Bicicletas ganham prioridade na gestão Fernando Haddad

Meta da prefeitura é inaugurar 400 km de ciclovias até dezembro de 2015, mas nem todos os paulistanos estão satisfeitos com a decisão. (Foto: Breno França)

O prefeito Fernando Haddad venceu as eleições para a prefeitura de São Paulo com a promessa de priorizar os meios alternativos de transporte. Hoje, quase dois anos depois da disputa, a gestão municipal já implantou 355 km de novas faixas e corredores exclusivos de ônibus na cidade. Segundo os estudos mais recentes, o paulistano que utiliza esse modelo de transporte coletivo passou a economizar em média 38 minutos por dia no trânsito. Apesar da cidade ter quebrado o recorde de congestionamento neste ano (323 km no dia 23 de maio), a velocidade média dos ônibus aumentou para 20,6 km/h, mas ainda está abaixo dos 25 km/h desejados pela prefeitura. Agora, a meta da secretaria municipal de transportes é construir 400 km de ciclovias e ciclofaixas até o final do mandato. Porém, essa determinação não está agradando a todos os paulistanos e a discussão recolocou a medida Em Pauta.

Internamente, o secretário de transportes da capital, Jilmar Tatto, admite que o prazo para a implantação total é dezembro de 2015. A intenção da prefeitura é dedicar o último ano de mandato para incentivar o uso das bicicletas e realizar campanhas de marketing turístico sobre o assunto. Para cumprir a meta, o cronograma prevê que novos trechos sejam inaugurados toda semana, mas bastou alguns quilômetros serem implementados para muitos paulistanos se manifestarem contra e a favor.

O trecho de 1,4 km entre a praça Charles Miller e o parque Buenos Aires, inaugurado em 6 de setembro, foi o que causou maior repercussão. Morador do bairro de Higienópolis, o senador e candidato à vice-presidência na chapa de Aécio Neves, Aloysio Nunes, verbalizou nas redes sociais o que diz ter ouvido de seus vizinhos:

“Delírio autoritário de Haddad: esparrama ciclofaixas a torto e a direito, provocando revolta nos moradores de Higienópolis”, tweetou o senador.

Além dele, outros moradores, comerciantes e taxistas manifestaram indignação. Entre as principais reclamações estão a falta de demanda de ciclistas na região, perda de vagas de estacionamento e a dificuldade para realizar carga e descarga de produtos.

Taxista, Paulo Carneiro, 40, trabalha no ponto em frente a uma das portas da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e reclamou da decisão. “A prefeitura veio, pintou a faixa e só no dia seguinte nos comunicou que teríamos que mudar de ponto. Eu fui até lá saber se tinha como mudar o lado da rua onde nós ficamos e eles disseram que não. Falaram que se a gente estivesse insatisfeito podíamos sair do local”, relatou.

O motorista disse também que trabalha há dez anos no mesmo lugar e de repente uma mudança imposta alterou toda a rotina. “A gente teve que se adaptar ao que o prefeito e o secretário querem. A gente deu sorte que tem vaga no ponto do outro quarteirão, se não teria sido pior”, afirmou. A infração de quem estaciona numa ciclovia é considerada grave e acarreta perda de cinco pontos na carteira de habilitação, além de multa de R$ 127,69. Já para quem é flagrado transitando na via das bicicletas, a punição é de sete pontos na carteira além de multa de R$ 574,62.

Comerciante do local há mais de 35 anos, Vicente Safon, 62, disse que saiu da padaria onde trabalha na quinta-feira a noite e quando voltou na sexta-feira já estava tudo pintado. “Eu não sou contra fazer ciclofaixas, só gostaria que fosse feito do jeito certo, dialogando com a comunidade, e no local certo, oferecendo alternativas. Do jeito que está, foi uma imposição e nenhuma imposição é correta”, alertou. Vicente ainda disse que os moradores estão se mobilizando contra a medida. “Aqui quase todo mundo é contra e nós estamos nos organizando para tentar fazer a prefeitura voltar atrás. Se você observar, o bairro não tem muitos jovens. A maioria são pessoas de idade. Pra elas é mais importante poder descer na calçada do que andar de bicicleta. Outro dia quase teve um acidente bem aqui na frente”, revelou.

A insatisfação dos moradores da região com as obras de transporte na cidade já causou polêmicas em outras ocasiões. Em 2011, um abaixo-assinado liderado pela Associação Defenda Higienópolis conseguiu evitar que uma estação da linha 6 – Laranja do metrô fosse construída na Avenida Angélica. Na ocasião uma moradora chegou a dizer que a estação atrairia ‘gente diferenciada’ ao bairro. O caso foi prontamente relembrado por usuários no twitter que contestavam essa posição:

“Higienópolis contra o metrô, contra a ciclofaixa… Quando eles vão entender que fazem parte de uma cidade muito maior que o seu rico bairro?”

O trecho entre as ruas Piauí, Armando Penteado e Itatiara faz parte dos 58,3 km entregues pela prefeitura desde junho. Antes, São Paulo contava com 60 km de vias cicloviárias, o que representava 0,4% do total de vias destinadas aos carros na cidade. Além dos 400 km, outros 150 devem ser construídos junto a novos corredores de ônibus. A medida da prefeitura deve colocar a capital paulista no topo do ranking nacional de ciclovias. Atualmente, o Rio de Janeiro é líder do quesito com 240 km em funcionamento, mas se comparados a outras capitais pelo mundo as metrópoles brasileiras ainda estão bem atrás.

Segundo levantamento da prefeitura, Berlim é a líder mundial no quesito ciclovias. Atualmente a cidade alemã conta com 750 km de vias cicloviárias. Em seguida vem Nova Iorque, com 675, e Amsterdã – famosa por suas bicicletas – com 400 km. No Brasil, dados de março revelam que Rio Branco, no Acre, tem a melhor infraestrutura para os ciclistas tanto em proporção de vias adaptadas relativas às vias de carro quanto na relação de habitante por quilômetro de ciclovia. São Paulo, por sua vez, estava na quinta posição no número de quilômetros existentes, mas só na 19ª colocação entre as 26 capitais na relação hab/km.

Ciclovia na Paulista

O projeto que deve custar R$ 80 milhões aos cofres da prefeitura vai adequar 2,3% das vias paulistanas ao uso de bicicletas, ou seja, o custo médio por quilômetro de ciclovia será de R$ 200 mil. O Fundo Municipal do Meio Ambiente já disponibiliza R$ 10 milhões para a implementação das faixas. Do total, R$ 15 milhões devem ser destinados à construção da ciclovia no canteiro central da Avenida Paulista que tem cronograma para começar em janeiro e terminar em junho de 2015.

Apesar de ser considerada por ciclistas a via topograficamente ideal para receber uma ciclovia na região, o projeto também encontra resistência por parte de adversários políticos de Haddad. O vereador do PSDB, Andrea Matarazzo, declarou recentemente que “é preciso estudo técnico para que ela [a ciclovia da Paulista] seja criada. Não pode ser essa panaceia, em que se faz tudo para os ciclistas e se esquece dos carros.”

As mudanças vão exigir que floreiras e relógios sejam removidos do canteiro central, dutos de ventilação do metrô sejam realocados e um novo semáforo entre a rua da Consolação e a rua Haddock Lobo seja instalado. Porém, a obra também vai permitir que o corredor de ônibus seja prolongado, fiações sejam enterradas e calçadas sejam reformadas para o “padrão Paulista”. A intenção é que o canteiro aumente de 3,5 metros para 4 e a ciclovia fique 18 centímetros acima do asfalto. Nas paradas próximas aos semáforos serão instaladas grades de proteção e botoeiras para solicitar que o semáforo abra para os ciclistas. Benefícios que devem atender às demandas de diversos cicloativistas que se articulam há anos em busca de mais respeito às bicicletas no trânsito.

“Se você ficar o dia todo aqui e ver dois ciclistas passarem, é muito”, afirmou taxista que trabalha na região. (Foto: Breno França)

Apesar da resistência inicial à nova política, a prefeitura segue firme com sua decisão porque já esperava uma repercussão negativa no começo. No mês passado, a vice-prefeita, Nádia Campeão, e alguns secretários da cidade foram à Nova Iorque conhecer o modelo de implementação de ciclovias adotado na cidade americana. Lá, a ex-diretora do Departamento de Transportes, Jannete Sadik-Khan, implementou 450 quilômetros de vias adaptadas para bicicletas em seis anos. Depois de muitas reclamações, uma pesquisa organizada pelo jornal “The New York Times” revelou que no ano passado 64% dos cidadãos nova-iorquinos apoiavam a decisão.

Um ciclista que passava pela ciclofaixa enquanto a reportagem do Jornal do Campus estava no local afirmou que as condições melhoraram bastante. “Eu trabalho aqui há cerca de cinco anos e sempre vim de bicicleta. Antes as condições eram péssimas, agora melhorou uns 90%. Acho que com essa iniciativa a tendência é que mais pessoas passem a utilizar bicicletas”, relatou Vilton Moreira, 25. Desde que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) passou a recolher os dados, o número de acidentes envolvendo bicicletas que resultaram em morte vem caindo. Apesar disso, em 2013 ocorreram 712 acidentes dos quais 35 (4,9%) resultaram em morte.

por BRENO FRANÇA