Debate: impedir acesso ao local de trabalho é direito de greve ou obstrução da lei?

No dia 28 de maio, foi aprovada uma liminar que autorizava a entrada da PM no campus Butantã para liberar a entrada de sete edifícios da USP fechadas por piquetes. A medida se apóia no artigo 6º da Lei 7.783, de 1989, que prevê que “manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho…”. Mas sindicalistas alegam que, sem os piquetes, os trabalhadores estão sujeitos a pressões dos patrões. Afinal, os piquetes são legítimos? Para discutir a questão, o JC convidou o presidente da Adusp e o diretor da revista Consultor Jurídico.

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Sociedade não autoriza estelionato sindical, diz STF – por Márcio Chaer
Uso de piquete é legítimo contra pressão patronal – por Otaviano Marcondes Helene


Sociedade não autoriza estelionato sindical, diz STF

por Márcio Chaer

No estado democrático de direito não existem direitos absolutos nem poderes soberanos. Mas esse princípio não vigora na Cidade Universitária. Instalou-se na USP um regime em que o direito de greve se sobrepõe ao interesse público e onde existe um soviete supremo — o Sintusp, secundado por seu órgão auxiliar, a Adusp.

Não faltam exemplos. Em uma dessas greves que já integram o calendário escolar, ao perceber que sua ausência não fez falta — e as aulas continuaram normalmente —, os funcionários trancaram os portões da Escola de Comunicação e Artes, com correntes e cadeados. A coação autoritária durou quase 30 dias. Quando o Sintusp resolveu devolver a escola, constatou-se que os computadores da escola haviam sido depenados. Além do prejuízo material, perderam-se dados acumulados em anos de trabalho. A direção da escola abriu sindicância para apurar os fatos, mas a pressão do Sintusp deu ao inquérito um desfecho vergonhoso. E ficou tudo por isso mesmo.

Quem chamou a polícia não foi, portanto, a reitoria. Quem a convocou foram os ladrões que vandalizam a Universidade. Foram as pessoas para quem a escola existe em função delas. Os falsos idealistas para quem interesse público significa tão somente atender suas demandas. A noção de que a USP vive de recursos públicos e de que a sociedade tem direito de cobrar benefícios é uma abstração. Dentro dessa ótica egoísta, a Universidade gastar 85% de seu orçamento com salários é pouco.

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Injunção 708 indicou que funcionário em greve não recebe salário. Ou seja, o contrato de trabalho é suspenso — a menos que a paralisação se dê exatamente por falta de salários. Os motivos para esse entendimento são óbvios. Greve remunerada não termina, porque tem gosto de férias adicionais. E, sem salário, dá cumprimento à regra de que a greve é o último argumento — e não o primeiro como se tem visto na USP.

Os “donos” da USP não são seus alunos, professores ou funcionários. A USP pertence à população que a patrocina com a esperança de que os cientistas, técnicos e profissionais nela formados ofereçam à sociedade desenvolvimento e soluções para os dramas que assolam o país. O povo paulista financia um centro de difusão do conhecimento e da ciência e não um parque temático da década de 60.

Márcio Chaer é jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e editor do site Consultor Jurídico.
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Uso de piquete é  legítimo contra pressão patronal

por Otaviano Marcondes Helene

Em geral, quando partes em conflito desejam manter a legitimidade de seus movimentos, tomam cuidado para que suas ações não sejam desproporcionais às da outra parte. Algum distanciamento dessa regra é possível quando uma das partes tem um forte apoio da opinião pública; quando esta condição não ocorre, uma ação desproporcional compromete a legitimidade de quem a desfecha, e o movimento pode perder o necessário apoio.

Há muitos exemplos de partes que perdem o apoio por assumir atitudes mais intensas do que o aceitável. Recentemente, o governo peruano reprimiu manifestantes indígenas contrários à exploração da Amazônia peruana, causando dezenas de mortes, e recebeu críticas até mesmo de setores que apóiam a ocupação daquelas áreas. Outro exemplo: a recente decisão da Reitora, de solicitar a presença da PM no campus para reprimir estudantes e funcionários, custou-lhe a legitimidade. É um exemplo claro de ação exacerbada, pois a manifestação atacada era pacífica e até docentes que não participavam dela foram agredidos.

Por outro lado, quando há amplo apoio a um movimento, ações violentas podem ser vistas com simpatia. Exemplo: as enormes manifestações contra o imposto urbano fixo criado pelo governo Thatcher, no Reino Unido.

Entretanto, como regra, as ações de parte a parte, quando não se deseja perder a legitimidade, devem manter-se dentro de certas proporções. Assim, piquetes podem ocorrer quando os trabalhadores são susceptíveis a pressões que surgem quando estão dentro do ambiente de trabalho.

Quando não existem pressões intoleráveis, piquetes são desnecessários. Por exemplo, pressões  sobre os docentes da USP que aderem a uma greve são relativamente tênues, não se necessitando piquetes.

O direito ao emprego de meios de persuasão é reconhecido como legal. Mesmo durante o período ditatorial piquetes não eram proibidos, embora houvesse graves penas para quem desrespeitasse a “lei de greve”. As leis e decretos-leis do período ditatorial foram revogados pela lei 7.783 de 1989, que passou a reconhecer como legal “o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve” ao mesmo tempo que impede o empregador de “adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho”.

Otaviano Marcondes Helene é atual presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e professor associado do Instituto de Física (IF).
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