Trajetória de um veterano do bandejão

Há mais de 20 anos nos bastidores dos restaurantes universitários, João Adailson relata dia a dia de mais de 4 mil refeições 

Por Clarisse Macedo e Mariana Krunfli

Foto: Marília Monitchele

Seu João Adailson começou a trabalhar como cozinheiro no Restaurante Central em 2002, aos 33 anos. Responsável pelo preparo das refeições servidas no jantar, o funcionário explica a dinâmica da cozinha: “São cinco cozinheiros. Um cuida da batata, um do arroz e do feijão, outro da carne e outro da guarnição. Se tiver muitos cozinheiros no arroz e no feijão, eu fico encarregado da guarnição”.

O Restaurante Universitário (RU) foi inaugurado em 25 de janeiro de 1968. Ele foi projetado para fornecer refeições acessíveis e de qualidade aos estudantes da USP e tornou-se uma parte importante da vida universitária.

Apesar de considerar a rotina tranquila, seu João conta que chega a preparar refeições para cerca de 4 mil pessoas, de segunda a sexta-feira, e para algo em torno de 1,5 mil pessoas, aos sábados. 

Nascido em Minas Gerais, o cozinheiro cresceu com os pais trabalhando na roça e, aos três anos, após a morte do pai, mudou-se para o Campo Limpo, em São Paulo, ao lado dos três irmãos e da mãe. “A vida em Minas era difícil”, relembra.

Uma vez na metrópole, passou a infância ajudando em tarefas domésticas e pegou gosto pela cozinha. “Minha mãe trabalhava e eu tinha que cuidar da casa”, recorda.

Ainda pequeno, João aprendeu a cozinhar pratos e alimentos típicos da culinária brasileira, mas só depois descobriu sua verdadeira paixão: as massas. “Minha parte preferida é cozinhar macarrão, nhoque e lasanha”, destaca. O gosto pelo preparo do prato é tanto que é ele quem cuida dos pratos nos encontros com a família. Nas festas de final de ano, o cozinheiro também prepara o clássico arroz à grega.

A carreira de João na culinária começou logo no primeiro emprego, como auxiliar em um mercado. Dentro do estabelecimento, evoluiu para a posição de cozinheiro e, desde então, não largou mais a profissão. Depois disso, ele também trabalhou em um hotel no centro da capital paulista, pouco antes de iniciar carreira nos bandejões da USP.

Ainda quando trabalhava no hotel, seu João conta que perdeu sua irmã.. Mas o nascimento de seus sobrinhos, já em São Paulo, fez com que a família aumentasse novamente.

O cozinheiro ingressou nos bandejões da USP por meio de um concurso público. Depois de passar pelos restaurantes da Enfermagem e da Física, seu João encontrou seu lugar no Restaurante Central. 

Atualmente, seu João mora em Taboão da Serra. Ele trabalha de segunda à sexta-feira, além de um sábado por mês. Com o expediente das 11h30 às 20h30, ele sai de casa às 9h30 para pegar dois ônibus, um até o Terminal Campo Limpo e outro para o bandejão. O trajeto de volta é igual, e o cozinheiro chega em casa por volta das 21h30. 

Quando está de folga, seu João aproveita para se organizar e fazer aquilo que não consegue durante a semana, como lavar a roupa e limpar a casa. Ele afirma que não recusa a oportunidade de jogar futebol nos finais de semana, apesar de não ter um time do coração. “No momento, só torço para Jesus”, brinca.  

Pessoa de fé, ele conta que frequenta algumas igrejas desde que se converteu, aos 20 anos. Cristão, seu João se identifica como evangélico, adepto à denominação Testemunhas de Jeová.

Ao longo dos mais de 20 anos no bandejão, o cozinheiro cultivou amizades com os colegas de trabalho. Ao destacar a boa convivência com os funcionários, ele ainda revelou que, dos que conhece, ele é o único mineiro.

“Tenho coletividade com todos os cozinheiros. Se falta algum em outros restaurantes, a gente precisa ir para a Física, para a Química”, afirma. Ele revela que a última vez que precisou trocar de bandejão por falta de funcionários foi há cinco anos, em 2018. 

Feliz com o trabalho, seu João conta que não pretende ir para outra área ou emprego e que sonha em se aposentar após os anos de cozinheiro na USP. “Meu sonho é, futuramente, me aposentar. Vou para o interior. Também queria ter alguma coisa perto da praia”.