Para além dos cursos e campos de estudos tradicionais, Universidade comporta áreas de pesquisa inusitadas e pioneiras; conheça um pouco da gravimetria e do tupi antigo
Como uma das principais universidades da América Latina, a USP comporta várias áreas do conhecimento. Para além dos cursos mais tradicionais (e concorridos), como Engenharia, Direito e Medicina, ela apresenta outros campos de estudo e pesquisas que, muitas vezes, são uma verdadeira incógnita, ao menos para a maioria das pessoas.
Algumas disciplinas da Universidade, por exemplo, possuem nomes tão diferentes que chamam a atenção. Quem nunca teve curiosidade, ao acessar as optativas livres pelo Júpiter, de saber de que se tratam áreas como a da agrostologia, ou a matéria ictioplâncton marinho, ou a estratigrafia, ou a astrofísica estelar? Os campos de pesquisa científica a que pertencem estas e outras disciplinas podem se revelar interessantes e fascinantes.
Diante desta curiosidade a respeito de alguns cursos da USP, o Jornal do Campus foi procurar saber mais sobre duas linhas de pesquisa científica de cursos pouco conhecidos, mas cujo conteúdo talvez instigue pessoas de diferentes áreas.
Dinossauros e jazidas de ferro
No Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP é ministrada a disciplina “Gravimetria e Geomagnetismo”, oferecida para estudantes de Geofísica como parte obrigatória do currículo, e de Física como optativa.
Geomagnetismo é a área que estuda o campo magnético da Terra. Por conta desta propriedade é que se torna possível a orientação por meio da bússola, dentre outras coisas. “O geofísico usa essa informação para investigar, por exemplo, jazidas de ferro. Qualquer material que tenha uma propriedade magnética, ele consegue estudar”, diz o professor Eder Cassola Molina, responsável pela disciplina. Ele ainda dá o exemplo da Serra do Carajás, que foi descoberta por este método.
Já a gravimetria é o estudo da distribuição de massa da Terra utilizando como ferramenta o campo da gravidade. Através de um equipamento chamado gravímetro é possível medir a aceleração da gravidade em diferentes pontos. “Se existe essa variação de aceleração da gravidade é porque há uma variação de massa em algum lugar. Então conseguimos enxergar o que está lá embaixo, o que está escondido. Com isso é possível dizer que onde tem mais massa a aceleração da gravidade vai ser maior”, explica Molina.
Segundo o professor, o ponto da Terra com maior gravidade está localizado no Oceano Ártico (9,8337 m/s²), pois está próximo ao centro de massa do planeta. Já o menor valor está na Montanha de Huascarán, no Peru (9,76392 m/s²), justamente por estar a uma altitude elevada e longe do centro.
Para aqueles que se interessaram e desejam se aventurar por este campo do conhecimento nos próximos semestres, há uma informação adicional. Além de ter explicações teóricas em sala de aula, os alunos da disciplina também contam com atividades práticas. O IAG possui três gravímetros – o primeiro adquirido em 1974. Atualmente, o equipamento custa em torno de 500 mil reais e é utilizado em áreas como engenharia de minas, geologia e, principalmente, geofísica.
“[A gravimetria] serve tanto para estudar a estrutura da crosta, onde ela é mais fina, mais larga, como para procurar estrutura para petróleo e depósito mineral”, afirma Molina. O professor ainda cita a cratera de Chicxulub, localizada na Península de Yucatán, no México, tida como a que extinguiu os dinossauros, e que foi encontrada através de gravimetria.
80 anos, uma língua extinta
Se para alguns gravimetria e geofísica podem ser campos relativamente conhecidos, o que dizer de tupi antigo? Qual é a importância deste curso e de seus estudos científicos?
O tupi antigo deixou de ser falado no final do século 17, mas, como legado, fica sua profunda influência na língua portuguesa e nos nomes geográficos – como Ibirapuera, Guarapiranga, Pacaembu e Tatuapé.
Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a USP ainda mantém um dos únicos cursos do país que se dedica a estudar a língua. Coordenada pelo professor Eduardo de Almeida Navarro, a disciplina completa em 2015 seus 80 anos.
Foi em meados de 1935 que o reitor Reinaldo Porchat e Armando Salles de Oliveira convidaram o professor Plínio Ayrosa para começar a lecionar a língua tupi na Universidade. Estava inaugurada a primeira disciplina da língua indígena no Brasil e no mundo. Já na década de 1950, com apoio do presidente Getúlio Vargas, o ensino de tupi se tornou obrigatório nas faculdades de Letras do País.
No entanto, após a década de 1960, muitas cadeiras deste ensino foram desaparecendo, e praticamente só a USP manteve o curso de tupi antigo. “Nós estudamos a língua, propriamente dita. […] Hoje, este estudo está sendo revisto e temos um trabalho com muito mais visibilidade. Publicamos há pouco tempo o primeiro dicionário do tupi antigo”, diz Navarro.
O tupi foi a língua ouvida pela esquadra de Pedro Álvares Cabral quando esta chegou ao sul da Bahia, em 1500. No início chamada de língua brasílica, era falada ao longo de toda a costa brasileira. “Esta língua está presente na formação histórica do Brasil, pois foi a primeira aprendida pelos portugueses. Não havia a possibilidade de colonizar o país sem conhecer o tupi, porque a população portuguesa era muito pequena. A população de índios daquela época é estimada entre 1,5 milhão e 6 milhões”, explica.
Além de cultivar a área de pesquisa científica de uma língua histórica, a FFLCH também conserva a cadeira de toponímia, responsável pelo estudo dos nomes dos lugares, e a de tupi moderno, conhecido também como nheengatu e falado atualmente por, no mínimo, 6 mil pessoas. Há quatro semestres de estudos, divididos em Tupi I, II, III e IV. Nos dois primeiros é ensinado o tupi antigo, enquanto nos dois últimos, a língua geral, ou o nheengatu.
As recentes pesquisas da USP envolvendo o nheengatu buscam se aproximar dos falantes da língua. Pós-graduandos têm se dedicado a ter contato direto com os habitantes da região do Rio Negro e a conservar a língua através de traduções de obras conhecidas.
O mestrando Marcel T. Ávila foi para o município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, onde se fala o nheengatu, e está fazendo a tradução do livro A Terra dos Meninos Pelados, de Graciliano Ramos, para a língua. “Nós adquirimos fluência por conversar com eles. Por outro lado, levamos materiais, como coletâneas de contos em nheengatu, história da língua, como surgiu e se espalhou pela Amazônia. Tentamos levar informações que temos por ter contato com a língua no meio acadêmico”, conta.
A ideia é que obras sejam distribuídas nas comunidades falantes. “Com isso, dentro de alguns anos, vamos enriquecer muito a literatura na língua”, projeta o professor Navarro.
Por André Meirelles