Na série de matérias com opiniões sobre o Bilhete USP (Busp), que entrou em vigor a partir do dia 27 de fevereiro exclusivamente para alunos, professores e funcionários, o JC entrevistou dois integrantes do Fórum de Extensão da USP, que falaram sobre como enxergam o projeto como estudantes engajados com projetos de extensão na Universidade.
A seguir, entrevista com Natália Lima de Araújo, estudante do 2º ano de Relações Internacionais e integrante do projeto Educar Para o Mundo (EPM), e Bruno Nogueira Fukasawa, estudante do 5º ano de Engenharia Ambiental da Poli e integrante do projeto Escritório Piloto.
Jornal do Campus: Como você soube da implantação do novo sistema BUSP e como recebeu a notícia?
Natália Araújo: A gente soube quando já estava lá valendo, sem nenhuma consulta à comunidade ao redor, algo totalmente antidemocrático. Foi totalmente verticalizado. Eles baixaram lá a decisão e acabou.
JC: Foi de surpresa?
Bruno Fukasawa: Surpresa naquelas, né? Não em relação a isso, mas eu já via uma série de coisas, e vejo ainda, que é uma sequência, não é um fato isolado. Uma sequência de coisas no âmbito da administração meio esperada.
JC: Como vocês viram a mudança?
NA: De cara, eu achei que fosse ruim antes mesmo de procurar mais informações sobre isso, até pela própria descrição da reitoria de que seria um serviço “gratuito para alunos, funcionários e professores”. Isso significa que toda a comunidade do em torno que utilizava os serviços da USP, e consequentemente o circular, vai ficar de fora. Isso é uma política totalmente excludente e totalmente contra o que a gente pauta na extensão, que é o diálogo com a comunidade que está lá fora. Isso vai impedir várias pessoas de usarem o HU, serviço odontológico, a Escola de Aplicação e vai até quebrar um pouco do contato com os projetos de extensão.
BF: Eu venho de bike, então em relação a “logística” não mudou muito para mim. Eu ouvi muita gente falando que o ônibus está vindo muito cheio pra cá, tem gente que não consegue sair do terminal para vir, porque está demorando para caramba. Acho que essa questão do ônibus se insere em algo maior, que me preocupa muito mais, que é um processo de transferência monetária inversa. É muito conjuntural. A galera da USP, que tem mais dinheiro e estudou em colégios bons, de classe média para cima, está adquirindo cada vez mais benefícios. O ônibus vem contribuir para isso. Eu enxergo com os olhos de quem vê e fala: “o ‘cara’ paga ICMS por qualquer coisa que compra e está indo pra quem?” Para gente usufruir. Isso é absurdo.
Outra questão é que gera uma clivagem. Estão separando cada vez mais, por várias formas, quem é estudante da USP e quem não é. Estão talhando de um jeito que define muito bem quem é este estudante e o que ele usufrui. Isso para mim é pior.
O projeto não seria ruim se a universidade fosse realmente um local democrático, que as pessoas de várias camadas da população tivessem [acesso]. Se você olhar o IBGE, 1% da população está no quinto mais baixo de renda. [O benefício] já está indo para uma população privilegiada por uma série de outras coisas. Então não é só o ônibus, se você enxergar em um panorama de tudo que acontece aqui na USP. A ideia é boa, mas fazer esse novo corte, para mim, só vai fazer mal. E muita gente que está sendo beneficiada está achando legal.
NA: Aparentemente é muito bom andar de ônibus de graça. É um privilégio que os estudantes têm e por que eles estão sendo privilegiados em detrimento do restante da sociedade? O que a gente tem de especial que o cara da São Remo, que está pagando tanto imposto quanto a gente? O que nós temos em relação a eles?
JC: Como isso pode atingir a comunidade de forma geral, do ponto de vista de alunos engajados com a extensão?
BF: Eu vejo como uma grande massa de eventos. Não sei se hoje vai afetar os projetos do Escritório Piloto, por exemplo, acho que seria equivocado falar isso. Pontualmente não vai ser assim, mas faz parte de um processo de afastamento, então cada vez mais a gente vai ser enxergado de forma diferente pelo pessoal da São Remo, por exemplo, e isso é uma coisa a longo prazo. Eles [pessoal da São Remo] podem pensar: “É, esses ‘playboys’ estão pegando ônibus de graça e eu aqui ralando…”. Acho que esse é o principal impacto, é muito mais permanente.
NA: Para os grupos que não são diretamente atingidos tem a questão da legitimidade. O “Educar Para o Mundo”, por exemplo, vai fazer atividade em uma escola do Canindé. Eles que não têm muito contato com o que acontece aqui dentro podem pensar: “O que eles estão fazendo aqui? Qual a voz que eles tem pra falar? Por que eles querem cutucar a gente aqui, se estão lá na bolha deles, na USP?”.
BF: O que a gente sempre discute e concorda é que a extensão existe para não ter que existir. Nesse processo de busca a gente vai para um lado. O maior impacto é perceber que tem uma força na direção totalmente contrária. Parece que estamos empurrando para um lado e vem uma galera para o outro com muita força. Não é uma questão pontual, mas o problema é que a extensão pensa para uma direção e este negócio [o Busp] está indo para o outro.