Reitoria ameaça espaços Estudantis e sindicais

Assim como o Sintusp, entidades brigam para manter autonomia sobre seus espaços

Era 21 de dezembro, e os estudantes da Escola de Comunicações e Artes da USP estavam em férias de verão, quando iniciou-se ali a construção de uma cerca. Além dos operários contratados pela Reitoria, os membros do Sindicato dos Trabalhadores eram os únicos no local. Eles impediram que fosse implantada a grade que fecharia toda sua fachada, logo viralizando fotos e vídeos do que estava acontecendo. Alguns dias depois, no entanto, os funcionários da construtora dariam cabo de seus trabalhos sob a proteção da Polícia Militar, a garantir que a grade fosse erguida rapidamente.

“Nós conseguimos resistir à cerca por quatro dias, até que eles voltaram junto da Força Tática, munida de metralhadoras e fuzis de repetição. Dessa forma foi instalada a grade, tanto em frente ao sindicato quanto na área oposta. Apesar disso, permanecia a disposição de resistir e proteger nossa sede de uma ação de reintegração de posse, já que naquele momento a perspectiva era a de sermos expulsos da USP”, diz Magno de Carvalho, diretor do Sintusp.

Em 30 de novembro chegou ordem de reintegração de posse para o Sindicato. Alguns dias depois o espaço conhecido como Prainha e o Prédio da Vivência, que compreendem um restaurante e as sedes de entidades como o Centro Acadêmico (CALC), a ECAtlética, a BaterECA, o CANIL e o Sintusp estava completamente cercados, seu acesso acontecendo somente pela pequena porta do Prédio Central da ECA, até as 20h da noite, e por uma seção do trajeto da grade que ainda não havia sido construída.

O Sindicato empreendeu logo uma campanha de defesa dos seus espaços, apoiada pelo movimento estudantil e pela Adusp (Associação dos Docentes da USP). Ainda no dia 15 de dezembro Carlos Giannazi, deputado estadual pelo PSOL e Eduardo Suplicy, ex-senador e vereador de São Paulo pelo PT, que eram parte de uma comissão de negociação, foram barrados pela segurança ao tentarem negociar com o Reitor enquanto acontecia uma manifestação favorável ao Sintusp. A despeito da pressão, em 21 de dezembro iniciou-se a construção da cerca, e no dia 4 de janeiro ela foi completa.

Em nota, a Diretoria da ECA afirmou que não havia sido informada a respeito da construção da cerca, e que “segundo a Reitoria tal decisão foi para resolver a questão de segurança do espaço externo entre os acessos dos prédios da Reitoria e o da ECA, de forma a evitar a exploração comercial e ilegal de vendas no referido local por parte de ambulantes externos”. Além disso, “também foi mencionado que o local tem sofrido constantes assaltos, furtos, agressões e que no passado recente este espaço foi palco de assassinato de um médico, cabendo à Universidade zelar pela segurança e pela vida das pessoas, bem como preservar o espaço público que está sob sua responsabilidade”

No dia 19 o Sindicato, o CALC, os demais CAs da USP e o DCE organizaram um ato em frente ao Sintusp, sob os motes da liberdade sindical e da defesa dos espaços estudantis, no qual compareceram parlamentares como Ivan Valente (PSOL), Alencar Santana e Antonio Donato (PT), além de Giannazi e Suplicy, mais uma vez.

Foto: CALC
Foto: CALC

Dois dias depois, em 22 de janeiro, o Sintusp e a Procuradoria Geral da USP se reuniram no Ministério Público do Trabalho (MPT) para uma audiência de conciliação. Ali a Reitoria recuou de suas intenções iniciais, oferecendo ao Sindicato um espaço contíguo ao da Prefeitura do Campus – mas ainda consideravelmente menor do que o de sua sede original – e congelando o mandado de reintegração de posse original até a próxima audiência.

Quase um mês transcorreu sem novidades, até que a Reitoria optou por impedir completamente o acesso aos veículos do Sindicato. Faria-se o mesmo também à circulação de  pedestres, bloqueada no 14 de fevereiro.

Dez dias depois, em nova audiência no MPT, o Sintusp celebraria acordo com a Reitoria de realocação para a nova sede, próxima ao Museu de Arqueologia e Etnologia, à Prefeitura do Campus e à Adusp, com 80 metros quadrados adicionais em relação à proposta original. O dia 10 de abril, segunda-feira da Semana Santa, é o prazo máximo para que o Sindicato deixe sua sede.

Espaços estudantis em xeque

A Prainha e Vivência são os espaços que ficam entre o Prédio Central da ECA e a Reitoria da USP. Sua fama corre na cidade universitária e fora dela por conta da vida cultural dali. Espaço de convivência dos alunos da ECA e da USP, estes locais sempre abrigaram festivais de música, saraus, debates, gincanas e festas denominadas Quinta i Breja.

Para Rodrigo Arruda, aluno de Artes Visuais e membro do Centro Acadêmico Lupe Cotrim, da ECA, o cercamento afetou principalmente “aqueles que utilizam o espaço diariamente, ou seja, toda a comunidade de alunos, professores e funcionários da ECA”, mas sua principal consequência é “o afastamento dos nossos espaços daqueles que não tiveram a oportunidade de ingressar aqui como estudantes, ou seja, o cerceamento de seu caráter público”.

Ao mesmo tempo em que se erguia a cerca, na ECA, no Instituto de Física e no Piso do Museu, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Reitoria e Diretorias ordenaram, através de ofícios internos, que os locatários (empreendimentos como copiadoras, livrarias e restaurantes, sublocados nos espaços cedidos às entidades acadêmicas) abandonassem suas atividades num prazo de 30 dias. A Procuradoria Geral alega que a presença das empresas ali é ilegal, já que a contratação se dá através dos grêmios e centros acadêmicos, sendo parte do lucro revertido em forma de pagamento de aluguel, o que configuraria exploração ilegal de espaço público.

Na Física os estudantes foram capazes ganhar, na última Congregação do instituto,  a autonomia sobre área que inclui a sua sede e o espaço dos locatários. Ainda assim, os membros do Cefisma ainda terão de levar à Justiça a briga pela manutenção das empresas que financiam o Centro Acadêmico..

Historicamente, a sublocação tem sido a forma de financiamento das entidades representativas dos estudantes. A maior parte dos CAs, DAs e Grêmios da USP – desde o Largo São Francisco, passando pela Faculdade de Medicina até a ECA – contam com algum tipo de locação para custear suas atividades-fim.

Para os advogados Ramon Koelle e Felipe Vono, representantes dos Centros Acadêmicos da ECA (CALC), FAU (Gfau) e Física (Cefisma), a sublocação é legítima. “a autonomia estudantil e a gestão democrática da universidade são dois princípios importantes da Constituição Federal [arts. 206 e 207], e eles só se fazem cumprir na medida em que as entidades das três categorias que compõem a universidade possam se financiar de forma independente. A sublocação dos espaços – no caso dos estudantes – garante isso.

Estudantes, trabalhadores e professores ouvidos pela reportagem do JC concordam quanto ao objetivo dos movimentos feitos pela burocracia: limpar o caminho para a imposição de um novo projeto para a universidade.

Para Magno de Carvalho, “o ataque ao sindicato e aos espaços estudantis é consequência de uma vontade de acabar com o caráter público, gratuito e popular da universidade, de uma vontade de privatizá-la de fato”.

Apesar disso, ele argumenta que “se há algo de bom que Zago conseguiu foi unificar professores, estudantes e trabalhadores entre si e dentro de suas categorias”, e conclui: “Até agora nós conseguimos apenas diminuir a velocidade com a qual as medidas de desmonte do reitor eram aplicadas, mas com essa união espero que a luta cresça e que sejamos capazes de barrar verdadeiramente estes ataques”.

Para Gabriela Schmidt, representante discente no Conselho Universitário e diretora do DCE Livre da USP, “a defesa dos espaços faz parte da história do movimento estudantil na USP. Durante os anos de seu mandato, o reitor Zago iniciou uma nova série de ataques à autonomia estudantil sobre eles, querendo restringir a presença dos alunos às salas de aula”, argumenta. “O objetivo destas ofensivas é enfraquecer e desarticular o movimento estudantil, de forma que se possa atacar o caráter público da universidade”.

“A tarefa agora é fortalecer, dentro e fora da USP, um movimento unificado pela defesa da universidade pública, e isso sem dúvida passa pela defesa incansável dos nossos espaços e da autonomia estudantil”, conclui.