Doutorando em meteorologia no IAG, João Augusto Hackerott compete pelo Brasil na vela e mira Olimpíadas de 2020
Sempre que se fala em atletas uspianos de alto nível, se pensa em alunos da Escola de Educação Física e Esporte. Mas é muito difícil imaginar que um doutorando do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas possa ser um esportista de rendimento internacional. João Augusto Hackerott é o nome da fera que quebra todas essas barreiras.
Graduado, mestrado e doutorando pelo IAG-USP. Campeão sul-americano, norte-americano, brasileiro e quarto lugar no Pan-Americano. É possível juntar todas essas características e fazê-las ainda relacionando as duas paixões. João Augusto faz pesquisas na área de meteorologia que são diretamente aplicáveis no seu esporte: a vela.
Em seu mestrado, estudou os ventos na Baía de Guanabara, local onde acontecerão as provas da vela nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Em seu doutorado, pesquisa os ventos na confluência Brasil-Malvinas, já visando uma possível competição de volta ao mundo em cima de um barco.
João Augusto ficou por um triz de ir às Olimpíadas de Londres, em 2012, sendo classificado como reserva da equipe velejadora. Desde então, ele preferiu focar na ciência, pois dificilmente bateria o bicampeão olímpico Robert Scheidt na corrida pelo Rio 2016. Entretanto, ele planeja realizar o sonho olímpico daqui cinco anos, em Tóquio, ao lado de sua irmã Maria em um barco misto ‒ ela também é velejadora e uspiana, aluna da EEFE.
Da Noruega, onde o atleta-pesquisador faz parte de seu doutorado na Universidade de Bergen, João Augusto concedeu uma entrevista ao Jornal do Campus.
JC – Esse ano você foi campeão brasileiro na Laser Radial e competiu no Pan-americano, de Sunfish. Você acha que dá para conquistar uma vaga em Olimpíadas?
João Augusto Hackerott – Essa que vai ter agora não vou disputar. Na vela, temos diferentes categorias: até 2012, disputei bastante na Laser, que é olímpica. Estava num treinamento bem intenso. Durante o ciclo olímpico, fiz graduação e mestrado, e continuei velejando num nível que não era profissional, porque não ganhava dinheiro para isso, mas era semiprofissional. Fui para a Europa algumas vezes.
Nas olimpíadas de Londres, não cheguei a ir, mas fiquei como reserva. Peguei quinto lugar na qualificatória, foi por um triz.
Depois de 2012, foi decidido que seria indicação para a Olimpíada, não ia ter uma seletiva. E saiu uma notícia que o Robert Scheidt estava voltando para a classe Laser. Então, para bater ele por indicação, teria que que me superar. Decidi entrar no doutorado e continuar velejando mais por lazer. Diminuí o ritmo de treinamento e comecei a estudar mais do que velejar.
E como foi a classificação para o Pan-Americano?
Lá por setembro de 2014, o Brasil conseguiu uma vaga no Pan-Americano de Sunfish, que não é uma categoria olímpica. A Confederação decidiu que o Campeonato Brasileiro de Laser Radial seria a seletiva para o Pan. Eu decidi: vou tentar. No final do ano, comecei a treinar mais intensamente, entre setembro, outubro, novembro e dezembro. Treinei praticamente todo dia. Eu ia para a universidade de manhã e à tarde ia para a represa Guarapiranga velejar. Treinei, treinei, treinei e ganhei o brasileiro.
A Confederação me deu um barco novo, o Sunfish, para eu aprender a velejar de com ele. Nunca tinha visto o barco na minha vida antes, porque não tem no Brasil. No primeiro semestre, eu me planejei. Estava em doutorado, não podia largar o doutorado pelo Pan. Estava só velejando no final de semana. Comecei um treinamento intenso durante a semana na academia no CepeUSP. E no final de semana treinava na represa. Fiz isso durante fevereiro, março e abril. Ia cedo para a universidade, estudava de manhã, na hora do almoço ia para a academia, malhava, estudava mais à tarde.
Treinava de duas a três horas por dia no sábado e no domingo. A gente, dificilmente, treina mais que três horas seguidas. Tem dia que fazemos dois turnos. Mas velejar tem o problema que tem que ter vento e São Paulo não tem vento normalmente de manhã. Só se tiver vento de manhã, a gente treina dois turnos.
Fui para o Peru, competir em Lima, um campeonato regional deles que equivale ao Sul-Americano de Sunfish, que ganhei. Lá eu aprendi a velejar nesse barco.Voltei para São Paulo, treinei mais um pouco, mas no mesmo ritmo.
Em junho, fui também para os Estados Unidos, em Dallas, que teve o campeonato Norte-Americano. Ganhei, fiz a dobradinha, faltava só o Pan, mas acabei que fiquei em quarto.
Acabou o Pan, dei uma semi-parada. Nunca parei de vez, final de semana estava na água. Mas aí consegui essa bolsa de intercâmbio pelo Ciência sem Fronteiras da Capes. Vou ficar sete meses aqui na Noruega.
Na Noruega você treina também ou só veleja por lazer?
Eu não estava com expectativa nenhuma. Mas chegando aqui, um amigo que eu conhecia na Europa sabia de um pessoal aqui na Noruega, ligou para eles dizendo que eu estava por aqui, aí eu ganhei um barco. Final de semana estou velejando, quarta-feira também.
Para frente, você pensa somente no seu doutorado, ou você ainda quer continuar competindo na vela?
Eu vou terminar meu doutorado, tenho até 2017. Quero sim voltar a velejar. Tenho um projeto com a minha irmã. Dificilmente voltarei na Laser, mas tem um barco que se chama Nacra [classe olímpica em que compete uma dupla mista]. Eu e minha irmã temos o biotipo ideal para esse barco. Eu gostaria de fazer uma campanha para 2020 com ela. Mas é um barco muito caro, teríamos que conseguir patrocínio primeiro, então tem chão pela frente ainda. Não tem nada decidido, só um sonho. Estamos montando um projeto para captar patrocínio.
Você se graduou no IAG em Metereologia, certo? E depois começou um mestrado onde estudou os ventos na Baía de Guanabara, que é exatamente onde serão as provas da vela no Rio 2016. Como surgiu essa ideia e o que você foi descobrindo?
Primeiro, velejar me levou a ser um meteorologista. Por eu ser velejador, desde criança vejo a previsão do tempo sempre. Durante a graduação eu queria começar a entender melhor como funcionam os modelos meteorológicos, principalmente os de escala regional.
Conversando com meu orientador da iniciação científica, eu falei que tinha a olimpíada no Rio de Janeiro e que a gente poderia fazer um estudo dos ventos na Baía de Guanabara. Ver como é que o modelo representa os ventos lá. Teria aplicação direta para a Olimpíada. Ele topou e a gente fez.
Descobri várias coisas. Na época da Olimpíada, venta fraco no Rio de Janeiro. Então, mesmo dentro da Baía de Guanabara, dificilmente vamos ter uma prova com ventos fortes. É uma confirmação, disso já se tinha uma boa ideia. Também, mostrou que é preciso um modelo de alta resolução para ver os ventos ali.
Agora no doutorado…
Agora no doutorado eu mudei um pouco. Continuo estudando vento, mas saí da escala regional. Estou trabalhando com o vento na região da confluência Brasil-Malvinas. Estudo como é que diferentes temperaturas da superfície do mar influenciam no vento próximo da superfície, nos primeiros 100 metros de atmosfera. Isso é importante porque os modelos meteorológicos não representam isso com uma grande confiabilidade.
Isso, de certa forma, está relacionado com a vela também. Eu tinha dois sonhos: ir para a Olimpíada e fazer uma volta ao mundo de barco. Tem um campeonato famoso, a Volvo Ocean Race, que é uma competição que dá a volta ao mundo. Fazer isso seria superlegal. E entender como funcionam os ventos em regiões como a confluência Brasil-Malvinas, ter um doutorado nessa área é um diferencial para um dia eu ser contratado [porara uma das equipes que disputam a competição].
Teve um projeto da USP para ajudar atletas de alto nível em 2012, que se chamava USP e as Olimpíadas. Você fez parte do edital, mas depois ele acabou. Queria que você contasse como foi: por que não deu certo?
O projeto foi uma surpresa, ninguém esperava. Foi na época do Rodas. A gente tinha uma bolsa boa. Eu era atleta de nível internacional, consegui um auxílio equivalente a um de doutorado, na época de mestrado. Tive de cancelar minha bolsa da CNPq, que não permitia receber duas ao mesmo tempo. Fiz o mestrado e parte do meu doutorado com ela.
O projeto era bacana, tive acompanhamento nutricional, na academia. Tive uma equipe da EEFE preparando treinamento especial para mim, que na época precisava ganhar peso. Essa bolsa me ajudou um monte, pois com a do mestrado não daria para financiar campeonatos e tudo mais.
Se não tivesse esse auxílio, eu não teria conseguido manter o nível depois de 2012 para disputar o Pan-Americano em 2015. Devido a ele eu nunca parei de competir. Eu diminui os treinos depois de 2012, mas pela bolsa eu nunca parei. Devo bastante a ela.
Infelizmente, aí veio a crise. Foi na época que trocou o reitor, entrou o Zago. A primeira coisa que ele fez foi suspender o auxílio. O projeto acabou praticamente sem notícia. Foi meio revoltante. A gente estava ciente que, quando se começa a ver as notícias de que a USP estava sem dinheiro e que teriam cortes, você com uma bolsa de esporte, a gente sabia que isso não ia durar muito.
Acho que fomos avisados com um mês de antecedência que ela seria suspendida. Aí o projeto acabou. Eu tive sorte, pois estava no doutorado. É mais fácil conseguir uma bolsa. Ainda mais meu projeto, que tem um apelo, uma parceria com o INPE.
Eu espero que reabram. O esporte e a academia não estão tão distantes. Minha pesquisa é toda motivada pelo esporte. Se você tem atletas diretamente da universidade, te dá pontos nos rankings de qualidade, é importante.
Pela primeira vez na história, parecia que a USP estava começando a ter um lugar para os atletas que ela tem. Está cheio de atletas na universidade, tem algumas dezenas. Aproveitar isso é uma coisa importante. Mas aí veio a crise, acabou o projeto.
Deixar de investir no esporte é um erro. Se a USP esquecer esse projeto quando a crise passar, é um erro dela. Espero que não fique na gaveta.
Por Matheus Sacramento