Para docente da FAU, aumento do IPTU dos mais ricos deve melhorar serviços públicos

Impasse entre os três poderes pode gerar problemas orçamentários para a cidade, já que tal situação deve atrasar a votação do aumento do imposto até ano que vem, o que dificultará o fechamento das contas municipais, segundo vereador Young

O Tribunal de Justiça (TJ-SP) e o Ministério Público (MP) não entraram em acordo em relação à sanção feita pelo prefeito Fernando Haddad (PT) da lei 15.889/2013. A medida altera a Planta Geral de Valores (PGV) do município de São Paulo, que implica em mudanças nos valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
O MP considerou irregular a aprovação dos vereadores do projeto de lei, alegando “manobra” da base governista, já que a sessão ocorreu um dia antes do previsto. O TJ-SP, no entanto, suspendeu a liminar da 7ª Vara da Fazenda Pública que impedia o aumento do IPTU, entendendo-a como uma lesão a ordem pública. O vereador Ricardo Young, que votou contra o aumento, considera esse impasse “um desastre”, pois colocou o governo num problema jurídico com o MP e o TJ e pode atrasar a votação do aumento do IPTU até o ano que vem, gerando um “rombo” no orçamento do município. O MP ainda pode decidir se vai recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça contra a decisão do TJ-SP.
A atualização da PGV, um dos fatores do cálculo do imposto, foi aprovada pela Câmara dos Vereadores, com uma margem apertada, obtendo 29 votos a favor – para aprovação, eram necessários no mínimo 28 – 26 votos contra e nenhuma abstenção. A lei torna isentos da cobrança do IPTU os proprietários de imóveis com valor venal – ou seja, valor estimado pelo Poder Público – de até 160 mil reais, bem como aposentados com renda de até três salários mínimos. “Isso deixa cerca de 33% dos imóveis domiciliares, quase 1,1 milhão, livres do IPTU”, afirma o vereador, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Nabil Bonduki (PT), que votou a favor do reajuste do IPTU. A gestão Haddad também propôs reduzir em 0,1% a alíquota sobre todos os imóveis. Assim, mais 250 mil terão redução do imposto.

Além disso, a atualização da PGV também concederá desconto de 50% e 30%, respectivamente, para aposentados com renda de até quatro e cinco salários mínimos. Com isso, segundo a assessora de comunicação da Secretaria de Finanças da prefeitura de São Paulo, cerca de um milhão de contribuintes estarão isentos dessa cobrança no ano seguinte.
Essa atualização também divide a cidade em três zonas fiscais. Isso permite que o valor cobrado por metro quadrado construído numa região central seja superior ao valor em uma região periférica. Dessa maneira, segundo a Secretaria de Finanças, a prefeitura pode tributar de forma mais branda áreas da cidade que não são tão bem atendidas pelos serviços públicos. Para a Secretaria, essas medidas “buscam avaliar os imóveis de forma mais justa”.

 

Imposto justo

De acordo com Bonduki, o IPTU é o único imposto sobre o qual o município tem a capacidade de cobrar, vetar e de estabelecer sua própria política. “É um imposto sobre a propriedade. É o mais claramente vinculado sobre a gestão da Prefeitura”, afirma. Além disso, como previsto desde 2009 pela gestão Gilberto Kassab (PSD), o prefeito tem a obrigação de reajustar o imposto. “Haddad apenas cumpriu a previsão”, diz.
Para Bonduki, o fato de alíquota ser progressiva, ou seja, quanto maior o valor do imóvel, maior a quota sobre o valor venal, faz do IPTU “um imposto tipicamente justo”. “A gestão de Haddad aumentou a faixa de imóveis isentos. Antes, eram isentos os que custavam até 90 mil reais. Agora, o limite é de 160 mil. Esta parcela (que será isenta ou terá redução) está nos bairros mais pobres”, argumenta. “Ou seja, é uma forma de distribuição de renda”.

A também professora da FAU e membro do Laboratório de Habitação de Assentamentos Humanos (LABHAB) da USP, Ermínia Maricato concorda com a necessidade da cobrança do imposto. “De forma genérica, o IPTU é muito importante para a cidade”, afirma a professora. “São Paulo é uma cidade muito desigual. O IPTU, cobrado de maneira diferenciada – ou seja, quem tem uma propriedade mais cara paga mais imposto – é um mecanismo de se fazer justiça social e diminuir a desigualdade”, completa.

A urbanista defende que no Brasil há, por parte da elite, uma cultura contra o pagamento de impostos sobre o patrimônio. “Houve uma supervalorização do metro quadrado no município. Essa riqueza é gerada por toda a sociedade, porém vai “parar no bolso” só dos proprietários. A cobrança, de maneira justa, do IPTU é uma forma de o governo conseguir recuperar uma parte dessa riqueza e redistribuí-la para o restante dos cidadãos”.

Ermínia ressalta que o “boom” imobiliário paulistano está cada vez mais afastando os mais pobres do centro e segregando cada vez mais a população. “Essa especulação exacerbada está agravando o apartheid social, problemas ambientais e fazendo com que haja a expansão da periferia”, alega a professora. “O IPTU é um instrumento que ajudaria a corrigir essas mazelas sociais e a transformar a realidade da periferia. Hoje, a periferia é um exílio social. O aumento do imposto para os mais ricos tem o potencial de aumentar o acesso dos mais pobres a serviços públicos de qualidade.”

Críticas

Uma das críticas que se fez a essa forma de cálculo é que ela subjuga o papel do poder público ao mercado imobiliário, já que o valor do IPTU está intimamente ligado ao valor do imóvel. A assessora de comunicação da Secretaria de Finanças do município de São Paulo, no entanto, afirma que “a redução da alíquota e a distinção das três zonas fiscais são justamente medidas que visam ampliar o poder da prefeitura nesse sentido”. O vereador Ricardo Young acrescenta: “É difícil pensar numa forma que fosse diferente. O IPTU é um imposto sobre a propriedade terreno, portanto precisa refletir as mudanças no valor dessa propriedade”. No entanto, segundo o vereador, “se você tem um mecanismo de desconto dessa valorização imobiliária, o IPTU é justo”.
Young, apesar de considerar que os valores do IPTU devem ser revistos, votou contra o reajuste porque não concordou com “a forma como ele foi proposto”. Ele considera que o imposto “incorpora parte do que poderíamos chamar de uma ‘bolha imobiliária’ que está ocorrendo em São Paulo”, que, em alguns anos, “vai estourar, como estorou em outros países”. Dessa forma, a medida lhe pareceu equivocada por “tentar fazer uma atualização da PGV do município pelos valores de um mercado inflacionado, muito além do valor médio da inflação, pela especulação imobiliária”.

Para o vereador, houve também “uma completa desconsideração sobre o impacto dessas novas alíquotas sobre o comércio”, uma vez que, “ao atingir os comerciantes, os preços aumentariam, e esse aumento seria pago pelo consumidor”. Isso ocorre porque, segundo a lei, estabelecimentos comerciais, apesar da “trava”, poderão sofrer aumentos, ao longo de três anos, de 78,5% além do valor pago em 2013. A trava é um mecanismo que impede a valorização do imóvel de ser integralmente repassada ao cálculo do IPTU. Em 2014 ela será de 20% para imóveis residenciais e de 35% para comerciais. Nos dois anos subsequentes, para as propriedades comerciais, ela será de 15%.

Ricardo Young critica também a maneira como a regressividade (tributação mais alta de pessoas com renda maior) foi explorada pelo aumento do imposto, porque, de acordo com seu entendimento “simplesmente se definiram perímetros que desconsideram as variações internas nesses perímetros”. Com isso, “aqueles que estão em bolsões de alta renda em perímetros periféricos estão sendo beneficiados”.

O vereador considera também que a proposta de divisão das zonas fiscais “obedece muito mais ao mapa eleitoral que ao mapa de baixa renda”, porque algumas regiões que concentram imóveis de alto valor “não foram consideradas, como por exemplo uma grande valorização na zona leste, na região do Itaquerão e da Jacú-Pêssego, em função das grandes construções e novas vias por causa da Copa [de 2014]”. Sobre essa questão, a assessora de comunicação da Secretaria de Finanças afirmou que a reelaboração da PGV foi realizada ao longo de três anos e com mais de 180 mil amostras de valores, e que, portanto, mantêm sua credibilidade.

O vereador Bonduki acredita que é necessário trabalhar melhor o aumento do imposto. Para ele, o impacto de tal alteração será maior naquelas famílias cuja renda não acompanhou a valorização imobiliária. “Às vezes, o valor da propriedade aumenta sem que a capacidade de pagamento do proprietário aumente na mesma proporção”, diz Bonduki. “Isso gera uma dificuldade, havendo um descompasso entre esses dois valores. É por isso que tem sido definido, em alguns casos, a chamada ‘trava’”, completa.
Para Ermínia, uma questão de injustiça que o aumento do IPTU pode provocar é o aumento no valor do aluguel, fazendo com que quem passe a pagar o imposto seja o inquilino e não o proprietário do imóvel. “Não cabe ao inquilino o dever de pagar o IPTU. É o imposto do proprietário. Esse repasse deveria ser proibido legalmente por uma lei federal”, defende a urbanista. “O aluguel na cidade de São Paulo já está alto devido à especulação imobiliária. Se quem passa a pagar o imposto é o arrendatário, cria-se uma injustiça social”, conclui.

Periferia e centro

O aumento do imposto na região central foi alvo de muitas críticas pela grande imprensa, que argumentou que tal medida irá apenas afastar ainda mais a periferia do centro da cidade de São Paulo. Bonduki opina que o fato de ter havido maior alta no IPTU nos imóveis localizados no centro se deve à valorização das propriedades nessa região. “Se fosse aplicado integralmente o percentual da valorização ao valor venal nessa região, o aumento do imposto seria muito maior. Por isso foi necessária a criação da trava”, explica. o vereador.

O urbanista concorda que, em alguns casos, o aumento do imposto na região central pode gerar certa dificuldade no pagamento a algumas pessoas com renda mais baixa que moram no centro expandido. “Mas, acredito que não seja isso que impedirá alguém de morar no centro. É uma dificuldade, porém não é intransponível”.

Infográfico: Mariane Roccelo.