Sem cotas para a pós na Antropologia

Sistema de cotas para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia já foi aprovado em todos os órgãos, mas o processo, parado desde fevereiro, não irá contemplar os candidatos de 2016

No Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP (PPGAS/USP), o sistema de cotas já foi aprovado em todas as instâncias e órgãos colegiados da FFCLH desde outubro de 2014, mas o processo encontra-se ainda parado, aguardando, desde fevereiro de 2015, um parecer jurídico da Câmara de Normas e Recursos da Universidade para que possa ser implantado.

Caso a tramitação na câmara de normas se estenda por mais alguns meses, tudo indica que nem mesmo candidatos pretos, pardos, indígenas e com deficiência do processo seletivo de 2016 (para ingresso em 2017) serão contemplados pelas cotas. É certo que a implantação de uma medida tão relevante como essa precisa estar amparada, técnica e juridicamente, pelas leis e portarias da Universidade e em conformidade com elas. Não se entende, porém, por que, passados mais de dez meses, a Câmara de Normas e Recursos da USP ainda não se manifestou.

Cotas na USP

Em agosto de 2015 a lei de cotas, como ficou conhecida a Lei 12.711/2012, que institui cotas raciais e sociais nas universidades e institutos federais, completou três anos. Segundo dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), até agora cerca de 150 mil candidatos negros já foram contemplados pela medida de inclusão de setores da população historicamente menos favorecidos na universidade. Os números de 2015 só serão conhecidos em 2016.

Sabe-se, porém, que as universidades públicas mantidas pelo governo estadual têm se mostrado reticentes em adotar a política de cotas raciais e sociais no ingresso a seus cursos de graduação. Das três universidades estaduais paulistas, apenas a Universidade Estadual Paulista (UNESP) passou a adotar, a partir de 2014, as cotas sociais e raciais, enquanto a USP e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) ainda optam por um sistema de bônus para os candidatos provenientes da escola pública.

Os programas da USP têm, no entanto, a possibilidade de adotar sistemas de cotas na pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) antes mesmo da sua possível adoção nos cursos de graduação, pois eles têm maior autonomia para decidir sobre as normas e critérios de ingresso de seus candidatos. “Essa maior autonomia permitiu que iniciássemos as discussões na Antropologia Social, visando assegurar o direito de continuidade aos estudos àqueles que já cursaram a graduação e que desejam se especializar como antropólogos” explica o segmento de discentes da comissão de cotas do Programa de Pós Graduação da Antropologia Social da USP (PPGAS/USP).

Implementação

No Programa de Pós Graduação da Antropologia Social da USP, a discussão sobre ações afirmativas surgiu durante a greve de 2013, quando foi formada uma comissão de alunos que se dedicou ao estudo e aprofundamento do tema. Pouco tempo depois essa comissão se expandiu e passou a ser formada por discentes, docentes e funcionários. Foi então elaborada uma proposta de ações afirmativas que, em  julho de 2014, foi aprovada pela Comissão Coordenadora de Programa (CCP) do Programa de Antropologia Social. Em seguida, foi encaminhada para a Comissão de Pós Graduação (CPG) da FFLCH, onde também foi votada e aprovada em outubro do mesmo ano.

Após essas votações expressivas, a proposta foi enviada à Câmara de Normas e Recursos,  com a finalidade de receber avaliação jurídica, a última etapa antes da implementação. “Desde fevereiro de 2015 ela está sendo analisada por esse setor da faculdade e ainda não recebemos nenhum posicionamento sobre sua tramitação”, explicam os discentes  da comissão.

A proposta prevê uma reserva de vagas, no mestrado e no doutorado, de até 20% para os candidatos que se autodeclararem pretos e pardos e de até 5% para pessoas com deficiência, além da criação de uma cota fixa de duas vagas para optantes indígenas. Destaca ainda a comissão de cotas do Programa que “a ocupação dessas vagas depende também de critérios como demanda, notas de corte e outras regras que contam no documento que formulamos.”

A fim de garantir mudanças mais responsáveis, além de propor especificadamente os números de reserva de vagas, a comissão detalhou critérios para acompanhamento desses estudantes cotistas antes e depois de ingresso no programa. “Procuramos nos antecipar ao máximo em relação a possíveis problemas e detalhes que dificultassem a implementação da proposta” relata a comissão.

Apesar de existir certa autonomia para cada programa da Pós-Graduação na USP, existem algumas normas gerais que se aplicam a todos os programas, de tal modo que o segmento de discentes da comissão de cotas do PPGAS/USP consultou todas essas normas durante a elaboração da proposta de ações afirmativas a fim de garantir que nenhuma fosse infringida.

O Programa de Pós Graduação em Antropologia não é, todavia, pioneiro na luta de cotas na USP: no Programa de Pós Graduação de Direito, a área de concentração em Direitos Humanos — um programa multidisciplinar que admite candidatos com graduação não só em Direito mas também os portadores de diploma de outros cursos superiores — vem reservando, desde o processo seletivo de 2006, um terço das vagas do Programa para negros, indígenas, deficientes físicos e pessoas em situação de hipossuficiência econômica.

Outras universidades

Outras universidades do país já iniciaram o processo de adoção do sistema de cotas  em seus programas de pós graduação. Todos os cursos de mestrado e doutorado da Universidade Federal de Goiás, por exemplo, possuirão reserva de vagas de 20% para negros, pardas e indígenas a partir do próximo processo seletivo.

O Programa de Pós Graduação da Antropologia da Universidade de Campinas também já prevê, em seu edital para ingresso em 2016, 25% de reserva de vagas para candidatos autodeclarados negros que optarem por participar da política de ação afirmativa do PPGAS/Unicamp.

No Rio de Janeiro, há uma lei estadual (6.914/2014) que instituiu o sistema de cotas para ingresso aos programas de pós-graduação das universidades públicas do Rio. Segundo a lei, a reserva de vagas será de 12%  para alunos negros e indígenas, 12% para graduados da rede pública e privada de ensino superior e 6% para pessoas com deficiência e para filhos de policiais civis e militares, bombeiros e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço.

Inspirada por essas experiências concretas e proposta pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial já está em discussão, em conjunto com o MEC, uma política de cotas para a pós-graduação, a fim de garantir não apenas o ingresso às instituições federais, mas também a diversificação dos objetos de pesquisa do mestrado e doutorado.

O fortalecimento de linhas de pesquisas variadas decorrente da adoção do sistema de cotas também é uma associação feita pelo segmento de discentes da comissão de Cotas do PPGAS/USP: “sabemos que são pouquíssimos negros, indígenas e pessoas com deficiência que cursam pós-graduação na Universidade de São Paulo. Aumentar a participação de minorias no acesso à pós-graduação garante inclusive experiências diversificadas, que somam positivamente à produção de conhecimento”, ressalta o grupo.

Por Giovana Bellini