Barreiras na formação do aluno: a linha tênue entre o investimento e a manutenção

Apesar do reajuste, as bolsas de auxílio da USP não refletem a realidade da capital e dos ingressantes oriundos de escolas públicas.

 

 

por Anderson Lima e Caio César Pereira

Foto: Gabriel Guerra/JC

 

Reajuste de bolsa auxilia alunos em momento pandêmico 

Mais do que entrar, encontrar formas de permanecer na universidade após o vestibular se mostra como um grande desafio para parte dos estudantes da USP. Visando atender esses alunos, a Superintendência de Assistência Social (SAS) da Universidade de São Paulo vem fornecendo, através de programas de assistência estudantil, bolsas de auxílio para custear as despesas diárias dos alunos com maiores adversidades socioeconômicas.

Os custos envolvendo moradia, alimentação, transporte, dentre outros, em uma das principais capitais do país como São Paulo, são extremamente elevados, e, justamente por isso, o reajuste de 25% das bolsas foi mais do que bem vindo. “Essa é uma ação importante da universidade, que beneficiará sobremaneira a todos os estudantes em situação de maior vulnerabilidade econômica e social, especialmente neste momento de maior necessidade causada em decorrência da pandemia”, comenta Vahan Agopyan, reitor da USP, em entrevista ao Jornal da USP.

Entretanto, apesar do aumento, é importante ressaltar que o valor de R$400 referente ao auxílio-moradia, por exemplo, não sofria reajuste desde junho de 2013. Os novos valores foram modificados para os três programas de assistência social da USP. São eles o Programa Unificado de Bolsas de Estudos para Apoio e Formação de Estudantes de Graduação (PUB), o Programa de Estímulo ao Ensino de Graduação (PEEG), e o mais conhecido PAPFE, Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil.

O valor subiu de R$400 para R$500 do auxílio-moradia, e de R$200 para R$250 do auxílio-transporte, ambos referentes ao programa do PAPFE. Ainda assim, os valores não acompanharam a inflação, e, ao se tratar de um dos custos de vida mais elevados do país, são mais do que insuficientes para que um aluno possa se sustentar.

É o que nos conta Julio Cesar de Almeida, estudante da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP em entrevista ao JC: “O programa de permanência da USP ainda é muito defasado. Enquanto o valor teve um reajuste de 25% em quase 10 anos de congelamento, a gente vê os preços dos aluguéis subirem de forma absurda”.

Valores do aluguel de um quarto em região próxima à Cidade Universitária. Foto: Reprodução

 

Na região do Jabaquara, uma das mais em conta da cidade (e a mais de 1 hora da Universidade), o aluguel de uma pensão ou quarto pode ficar na faixa dos R$500 à R$650 reais. Isso, sem contar com outras despesas adicionais, como água, internet – indispensável nos dias de hoje devido ao contexto pandêmico – e luz, a qual sofreu recentemente um considerável aumento por conta da crise hídrica no estado.

Com preços tão elevados, os alunos precisaram recorrer a outros meios para se manter na universidade, como é o caso de Larissa Barbosa Nunes.“O valor da bolsa ofertada pela USP para moradia é completamente insuficiente para cobrir todas as despesas de uma casa. Para me manter estudando na USP e morando a duas horas dela, eu trabalho como estagiária de comunicação em outra faculdade e é isso mais o salário da minha mãe como professora que complementa a nossa renda familiar”, revela a estudante do 3° ano de Relações Públicas na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

A incerteza sobre as contas mensais como o aluguel e o mercado, aliada às dificuldades com provas, trabalhos, mercado de trabalho, dentre outras inerentes à faculdade, resultam em outro problema: a ansiedade, que causa um grande impacto na saúde mental dos estudantes. “Desmotiva continuar com o curso, parece que a universidade está fazendo questão de dizer que esse não é o nosso lugar. Quando se é cotista, essa situação é pior ainda. Sei de amiga minha que trancou o curso porque não conseguiu a bolsa ou então não estava sendo suficiente para se manter e teve que arranjar um emprego em tempo integral”, comenta Julio.

Atraso e mudança de data afetam lado econômico e mental de alunos

Além da questão do aumento insuficiente relatado pelos estudantes, os beneficiários do auxílio-moradia tiveram uma surpresa desagradável quando abriram sua caixa de e-mail no dia 19 de maio: o pagamento referente ao mês de maio seria pago apenas na primeira semana de junho.

Foto: Reprodução

 

Tradicionalmente, os estudantes da USP recebem seus auxílios no dia 20 de cada mês. O anúncio de tal atraso um dia antes do pagamento, sem um motivo especificado, afetou a vida dos estudantes e de seus familiares, ao comprometer suas rendas, atrasar o pagamento de contas, aluguéis e até mesmo dificultar a compra de alimentos.

“O auxílio serve para ajudar os estudantes a se manterem tanto na faculdade como em sua residência, para um bom aproveitamento de estudo. As pessoas contam com esse dinheiro para o pagamento de contas e materiais didáticos. Uma vez que o auxílio atrasa, atrasa a rotina e a vida do estudante, algo que além de frustrante, estressa o nosso dia a dia, perdendo a capacidade de se concentrar nas aulas ou usufruir de qualquer aprendizado”, esclarece Larissa. A estudante comenta que até aquele momento, esse caso nunca havia ocorrido, apesar de já ter ouvido relatos de estudantes mais antigos sobre atrasos de um a dois meses.

Alguns alunos, inclusive, descobriram o ocorrido através de amigos e das redes sociais, pois nem todos os beneficiários receberam o aviso por e-mail. “Isso é de tamanha falta de responsabilidade por parte da faculdade, que afeta não só a parte econômica de um estudante, mas também muito de nossa saúde mental, que já está afetada pela pandemia”, desabafa Larissa.

Além do atraso no pagamento de maio, os alunos também receberam um e-mail recentemente sobre uma mudança permanente na data de pagamento das bolsas: a partir de julho, os valores serão creditados todo dia primeiro de cada mês.

Foto: Reprodução

 

Apesar de o e-mail citar que o mês de junho será creditado no dia 01º de julho, os estudantes e familiares ficaram com a sensação de que, na verdade, ficaram sem o auxílio mensal durante um mês inteiro. Isso porque, depois do pagamento feito no dia 20 de abril, os beneficiários só receberam o valor no dia 1º de junho e, com a mudança no dia de pagamento, os dias de atraso não serão restituídos de outra forma.

“Além de diversos alunos programarem as contas do mês inteiro baseando-se na data da bolsa, gera um impacto muito grande na nossa saúde mental, a ansiedade de ter o nome sujo por não conseguir pagar as contas e ter risco de não conseguir pagar o mercado ou o aluguel. Tudo isso deixa a gente muito transtornado”, conclui Julio.

Valores precisam acompanhar o aumento de alunos ingressantes advindos de escolas públicas  

Atualmente, a USP conta com 15 mil estudantes que recebem auxílios e bolsas e, de acordo com o Jornal da USP, em 2021, foram destinados mais de R$250 milhões em recursos para o programa de bolsas. Esse valor corresponde a um acréscimo de 6,7% com relação ao que foi ofertado em 2020.

Um aumento necessário, se analisado o crescimento das iniciativas de inclusão que a USP vem almejando junto com as outras universidades estaduais paulistas. Inclusive, em janeiro de 2018, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) enviou relatório ao governo do Estado apontando que o custo com esse tipo de auxílio aumentou 42% entre 2012 e 2017. Para investir no desenvolvimento dessas iniciativas, a maior fonte de recursos é 9,57% da arrecadação paulista do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Neste ano, a USP teve o maior percentual já registrado de alunos matriculados oriundos de escolas públicas, 51,7%. “Essa inclusão tem sido extremamente significativa para a universidade se enriquecer mais e interagir ainda mais com a sociedade. Essa é uma tarefa muito importante: dar oportunidade a esses jovens, que são muito talentosos. A USP também busca integrar esses estudantes por meio do esporte, da cultura, do apoio de carreiras e do apoio psicológico”, comentou o reitor em matéria do Jornal da USP, ao comemorar o número expressivo citado acima.

Para Larissa, estudante também oriunda de escola pública, esse percentual pode passar uma ilusão da realidade: “A grande maioria dessa porcentagem é de pessoas que têm uma renda alta o suficiente para pagar cursinhos caros de primeira linha e/ou são de ETECs e IFs, que possuem uma estrutura e suporte muito acima de escolas públicas estaduais e municipais. Não adianta falar sobre entrada de alunos de escola pública se estes não têm condições de se manter na faculdade e acabam trabalhando ou desistindo do curso por falta de apoio psicológico e financeiro.”

“Os estudantes cotistas já vêm de uma realidade de ensino precarizado. Muitos entram com diversas defasagens de matemática, interpretação, inglês, etc. Aqui na FEA, normalmente é exigida muita bagagem de matemática e inglês dos alunos logo de início”, complementa Julio.

Em matéria feita ao Estadão, Márcia Lima, professora e pesquisadora de políticas afirmativas do Departamento de Sociologia da USP, comenta sobre as medidas de inclusão adotadas pela universidade. “Hoje, a manutenção dos alunos mais pobres na USP já é um problema. A universidade terá de pensar isso e assumir esse compromisso, pois a inclusão não termina com o ingresso. Em outras palavras, a universidade vai ter que gerir a diversidade que criou”, detalha a pesquisadora.

Até o momento da publicação desta matéria, a reitoria não respondeu às perguntas enviadas sobre o tema. Qualquer eventual resposta que aconteça posteriormente será publicada nas futuras edições do Jornal do Campus. No entanto, para Julio, a questão é apenas uma: “Permanência não é privilégio, é direito. Eu quero ter direito de estudar na universidade que eu me matei de estudar para entrar.”