização muito fragmentada. Vai afetar professor também. Então amanhã [dia 20] tem a convocação da Apeoesp; até agora, tudo se deu de forma autônoma, tem um apoio meio velado da Apeoesp. Mas a Apeoesp tinha uma assembleia marcada pro dia 29 e ela chamou uma outra, porque acho que ela viu que estava ganhando caldo e aí marcou uma pra amanhã. Então amanhã eu vou lá pra ver como está, ver qual é a adesão. Eu acho que professor tem que se mobilizar, não só quem vai ser afetado. Mas é isso, a categoria professor é uma categoria complicada.

Na greve a gente viu um pouco isso e agora, que está afetando direto, eu acho que ainda não caiu a ficha para alguns. Mesmo o professor que vai ficar lá na escola – vamos dizer, se eu fosse um professor de matemática e fosse ficar na escola onde eu estou, porque eu vou dar aula para o fundamental – vai ter a vida afetada também, porque ano que vem vai receber alunos novos, que não conhecem aquela escola, não sabem como é. Eu acredito que isso vai levar até o meio do ano para conseguir dar uma estabilizada na escola.

Mas as manifestações, voltando para isso, acho que agora deviam tentar pensar mobilização no local, depois para ganhar mais força para a gente poder ir para a Secretaria. Porque até agora, na Secretaria, o discurso é o mesmo. É a mesma coisa, a troca de palavras, o embelezamento de palavras. No caso da minha escola, vai deixar de ter o ensino médio; algumas vão fechar, já foram comunicadas de que vão fechar.

Alguns casos são estranhos, você sabe que a localização da escola influencia; você fecha aquela escola, o governo tem um ativo ali de dinheiro que, se ele vender aquela escola, consegue fazer um caixa, porque a localização da escola é privilegiada e ali interessa ao mercado imobiliário. Então eu acho que é importante a pressão ali, mas eu acho que é importante pro movimento fazer a questão local.

Você acredita que seja possível barrar esse projeto com a pressão popular?

Olha, eu tenho a desconfiança de que a gente consiga alguma coisa. Barrar ele totalmente, eu acho que não, mas algumas mudanças a gente vai conseguir. E, pra mim, o que importa é que as pessoas estão se mobilizando e esse governo sai arranhado, a imagem dele sai arranhada. Eu acho que, no mínimo, o governo tem que saber que a gente não vai aceitar as coisas de cabeça baixa. E quando eu digo a gente é professor, aluno, pais… Porque é imposto, é uma coisa que vem imposta, vem de cima, foi decidida no gabinete, mas e o diálogo? Não tem.

Por Paula Mesquita