Em 2 de março, por volta das 17 horas, policiais militares abordaram dois estudantes da Escola de Comunicações e Artes na Prainha, área de convivência ao ar livre próxima ao prédio principal da ECA e à Reitoria da USP. O espaço, que era de livre circulação, foi cercado no começo deste ano por determinação da Reitoria, tendo atualmente horário de acesso restrito.
A estudante do curso de Jornalismo Mayara Paixão, que é uma das diretoras do Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC), conta que estava com conhecidos no local naquela tarde quando os policiais chegaram. “Os policiais entraram correndo na Prainha. Parecia até que alguém estava cometendo um crime ali. Fiquei assustada.”
Os policiais, acompanhados de guardas universitários e do chefe do Setor Operacional da Guarda Universitária, Alexandre Pereira, revistaram as mochilas e carteiras dos dois estudantes, que estavam sentados em um banco próximo a uma câmera de segurança. Às pessoas que estavam no local ouvidas pelo JC, Alexandre afirmou que a polícia foi acionada porque os estudantes foram vistos pela câmera de segurança fumando maconha.
Os estudantes foram levados por suspeita de porte de maconha ao 93º Distrito Policial, onde ficaram até por volta das 23 horas. Os policiais ofereceram um lugar na viatura para que uma das pessoas presentes no local da abordagem pudesse acompanhar os estudantes até o DP. Vários estudantes, incluindo dois membros do CALC, os acompanharam à delegacia. “É nossa responsabilidade como representantes dos alunos da ECA. Sabemos como costumam ser as ações da polícia. Queríamos ver como tudo ia transcorrer”, diz Mayara.
Em posts no Facebook, o CALC afirmou que a abordagem foi “mais um exemplo do aumento brutal da repressão da Reitoria da USP aos estudantes” e “mais um aviso da Reitoria de que estão nos vigiando de perto e estão procurando qualquer justificativa para nos criminalizar.” A Reitoria afirmou ao Jornal do Campus que não se manifestará sobre os posts.
Questionada sobre o motivo de a Guarda Universitária ter chamado a polícia, a Reitoria respondeu que “a segurança do campus é feita pela Polícia Militar, conforme acordo assinado com a Secretaria de Segurança Pública em 2015. Dessa forma, a Polícia não precisa ser ‘chamada’, já que é responsável pelo patrulhamento do campus.”
Para Ana Lúcia Pastore, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência e ex-superintendente de Prevenção e Proteção Universitária da USP, esse tipo de abordagem não é eficaz. “Para mim foi uma surpresa. Há muito tempo eu não tenho notícia de abordagem de alunos na USP por fumarem maconha. Em que isso contribui para a convivência no campus? Esse tipo de abordagem, na minha opinião, não contribui em nada para ninguém. Na minha época de superintendente, havia um acordo de que a guarda jamais abordaria alunos por fumarem maconha e muito menos chamaria a polícia por esse motivo. Uma política de boa convivência não é uma política repressiva. Uma polícia comunitária jamais faria isso. Eu não vejo por que tomar esse tipo de atitude, que acirra os ânimos, toma o tempo dos estudantes e faz os guardas e PMs saírem de seus postos. Não acho isso prudente.”
“Num campus universitário, o uso de drogas é algo que sabidamente acontece, principalmente de drogas leves. Fumar não é crime e não ameaça a segurança de ninguém. O tráfico, sim, é danoso. Eu sou absolutamente favorável à descriminalização da maconha, que vai ajudar a coibir o tráfico”, diz Ana Lúcia.
A professora completa. “Talvez não por acaso a abordagem tenha acontecido no entorno da reitoria. Essa abordagem dos estudantes parece ser um sinal de que ali é uma área que está sendo especialmente vigiada e onde não vai ser admitido nada. É uma área que está sendo disputada. Esse espaço é um foco de tensão no momento. Há tensão com o Sintusp, por exemplo. As grades que foram instaladas ali recentemente são muito duras para um campus que foi planejado para ser aberto. Toda aquela área da reitoria se tornou hostil.”
De acordo com a Lei de Drogas, vigente desde 2006, o porte de drogas para uso pessoal pode acarretar pena de advertência, prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a curso educativo, não havendo possibilidade de pena de prisão. Está em curso no Supremo Tribunal Federal julgamento que pode eliminar todas essas penas no caso da maconha, efetivamente liberando o porte da droga para uso pessoal no Brasil. Três ministros do Supremo já votaram nesse sentido. O julgamento, que começou em 2015, foi suspenso e ainda não tem data prevista para ser retomado e concluído.
A Secretaria de Segurança Pública, a Superintendência de Segurança e Prevenção da USP, a Diretoria da ECA e Alexandre Pereira não responderam aos contatos da reportagem do JC. Os estudantes que foram abordados preferiram não conceder entrevista.