Permanência estudantil e revisão do financiamento das universidades também são bandeiras das categorias
Mayara Paixão
Para quem acompanhou os últimos dias pelas ruas da Cidade Universitária, o clima foi incomum. Os impactos da greve dos caminhoneiros pelo país, que se estendeu por quase duas semanas, levaram a Reitoria a cancelar as aulas entre os dias 28 e 30 de maio. Na sequência da folga forçada pela falta dos combustíveis, veio o feriado prolongado. À exceção dos funcionários técnico-administrativos — que não foram liberados — alunos e professores pouco foram ao campus do Butantã durante a semana.
Mesmo em meio à dispensa de algumas categorias da universidade, o reitor Vahan Agopyan convocou sessão extraordinária do Conselho Universitário (Co). O objetivo era votar uma proposta polêmica entre professores, funcionários e estudantes das três universidades estaduais de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp): o reajuste salarial de 1,5% para os servidores públicos das instituições.
O repúdio ao valor e a reivindicação de que o ajuste seja de 12,56% é a principal pauta do processo de greve que tem sido deflagrado por diferentes categorias das três estaduais. O percentual seria o necessário para repor o poder aquisitivo dos servidores ao mesmo patamar de 2015, desde quando o reajuste salarial deixou de acompanhar a inflação. Até o momento, na USP, professores e estudantes estão em greve desde o dia 29 e funcionários a partir de quinta-feira (7). Na Unicamp, os funcionários técnico-administrativos foram a primeira categoria das estaduais paulistas a parar — ainda que a única na universidade. Na Unesp, professores e servidores também cruzaram os braços.
Em meio ao ato na frente do prédio da Reitoria que contou com estudantes, funcionários e professores contra a proposta, o Co aprovou o reajuste de 1,5%. Durante a sessão, a Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) da USP propôs reajuste nulo, mas o destaque não foi aprovado pelos presentes.
A proposição feita pelo professor André Singer, cientista político e docente da FFLCH, para que um novo reajuste possa ser considerado ao final do semestre no caso de variação positiva do ICMS — o imposto destinado à USP pelo Estado de São Paulo — também foi aprovada.
Na Unicamp, o reajuste também foi aprovado nesta terça-feira (5) em reunião do Conselho Universitário — conhecido por lá como Consu, a despeito dos protestos de funcionários e docentes.
Na tarde de quinta-feira (7), o Fórum das Seis — grupo que reúne as associações de docentes, sindicatos de funcionários e diretórios centrais dos estudantes das três estaduais — terá uma reunião com o Conselho de reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp), para tentar uma negociação. O reitor Vahan Agopyan preside o órgão.
Arrocho
A proposta de Singer tem fundamento. A arrecadação do ICMS no estado tem sido consideravelmente maior no primeiro quadrimestre de 2018 quando comparada à arrecadação no mesmo período de 2017: um aumento de 8%. A USP recebe 9,57% da arrecadação do imposto pelo Estado e a previsão da verba encaminhada mensalmente para a Universidade também tem sido superada. No mês de fevereiro, por exemplo, a instituição recebeu 8,2% a mais do que o previsto.
A despeito do cenário positivo, o último reajuste salarial aplicado aos funcionários da USP e Unicamp aconteceu em 2015. No caso da Unesp, foi em 2012. Por conta disso, a reivindicação de reajuste da instituição é um pouco maior: 16%.
O desencontro do reajuste com a inflação nos últimos anos causou perda aquisitiva aos servidores das estaduais — o chamado “arrocho”. No caso da USP, por exemplo, o salário de um servidor técnico-administrativo de nível básico gira em torno de R$ 2.150. Corrigido pela inflação acumulada desde 2015, o valor subiria para R$ 2.440 — causando uma perda anual de quase R$ 6 mil para cada funcionário ao longo desse tempo. Para professores com doutorado, a perda anual chega a R$ 30 mil.
Financiamento
Essa não é a única reivindicação da greve. Segundo o professor Paulo Cesar Centoducatte, do Instituto de Computação da Unicamp e presidente da associação de docentes, a Adunicamp, a demanda salarial é um item de muitos. “Além disso, temos as reivindicações em relação ao financiamento adequado das universidades.”
O professor faz referência ao conjunto de pautas colocadas pelo Fórum das Seis ao Cruesp.“Hoje a gente recebe 9,57% do ICMS quota-parte do Estado. Só que, antes de aplicar esse percentual, o Estado retira da quota-parte diversos valores”, argumenta. De acordo com levantamento feito anualmente pelo Fórum, não têm entrado no cálculo que recorta os 9,57% diversos itens do imposto, como programas habitacionais, juros e a Nota Fiscal Paulista. No caso da última, as estaduais deixaram de receber um valor de mais de R$ 8 bilhões ao longo de 10 anos (2008 a 2017), por não ter sido incluída no cálculo.
“O que a gente tem hoje é uma falta de financiamento para as universidades, e são retirados recursos que deveriam estar vindo e não estão”, critica o docente.
Outra reivindicação levantada diz respeito ao pagamento das aposentadorias dos servidores públicos das estaduais — os chamados “inativos”. Somente em 2016, segundo o estudo do Fórum, 18% do repasse total recebido pelas três universidades foi destinado ao pagamento de inativos, o que totaliza, na ponta do lápis, R$ 1,57 bilhão.
A crítica feita por docentes e funcionários baseia-se na Lei Estadual 1.010, de 2007, segundo a qual o Estado é o responsável pela cobertura da insuficiência financeira das estaduais — nome dado para a diferença existente entre o valor das aposentadorias a serem pagas e o da contribuição previdenciária dos servidores da Universidade, que sempre fica negativa. A despeito da lei, as universidades têm arcado com o montante.
“Se o governo assumisse sua responsabilidade sobre a insuficiência financeira, hoje os valores para as universidades estariam quase 40% maiores. Teria verba para financiar pesquisa, permanência estudantil, o HU e assim por diante”, argumenta Centoducatte. Questionada pelo JC, a Reitoria não se manifestou sobre as declarações até o fechamento desta edição.
“Toda essa situação de recurso faz com que as universidades tenham adotado congelamento das contratações”, acrescenta. Na USP, além dos dois Planos de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) implementados nos últimos quatro anos, a Universidade teve uma redução no quadro de professores considerável.
De setembro de 2014 a fevereiro de 2018, por exemplo, perdeu 9% de seus professores efetivos. No mesmo período, cresceu em 323% o número de professores temporários — de 65 para 210.
Estudantes
Foram dois votos que decidiram, em assembleia estudantil realizada no último dia 24, que os estudantes da USP parariam as atividades a partir do dia 29. Por 217 votos a 215, a proposta de início imediato da greve venceu a ideia de paralisação por dois dias e debate sobre o início da greve para dali uma semana. Algumas unidades e cursos da Universidade, em assembleias realizadas posteriormente, decidiram aderir à decisão tirada na assembleia geral — como a Arquitetura (FAU) e a Geografia, Filosofia e Letras, (os três últimos da FFLCH) —; outras não, como a Física, Gerontologia (EACH), Relações Internacionais, Psicologia além da História e Ciências Sociais na FFLCH.
Além do apoio à bandeira de reajuste salarial de 12,56% para docentes e funcionários, os estudantes acrescem outras pautas à greve. A aplicação imediata dos 48 milhões de reais destinados pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em janeiro para o Hospital Universitário (HU) é uma delas (leia mais aqui); assim como a reabertura da Creche Oeste, fechada desde o início de 2017.
A palavra da vez, porém, é “permanência”. Entre as reivindicações listadas pelo conjunto dos estudantes, estão o reajuste no valor das bolsas de pesquisa e apoio socioeconômico, inseridas no Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE), e a implementação de internet para os moradores do Conjunto Residencial (Crusp).
O estudante de jornalismo e membro da atual gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Marcos Hermanson aponta que as pautas são uma continuidade da recente conquista das cotas étnico-raciais, aprovadas pela Universidade em julho de 2017 e já implementadas no vestibular de 2018.
“Para que essa vitória não se esvazie é preciso lutar por condições dignas de assistência estudantil, garantindo que os novos alunos cotistas tenham a possibilidade de seguir nos cursos e se formar”, explica.