Comer soja todo dia, que agonia

Ana Gabriela Zangari Dompiere

Em geral, não há outra opção de proteína vegetal nos restaurantes universitários da USP que não seja o tal PVT

Por Daniel Terra e Thaislane Xavier

Nove anos do mesmo

Eu era vegano há alguns anos, quando entrei na USP. Era recente a implementação de uma opção vegetariana no restaurante, demanda dos estudantes nas lutas estudantis de dez anos atrás, com abaixo-assinado, etc. Compreensível, portanto, que não fosse lá essas coisas. Mas eu fiz bacharelado e licenciatura em duas habilitações, mestrado e agora estou no doutorado e a qualidade é a mesma, passada uma década inerte. Não é falta de tentativa de diálogo das pessoas com restrições alimentares com os órgãos responsáveis, pois participei de muitas, tanto de caráter coletivo e organizado como individualmente, e as respostas não condizem com o que se espera de uma universidade desse porte. Os veganos em geral se acostumaram com a alegação de motivos de saúde (intolerância) para não se desgastarem com a falta de respeito, mas nem isso adianta. É conhecido o alto índice de desperdício de alimento no bandejão, o JC já fez matéria sobre isso. Tão conhecido como o gosto de vômito da proteína de soja servida em todas as refeições, não havendo nenhuma diversidade na oferta de proteína vegetal. Haveria inúmeras opções acessíveis, como lentilha, grão de bico, ervilha – feijões em geral são ótimas fontes de proteína. Além disso, eles fazem questão de inserir insumos de origem animal como leite, margarina, ovos, tanto na ‘opção vegetariana’ como no acompanhamento (verduras e legumes). Parece birra, considerada a forma como lidam com os questionamentos. As pessoas pegam a proteína pelo legume que vem junto e jogam a soja no lixo. É intragável. E, pra além do preparo, veganos muitas vezes só podem comer arroz, feijão e salada.

Daniel Silva, doutorando do departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH-USP

Em 13 de junho de 2015 o Jornal do Campus pautou a opção vegetariana oferecida pelos restaurantes universitários da Universidade de São Paulo (USP). Especialistas entrevistados alertavam para os problemas do consumo excessivo da soja ou PVT (proteína vegetal texturizada). A matéria levanta questões como a procedência da soja utilizada nos RUs, os malefícios para saúde e questionava a repetição do prato durante a semana. Opções para o PVT são mencionadas.

Quatro anos se passaram, mas o principal prato vegetariano oferecido continua sendo PVT. Na semana de 11 a 17 de agosto, das 11 refeições vegetarianas oferecidas no bandejão central, todas eram PVT. Nos principais restaurantes da USP de São Paulo a situação não é muito diferente. 

Entre Central, Prefeitura, Química, Física, Direito e Saúde Pública, o bandejão da Each ofereceu maior variedade: 4 de 10 opções vegetarianas escapavam do PVT. O preparado de soja não é preferência nem entre quem trabalha nos restaurantes.

Apesar de não ser o mais saboroso dos pratos, a proteína texturizada é a que possui preparo mais rápido, menor custo e fácil armazenamento em relação a outras proteínas vegetais que poderiam ser utilizadas. Como disse o Doutor George Guimarães, nutricionista especializado em dietas vegetarianas, o PVT possui “um longo tempo de vida na prateleira”.

De três nutricionistas consultados pela reportagem, dois afirmaram que, pensando em uma dieta equilibrada e plural, não é recomendado apenas o consumo de PVT. “Apesar de ser uma fonte concentrada de proteínas, o PVT é um alimento altamente processado, estando muito distante do seu estado natural, o que o torna um alimento acidificante e pobre em micronutrientes, perdidos no processamento”, afirma Guimarães. 

Alimentos processados estão entre os que geram o efeito acidificante no organismo humano. Uma vez ingerido, libera substâncias ácidas no sangue, que tem por característica manter sua escala de pH ligeiramente alcalina. Para manter esse equilíbrio, são liberados minerais alcalinos, como o cálcio. O consumo excessivo de substâncias ácidas é responsável por osteoporose, artrite, problemas de pele e úlceras.

“Do ponto de vista nutricional, o consumo de PVT deve ser limitado a, no máximo, três refeições por semana, optando por outras fontes de proteína vegetal.” O PVT é feito a partir de soja transgênica, informação confirmada pela antiga e pela atual fornecedoras dos dois bandejões, Central e Física, as empresas Camil e Tecnutri, respectivamente.

Ainda pouco se sabe dos riscos para o ser humano e para o meio ambiente do consumo de alimentos geneticamente modificados. A professora Patrícia Jaime, do departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública, afirmou na Rádio USP que “há evidências que fundamentam os discursos de ambas as partes”, concluindo que esse debate está longe do fim. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ingestão de transgênicos figura entre as causas do aumento de alergias e resistência a antibióticos.

 

Quem puxou o debate

A discussão sobre a qualidade alimentar dos vegetarianos e veganos da USP teve seu auge em meados de 2012. Nessa época, um grupo no facebook intitulado VEGANUSP, de alunos, discutia essas questões. Era um espaço livre para expressar posições pessoais e relatos. 

A ata da 2ª reunião do grupo, publicada em 20 de junho de 2012, descreve a organização e a divisão de tarefas entre os membros: quando deveria ser a próxima reunião; quem eram os responsáveis pela comida dos bandejões; a tentativa de uma reunião direta com a Divisão de Alimentação; a elaboração de um questionário sobre o veganismo e a satisfação com a comida; a coleta de cardápios dos bandejões durante quatro semanas, a fim de um parecer sobre adequação nutricional com algum médico ou nutricionista. 

Um dos integrantes do VEGANUSP, Clayton Silva, afirmou ter recebido apenas informações verbais por parte das nutricionistas dos RUs. “Os e-mails  enviados, solicitando detalhes por escrito sobre a regulamentação, à Divisão de Alimentação não foram respondidos. Minhas suspeitas eram de que ninguém havia ‘dado-se ao trabalho’ de regulamentar tais opções”

A reportagem entrou em contato com os responsáveis pela organização dos bandejões, mas até o fechamento da edição, não obteve resposta.

No mesmo lixo, soja e copos

Por Beatriz Cristina

O USP Recicla é um programa que existe na USP há mais de 20 anos e é administrado pela Superintendência de Gestão Ambiental (SGA). De acordo com Tércio Ambrizzi, superintendente do SGA, a Cidade Universitária vai na contramão da educação ambiental: “Diferentemente de outros campi como Piracicaba, Pirassununga, São Carlos, não há ninguém que responde por isso aqui. Precisamos montar um grupo que responda pelos resíduos e outras questões importantes, como a água e a energia.”
Do ponto de vista financeiro, o problema ambiental dos copos gera um gasto de, aproximadamente, 40 mil reais anuais para a Universidade. Segundo Ambrizzi, a USP poderia utilizar esse valor em outras ações de sustentabilidade, como a confecção de canecas reutilizáveis, comuns durante a semana de recepção dos calouros, a adoção de um dia sem o uso dos descartáveis e novos cursos do PAP (Programa Aprendendo Participando), para educar e capacitar funcionários, alunos e docentes: “Há sempre uma resistência porque dá a sensação que é um trabalho a mais. Mas, se você imaginar que esse trabalho a mais está beneficiando a cadeia como um todo, principalmente as futuras gerações, é uma consciência que precisamos criar nas pessoas.”