Centro Acadêmico do Design causa divergências entre alunos

Diferentes posições e falta de comunicação dividem alunos de Design quanto a representação própria.

O debate sobre a criação de uma entidade estudantil exclusiva para o curso de Design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) aconteceu com maior força no semestre passado, seis anos após a concepção do curso. Passadas as férias, as discussões que a proposta traz estão mais tímidas – mas ainda mostram como a questão da representatividade não é consenso entre os alunos.

(foto: Eugênia Hanitzsch/arte: Ana Marques)
(foto: Eugênia Hanitzsch/arte: Ana Marques)
Infraestrutura

Quando os cerca de 200 alunos entram em aula, às 18h50, a tesouraria, a sala de vídeo e o laboratório de fotografia já fecharam. No intervalo, às 20h30, a cantina está a meia hora de encerrar e o xerox não funciona mais. Quando saem, às 22h30, sem chance de consultar a seção de alunos ou a biblioteca. “A estrutura da FAU continua como quase sempre foi, mesmo depois de 2006, quando o curso apareceu”, conta Eugênia Hanitzsch, do 3° ano. Em 2010, os alunos receberam uma sala equipada com seis computadores iMac da Apple – disponíveis por um ano antes de serem trancados por falta de funcionários, sem previsão de abertura.

O quadro de funcionários é deficiente e apenas o Departamento de Projetos abre no período noturno. A estrutura humana também está prejudicada quando se fala de professores. Luiza De Carli, do 4° ano, afirma que já houve sérios problemas com algumas disciplinas do Departamento de Tecnologia, com professores contratados temporariamente por mais de um ano. Algumas matérias de ateliê do Departamento de Projetos são ministradas com um professor para 40 alunos, o que torna o acompanhamento muito mais complicado. Soluções para preenchimento de vagas e melhoria de infraestrutura são dificuldades que poderiam ser mais bem encaminhadas caso houvesse uma representação estudantil aceita por todos os alunos do curso.

Happy-hours e representação

Atritos entre alunos de Design e o Grêmio da Faculdade (GFAU) ocorrem há anos. O principal se refere aos happy-hours de sexta-feira, tradicionais há décadas e realizados ora pelo GFAU, ora pela Atlética, ora por outros grupos – mas que começaram a atrapalhar as aulas da noite por causa do barulho. Por esse motivo, em 2006, um professor abandonou a graduação e este ano, a Turma 05 quase ficou sem aulas às sextas. O tema causou movimentação intensa entre alunos e professores.

“As festas organizadas pela Atlética de fato passaram a não incomodar mais nossas aulas de sexta, porque os membros aceitaram o que foi acordado: de compatibilizar as festas com as aulas ao ceder em alguns pontos e sem que um inviabilizasse o outro. Mas o GFAU insiste em fazer festas dentro do prédio e sem respeito ao horário da aula”, diz a aluna do 3º ano Gabriela Peres.

Em reuniões semanais entre diretoria e representantes de Design, do GFAU e da Atlética, um termo de compromisso contendo negociações havia sido escrito. Ele previa, entre outros, que a música começaria somente após o horário de fim da aula e que entradas do prédio seriam bloqueadas por tapumes em festas com milhares de pessoas. No entanto, depois de o termo ter passado por um grupo de emails do Grêmio, foi realizada Assembleia em que foi votado “não participar mais daquelas reuniões por estarem ganhando um caráter deliberativo que não deveriam ter, posição levada pelos representantes da entidade”, diz Marcos ‘Farah’, do 2º ano e membro do Grêmio.

Alunos do Design que são também membros do GFAU tampouco querem perder as aulas às sextas-feiras, porém defendem que é necessário que o aluno participe das reuniões do Grêmio para garantir sua representatividade. “Quer se fazer ouvir? Vai na reunião e fala”, diz Rodolfo Chapchap, do 1º ano, que não faz parte gestão atual. “Quem não vota assume a responsabilidade por estar à margem desse processo”, completa.

Eugênia afirma que o diálogo em reuniões ou assembleias do GFAU não é saudável, porque o tempo de fala de cada um não é respeitado, as pessoas gritam e xingam ao invés de ouvir e são feitas deliberações em Assembleias sem o quórum mínimo de 10% dos membros (que são todos os graduandos e pós graduandos da Faculdade), estabelecido pelo estatuto da entidade (veja no blog do GFAU). André Traverso, do 1º ano, diz que eles “decidem em vinte o que vai valer pra mil alunos e é irritante quando leem cartas falando que o GFAU representa ‘todos os alunos da FAU’”.

“O Grêmio tenta impor sua maneira de representar, em vez de tentar estimular a participação da maioria.”
Gabriela Peres, aluna do 3º ano de Design

Chapchap não acredita que o estatuto possa inviabilizar o debate ou a decisão. “Ainda mais porque temos um tipo de representação direta, em que é possível falar e mudar as coisas” completa Miguel Costa, do 2º ano. “Sobre o quórum, isso tem a haver com o esvaziamento político que acontece em toda a USP. As Assembleias gerais do DCE também acontecem  sem o quorum mínimo definido, porém fica inviável desconsiderar a reunião já que uma nova reunião não traria mais alunos, gerando algo que nunca poderia decidir nada”, continua.

“Em relação ao diálogo, as pessoas têm que ser capazes de entender que a discordância é educada e bonita. Quem cria uma atmosfera de falta de respeito é uma minoria. O problema é quando a pessoa sintetiza sua vitimização ali”, adiciona Chapchap. Miguel conclui: “Realmente, ninguém vai dar mãozinha para ninguém”.

A representação discente na FAU

Centro Acadêmico

Inflamados com a recusa da diretoria do GFAU em continuar participando dos encontros, alguns alunos do Design reagitaram as discussões em favor da criação de um Centro Acadêmico próprio.

A entidade serviria para “ajudar o Design a se estabelecer politicamente dentro e fora da Universidade e a batalhar por melhorias no curso, que são extremamente necessárias, pois ainda sofremos de uma precariedade muito grande de infraestrutura”, como explica Luiza De Carli. Além disso, continua ela, trataria de assuntos domésticos de uma forma mais democrática, com representação discente, eleita autonomamente, e com uma forma de deliberação mais adequada aos horários apertados dos alunos.

A institucionalização do CA, defende Luiza, possibilitaria maior comunicação entre alunos, corpo docente e funcionários e estabeleceria horário e periodicidade para reuniões, independentemente do Grêmio. “Mesmo se nos elegêssemos com uma chapa para o GFAU, como já nos falaram, ficaríamos por apenas um ano, tempo insuficiente para levar a cabo nossas aspirações”, adiciona Gabriela Peres.

Farah discorda: “Não existe alguma coisa que só compete aos alunos de Design. Usar o prédio e assistir a aulas durante o dia e a noite são direitos de ambos os cursos. Inclusive, essa troca deveria acontecer muito mais”. Além disso, “uma reunião do GFAU não teria por que decidir contra melhorar as condições dos alunos, e uma decisão conjunta teria muito mais força”. Miguel considera que um CA faria sentido somente se os alunos do Design quisessem algo com o qual os de Arquitetura não concordassem, fato que não ocorre.

“Sou mais a favor de uma remodelação do modo atual de representatividade, como um novo estatuto do gfau. Fui contra a criaçao do CA do jeito que estava acontecendo, forçada e apressadamente.”
Miguel Costa, aluno do 3º ano de Design

Assembleia

Após reunião de caráter consultivo em que muitos alunos do Design se manifestaram a favor de um CA, foi organizada uma Assembleia com o objetivo de ser um plebiscito de consulta em relação ao desejo dos alunos do curso pelo CA. “Mas nessa reunião, ocorreu uma manobra que impediu a abertura do plebiscito”, relata Eugênia. “Integrantes do GFAU que eram de Arquitetura entraram numa reunião que, apesar de aberta, competia aos alunos de Design apenas. Não deram nenhum argumento racional sobre suas posições e sistematicamente interrompiam minhas falas na mesa, aos berros”, completa Luiza. Segundo Eugênia, a união de três fatores (inexperiência dos alunos de Design em conduzir uma Assembléia, experiência de alguns dos de Arquitetura em desmobilizá-la e o público assustado e desinformado) levou à desestabilização e fracasso do plebiscito.

“Havia inclusive pessoas do Design membros do GFAU que estavam ‘causando’ e que sequer tinham participado de reuniões anteriores”, conta Gabriela. André Traverso diz que “tínhamos um horário apertado pra essa Assembleia, porque como muitos alunos trabalham, a reunião teve que ser no horário da aula, e essa confusão fez toda a diferença pra que não pudéssemos votar”.

No entanto, Thomaz Abramo, do 2º e não membro do grêmio afirma que, durante a Assembleia, os membros do GFAU agiram de forma democrática. Porém, por não querer a presença deles na reunião, a Mesa acabou tratando-os de forma antipática e rígida em relação aos tempos de fala. Isso causou um certo mal estar dos presentes em relação a condução da Mesa na Assembleia e acabou desacreditando as ideias propostas por esta para a reunião. Além disso, o caráter consultivo não havia ficado claro para todos os participantes. Segundo relato de Farah, havia a dúvida se era uma Assembleia indicativa ou deliberativa. Após explicarem a diferença, foi realizada uma votação para que fosse indicativa, que venceu. Mas a mesa jogou fora as cédulas de voto, que diziam ‘Você é a favor de um CA do Design?’, e disseram que quem quisesse poderia fazê-la por conta própria, já que ela estava duvidosa.

Seguindo o relato, no fim da Assembleia, foi votado que haveria uma outra no piso do museu, e não em uma sala de aula. A mesa seria composta por um aluno de Arquitetura e não membro do GFAU, um de Design e do GFAU e um de Design apenas. Lá foi acordado que um grupo de estudo sobre um Centro Acadêmico seria criado. “É a abertura de um formato que estava fechado demais e que agora se descentralizou”, opina Alexandre Lindenberg, da Turma 01.

Situação atual

Apesar de as discussões terem sido intensas no semestre passado e de dela terem participado alunos do primeiro ano, elas se acumularam em junho e logo vinham trabalhos finais e férias. Na volta às aulas, foram realizadas três reuniões para discutir formas de buscar maior participação dos alunos de Design e para estudar estatutos de CAs já existentes. Foi decidido que primeiro seria elaborado um modelo de estatuto para o Centro e só então haveria votação. “Isso foi até melhor, porque tinha muita gente que nem sabia o que tava acontecendo e tava sendo puxado junto”, conta André.

Mesmo assim, “é muito difícil mobilizar uma grande quantidade de alunos devido ao problema do fim do semestre e do próprio desinteresse das pessoas”, como Luiza diz. “Por enquanto, é dar murro em ponta de faca”.

Thomaz Abramo, do 2º ano e não membro do Grêmio, considera que quem discute nas reuniões do GFAU é geralmente o mesmo grupo, porque ninguém mais quer participar, apesar das reuniões semanais. “As discussões entre alunos do Design acontece majoritariamente no grupo de emails, enquanto que o método do Grêmio é presencial. No fim, é basicamente um problema de comunicação”.