Muitos comerciantes burlam a lei e exploram o espaço público da universidade sem licitação. Em alguns casos, não pagam nem as taxas de água, luz ou aluguel
Espaço público, seu, meu, de ninguém? De todos. O Jornal do Campus verificou quem gerencia o uso comercial do espaço na USP. Em cada parte do campus encontramos situações diferentes. Barracas de comida sem licitação, feirinhas sazonais sem fiscalização, aluguéis irregulares nos espaços dos Diretórios Acadêmicos, atritos entre alunos e unidades; todos tentando usar o espaço para os seus interesses.
De acordo com a Prefeitura do Campus (PCO), cabe a ela legislar sobre as áreas comuns, como ruas e praças, e às unidades gerenciar seus espaços internos; a Reitoria pode expedir portarias que prevalecem sobre as demais instâncias; e as leis nas esferas municipal, estadual e federal regulam o uso do espaço público para comércio. Na prática, as normas nem sempre são obedecidas e falta fiscalização, dando oportunidade para a exploração irregular.
Muitos dos pontos comerciais dentro da USP não passaram por licitação, foram se estabelecendo com o tempo. De acordo com Eduardo Barbosa, assessor do prefeito, o último cadastro de comerciantes realizado pela PCO é de 15 anos atrás. Desde então não se renova ou amplia a lista de comerciantes informais, apesar do aumento das barraquinhas e feirinhas nesse tempo.
Feira do Crusp
Há mais de 10 anos Lu Nóbrega organiza feirinhas pelo campus, inclusive a mensal do Crusp. Para ela, esse é um bom exemplo de comércio informal na USP, porque o valor do aluguel da feira é repassada à Associação de Moradores do Crusp (Amorcrusp), que presta contas através de extrato fixado na porta da sede da associação e nas portarias dos blocos do Crusp. Segundo ela, “é uma feira de artesões e artistas plásticos, são pessoas gerando a sua própria renda, não estão trabalhando para terceiros”.
A USP é um local atraente para os comerciantes informais porque, além da fiscalização precária, tem um número grande de pessoas que necessitam destes serviços. Para muitos alunos os lanches rápidos das barraquinhas de comida são rotina, como é o caso do aglomerado de comerciantes em frente ao Sindicato dos Funcionários da USP (Sintusp), na ECA.
Comércio no Sintusp
De acordo com Solange Lopes Veloso, da diretoria do sindicato, não houve critério para a escolha das quatro comerciantes que ocupam o espaço.
Ela diz que nenhuma paga água, luz ou aluguel para o Sintusp como ocorre, por exemplo, com as barraquinhas em frente ao Núcleo de Consciência Negra, onde cada barraca paga R$50 por semana ao Núcleo. As comerciantes foram procuradas pelo JC, mas não quiseram se pronunciar sobre o assunto.
Vivência da ECA
O prédio onde está alocado o Sintusp divide seu espaço com a área comum de vivência da ECA, composto pelo Centro Acadêmico Lupe Cotrim (Calc), a Ecatlética, um restaurante e um serviço de xerox. O Calc afirma ter um contrato assinado pelo diretor da faculdade na época em que lhes foi oferecido o lugar, que lhe permite o uso do local. “Mas ele não tem validade legal, porque esse é um prédio fantasma. Ele não existe no papel”, lamenta uma fonte do Calc que não quis se identificar.
Além disso, esse contrato assegura o direito de uso do lugar, mas não especifica nada quanto a poder ou não cobrar aluguel pelo uso de terceiros.
O restaurante e o xerox pagam aluguel para o Espaço de Vivência, entidade formada por alunos, membros do Calc e da Atlética da ECA.
Do dinheiro recebido, 12,5% são destinados à manutenção, outros 12,5% vão para a Atlética e o restante fica para o Calc que, diferente do prometido, não tem feito a prestação de contas nas últimas edições de seu jornal.
Com essa falta de regulamentação para o uso do espaço da vivência, uma série de problemas ocorre, todos relacionados com o aluguel do espaço.
O Calc disse que os responsáveis pelo xerox não os pagam há quase um ano: “quando cobramos ou pedimos para que desocupem o local, eles alegam que aquele é um espaço público e que não deveríamos cobrar pelo seu uso. É complicado, porque de fato não temos um documento a nosso favor”.
Aluguel na Poli
Na Escola Politécnica, o destino do dinheiro do aluguel dos restaurantes espalhados pelos vários prédios da Poli tem sido alvo de conflitos entre os alunos e a faculdade. Até dezembro do ano passado, 30% do aluguel era repassado diretamente aos centros estudantis.
Entretanto, as licitações feitas a partir deste ano determinam que o dinheiro irá para a administração da faculdade, que se comprometeu a suprir as necessidades dos centros estudantis.
O diretor da Poli, Ivan Falleiros, afirma que, como se trata de um espaço público, os recursos têm de ser centralizados para um melhor controle.
O Centro da Engenharia Civil (CEC) afirma que suas necessidades não são atendidas. “Já fizemos várias reuniões e mandamos uma carta para ele [o diretor] com nossos pedidos detalhados, mas ela foi recusada”, afirma Beatriz Quiezi, tesoureira do centro.
O CEC possui uma das mais completas infra-estruturas da USP, contando com assinatura de jornais, computador, geladeira e microondas e academicamente, promove diversas palestras e atividades para os alunos.
“A manutenção disso tudo custa muito caro”, diz Beatriz, “sem ajuda da faculdade, vamos acabar fechando por falta de dinheiro”. Falleiros alegou que “se os alunos não estão recebendo, é porque não estão insistindo o suficiente”.
Cooperativa na FAU
Fundada em 2003, a Cooperativa Monte Sinai Lanches, que funciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) foi uma resposta dos trabalhadores à falência da antiga empresa.
Junto com o Grêmio da FAU, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP (ITCP-USP) e com o apoio do então diretor da FAU, Ricardo Toledo, os funcionários do restaurante que iria falir decidiram assumir coletivamente o negócio, repartindo as responsabilidades e os lucros.
O que aconteceu foi o mesmo observado em outros comércios da USP, uma hereditariedade do ponto, que passou de empresa para cooperativa, ainda sem licitação.
O diretor da FAU, Silvio Sawaia, informou que uma interpretação da Consultoria Jurídica da USP determina que a responsabilidade pelas licitações é da diretoria das faculdades. Cristina diz que infelizmente as cooperativas são pouco competitivas em uma licitação pelo menor preço se comparadas com empresas, e a USP precisaria legislar a favor dos comércios diferenciados.
O diretor da FAU concorda. Para ele, “as licitações são por menor preço, mas se a USP decidir que vai fazer licitações mais específicas deve estabelecer uma regra geral para isso e dar cobertura. Mas isso depende de um Conselho Superior Jurídico que dê essas diretrizes e respaldo”.
Além da necessidade de licitação, a Cooperativa Monte Sinai está no meio de uma disputa entre diretoria e estudantes sobre quem pode alugar o espaço, segundo o diretor da FAU, “os contratos feitos pelas entidades estudantis, cedendo a terceiros, não tem validade legal”.
Isso porque, segundo Sawaia, os alunos podem ter uma permissão de uso, que é dada pela unidade e tem prazo determinado. Além disso, o documento conteria o que pode e o que não pode, como por exemplo, cobrar aluguel.
Mas, na FAU, os alunos querem uma concessão de uso, que estabeleceria definitivamente o espaço como sendo deles. Segundo Sawaia, há uma terceira possibilidade, que seria o gerenciamento misto, onde a diretoria da faculdade faria as licitações. Já os alunos, administrariam o local. Como ainda não legislaram quem tem permissão ou concessão do espaço e quem não tem, a Cooperativa vai tocando as suas atividades indefinidamente.