Legislação busca alavancar a prática esportiva por meio de incentivos fiscais a patrocinadores
Na edição de número 438 do Jornal do Campus, levantamos uma questão muito delicada na matéria Conselho Regional de Educação Física notifica Cepe e técnicos universitários (p. 12): o financiamento do esporte universitário. Afinal, de quem deve ser a responsabilidade de pagar a conta? A Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), sancionada em dezembro de 2006 pelo Governo Federal, pode ser um ótimo instrumento de “mecenização” para o nosso esporte carente de recursos enquanto uma solução mais específica não é proposta.
O que é a LIE
A Lei de Incentivo ao Esporte é na verdade um grande programa de incentivo fiscal, já que ela literalmente estimula pessoas e empresas a patrocinar e fazer doações para projetos esportivos e paradesportivos, em troca de incentivos fiscais.Tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas e empresas podem se “beneficiar” do programa com uma porcentagem de desconto aplicada ao Imposto de Renda. Pessoas físicas podem doar a totalidade de 6% de seu imposto devido para projetos aprovados pelo Ministério do Esporte; já para pessoa jurídica tributada com base no lucro real , o desconto é de até 1% sobre o imposto devido. Resumindo, os “mecenas” do esporte podem destinar um dinheiro que eles teriam que gastar de qualquer forma em impostos para iniciativas esportivas.
Nesse ponto o Governo Federal é criticado por “terceirizar” o problema do financiamento esportivo e deixar na mão da iniciativa privada a forma como esse dinheiro vai ser gasto. Logo no primeiro ano de prática da LIE, essa crítica se mostrou verdadeira: dos R$ 50.920.591,16 arrecadados por meio de doações e patrocínios aos 17 projetos aprovados, R$ 23.386.164,26, quase metade, foram diretamente para o Comitê Olimpíco Brasileiro. O projeto denominado Preparação das equipes brasileiras no ano de 2008, visando também os XXIX Jogos Olimpícos Beijing 2008 recebeu todo esse montante de um único patrocinador: a Petrobras. No mesmo ano, o São Paulo Futebol Clube recebeu mais de R$ 12,7 mi em patrocínio para investir em seus vestiários, em seu estacionamento e arquibancadas do estádio Cícero Pompeu de Toledo, o famoso Morumbi.
O questionamento é: será que o COB e o São Paulo Futebol Clube não conseguiriam esse montante no mercado comum, sem a necessidade de incentivos fiscais que poderiam ser melhor direcionados para projetos com menor apelo comercial?
Em 2013, último ano em que era possível consultar a relação de projetos aprovados e doadores/patrocinadores até o fechamento dessa edição, o cenário já se mostra um pouco diferente. Foram aprovados 534 projetos, resultando na captação de R$ 238.214.570,31 bem menos concentrados do que em 2007. Exceto um projeto de formação de atletas do Esporte Clube Pinheiros que angariou mais de R$ 12 milhões, todos os outros projetos não passaram dos R$ 3,2 milhões – mesmo com projetos de proponentes como Flamengo, Corinthians e o próprio COB.
O problema, porém, foi outro: menos da metade dos projetos conseguiu captar o valor aprovado, como o Projeto Faça de um Deficiente um Atleta que visava a captação de R$ 591.117,00 mas conseguiu apenas R$ 49,3 mil.
Como ser beneficiado
Antes de convencer uma pessoa física ou jurídica de que vale a pena apostar em seu projeto, você precisa demonstrar ao Ministério do Esporte que você tem um plano concreto, sustentado e economicamente viável. Como qualquer processo burocrático, isso não é nada fácil e Filipeh Pereira Pessanha, ex-Diretor Geral de Esportes Associação Atlética Acadêmica Lupe Cotrim (A.A.A.L.C) – também conhecida como ECAtlética – atesta isso. Ele foi um dos responsáveis por uma proposta de projeto ao Ministério do Esporte enviada em setembro do ano passado e que ainda está em fase de julgamento.
“Enviamos o nosso projeto pra Brasília e eu recebi a confirmação, via sedex postal, que meu pedido (que era o nosso projeto), tinha sido entregue com sucesso”, conta o estudante. Até a entrega, porém, houve um um longo caminho. “Fácil? Nem um pouco. São muitos detalhes, muitas coisas. É um processo que tem que ser bem meticuloso para que tudo ocorra perfeitamente”, detalha Filipeh.
Para uma pessoa jurídica ter condições de apresentar um projeto, ou seja, ser um proponente, ela deverá atender a três requisitos: não ter fins lucrativos, ter natureza esportiva e estar em funcionamento há pelo menos um ano. Cada um dos proponentes podem apresentar até seis propostas durante o ano.
Até a proposta ficar pronta, porém, existe um longo caminho que a Cartilha da Lei do Incentivo ao Esporte divide em quatro partes: cadastrar o Projeto no SLIE (Sistema da Lei de Incentivo ao Esporte), imprimir os formulários pelo SLIE e assiná-los, realizar a juntada de documentos obrigatórios e postar ou protocolizar o conjunto do projeto. A parte mais trabalhosa é a tal “juntada de documentos”. Felipeh Pessanha conta que, mesmo com a ajuda de uma empresa, todo esse processo demorou muito tempo: “Desde que começamos a planejar a gestão 2013/2014, tínhamos esse objetivo de enviar o nosso projeto para tentar conseguir a LIE. Eu era o DGE mais interessado em fazer isso e comecei a tocar mais ou menos em abril. Fizemos em parceria com a Trion, uma empresa esportiva com foco em eventos e assessoria esportiva, e nesse caso, eles participaram da construção do nosso projeto, o que foi de grande ajuda. Enviamos o projeto em setembro, então podemos considerar um período de 6 meses”, explica. Ele pontua, ainda, que a parte mais complicada foi cotar todos os produtos que constam no projeto. “A questão de correr atrás de cotar tudo três vezes foi a mais complicada. Quando você faz o projeto, você tem que selecionar tudo que você deseja e descrever no projeto. Como se tratava de uma Atlética, queríamos bolas, uniformes, quadras para treino, entre outras inúmeras coisas. Para podermos colocar esses itens no projeto, teríamos que cotar todos os itens em três lugares diferentes, além de solicitar para a empresa que estávamos cotando que eles colocassem a cotação em nominal para a ECAtlética, o que a maioria nem sabia o que era ou tinha dificuldade em entender”.
Feito tudo isso, o Ministério do Esporte tem um ano para analisar o projeto e dar a resposta ao proponente. O projeto da ECAtlética ainda não obteve resposta.
Esse é o caminho? A Lei de Incentivo ao Esporte ainda se mostra ineficaz para atender as demandas do esporte universitário. As empresas com condições financeiras preferem patrocinar eventos de grande porte ou grandes entidades do que financiar o ainda pequeno e precário esporte dentro das universidades.
O Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (Cepeusp) conseguiu captar mais de R$ 1 milhão para a reforma da pista de atletismo por meio da Lei de Incentivo ao Esporte. Grande parte desse montante, R$ 797 mil, foi doado pelo Banco Banestado S/A e o resto foi patrocinado pelo Banco Itaú. Essa reforma, porém, está longe de resolver os problemas estruturais do esporte dentro da USP.
Enquanto o esporte universitário não for atrativo para grandes empresas, dificilmente as Associações Atléticas conseguirão angariar os fundos necessários para tornar o seu esporte grande o suficiente para caminhar com as próprias pernas.
Por Gabriel Carvalho