A lista de desejos do Hospital Universitário

HU falha na assistência e no ensino

Por Larissa Santos e Maria Paula Andrade

As muitas turmas que produzem o Jornal do Campus acompanham de perto cada passo dado pela diretoria do Hospital Universitário. Andando para trás, demitindo em massa funcionários e fechando as portas do pronto-socorro e do pronto-socorro infantil, o estado grave do hospital não é novidade nas páginas deste jornal. O futuro ainda nebuloso do HU continua prejudicando moradores do entorno e os próprios estudantes residentes dos cursos de saúde da USP.

Na última sexta-feira, 05 de abril, Carolina Catharina levou o filho de X anos, Dérick, na UBS São Remo com um inchaço no olho xxxxxxx. Da unidade de saúde básica, Carolina foi encaminhada para o atendimento oftalmológico do HU. No hospital, foi informada que o hospital recebe apenas casos de maior complexidade, e foi redirecionada para a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, cerca de uma hora de distância, no centro de São Paulo. Até o início do ano passado, Carolina e seus filhos eram atendidos no pronto-socorro do HU que, para ela, “fica na rua de cima, 7 minutinhos para chegar lá”.

Carolina Catharina é personagem conhecida do JC, apresentada na edição 48X. Outra moradora da comunidade 1010, dona Wanda, também protagonizou páginas deste jornal e viu as dificuldades aumentadas para conseguir consultas e acompanhar sua hipertensão, desde o fechamento do pronto-socorro do HU. Passado um ano da reportagem de 2018 e depois de muitos nãos, ela desistiu do atendimento no HU a agora tem que se deslocar para longe, no hospital Sorocabano da Lapa. “Eu preciso me deslocar para longe, precisa até pegar uma condução, mas pelo menos sou atendida”.

Carolina Catharina e Dona Wanda também tem suas próprias listas de desejos para o HU. Que seja fácil ter acesso à saúde a 7 minutos de distância, que a fila para o atendimento seja rápida, que o pronto-socorro pediátrico possa receber todas as crianças.

Lacunas no ensino

A diminuição do número de atendimentos do hospital afeta também a qualidade do ensino dos alunos residentes. Em entrevista, o médico do HU, Gerson Salvador, comenta que a diminuição causa defasagem na capacitação. “Um aluno precisa fazer um procedimento algumas vezes para estar plenamente capacitado e depois realizar sozinho. Então, com a diminuição de pacientes a serem atendidos, isso impacta na formação dos estudantes”.

A estudante Julee Quispe, do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, da Medicina, conta que a diminuição de pacientes impede que os residentes consigam ter treinamento amplo no tratamento de doenças simples. “No internato, nos 5º e 6º anos, é no HU que vemos as doenças prevalentes, ou seja, as mais comuns, o que é importante para formar a gente como médico generalista. Quando nos formamos, não vamos ter casos complexos como os experienciados no HC, precisamos ter tratado antes uma pneumonia, isso a gente via no HU.”

Atualmente, os estudantes que se formam se sentem por vezes inseguros em encarar um pronto-socorro, sentimento que não era normal antes da crise do HU. Julee continua: “É extremamente perceptível a diferença das experiências em relação aos alunos que passaram no HU antes de 2014 e os que estão passando agora (…) não podemos nos limitar apenas ao suficiente, mas a um estágio que seja o melhor possível para a nossa formação”.

Enquanto alunos de medicina sentem defasagem, outros cursos, como Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Fonoaudiologia são prejudicados conseguirem terem uma restrição de vagas de estágio no hospital. As alunas Ana Bean e Mariana Arthur, do Centro Acadêmico Arnaldo Vieira de Carvalho, da Fofito, comentam que, devido a um quadro reduzido de funcionários contratados, estudantes não conseguem experimentar as diversas áreas de atuação no contexto hospitalar de seus cursos e o aprendizado íntegro oferecido por projetos didáticos-assistenciais. “O corpo profissional de fisioterapia no HU está insuficiente dentro da atenção ambulatorial quanto a suprir as demandas da população à qual se propõe a assistência”.

“Somos um departamento de cursos da saúde, e um hospital-escola precisa funcionar de forma real e não simulada, precisamos das reais demandas da população e um número suficiente de profissionais aptos a nos acompanharem nesse processo de aprendizagem”, desejam as estudantes de medicina.

Fotos, da esquerda para a direita, por: Jasmine Olga, Larissa Santos e João Paulo Falcão Arte: Daniel Medina

 

Audiência para tratar de nova verba para o hospital não apresenta dados concretos

Por Larissa Santos e Maria Paula Andrade

“Isso não é um planejamento estratégico. Isso é uma lista de desejos. Eu quero saber onde que eu encontro esses projetos”. A fala da deputada federal Tabata Amaral para o então Ministro
da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, em sessão da Comissão de Educação, poderia facilmente ter sido dita em relação ao Hospital Universitário da USP (HU).

Em 29 de março, uma esperada audiência no Ministério Público Estadual (MPE) foi realizada para discutir a verba adicional de R$ 40 milhões destinada ao hospital e aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Estavam presentes representantes da diretoria do HU e membros do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp).

Estavam presentes também membros da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Sindicato do Médicos de São Paulo (Simesp), além de representantes dos centros acadêmicos dos cursos de Medicina e da Fofito (Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional) da USP e moradores da região do Butantã.

Todos esperavam um cronograma de execução para verba, detalhando em números as necessidades de infraestrutura e funcionários que o hospital carece, além de uma projeção do uso dos R$ 40 milhões. Foram oferecidos 90 dias para apresentação da proposta, que virou uma lista de intenções.

Promessa frustrada

A diretoria do hospital prometeu sua reestruturação (agora centro de atenção secundária). Se comprometeu com a melhoria na recepção dos casos encaminhados, a criação de um time de resposta rápida para emergências e a informatização dos sistemas.

Também foram confirmadas novas contratações, que serão feitas via USP por concurso público, além da compra de novos equipamentos. No entanto, nenhum documento foi entregue e nenhuma data foi estipulada.

Segundo Paulo Margarido, superintendente do HU, o planejamento não foi concluído porque ainda não houve repasse algum do valor. Ele afirmou, porém, que “metade desse orçamento já está pronto”.

“Eu na qualidade de gestor do hospital, tenho que gerir os recursos da melhor forma possível. Aqui é um jogo de pressões. O funcionamento do hospital acontece apesar de toda essa discussão” afirmou Margarido ao Jornal do Campus, após a audiência.

“Não acho que não estamos recuperando o HU. Temos que repensar o hospital, ele tem que se sustentar”. Ele também alegou que houve falta de tempo para criar um documento definitivo em relação ao hospital.

Insatisfação

Para Ana Bean e Mariana Arthur, representantes do Centro Acadêmico Arnaldo Vieira de Carvalho, da Fofito, a diretoria do HU mostrou apenas algumas modificações de reorganização. “Eles não cumpriram o acordo de realizar um plano de reestruturação do hospital e não apresentaram uma média de números de contratações de profissionais de saúde”.

A surpresa pela falta de concretude das propostas foi partilhada por Mário Balanco, representante do coletivo Butantã na Luta. “Falaram na reunião que toda a parte de materiais, aparelhos, já está sistematizado. Por que o resto não?”

Apesar de também demonstrar decepção com a lista de desejos, Gerson Salvador, diretor do Simesp e médico do HU, comemorou uma vitória que julga importante para o hospital, “Para destacar um ponto positivo, eu acho que vale a pena dar nota para o superintendente de ter dito que o modelo de contratação seria via universidade por concurso”.

Bolso furado

O medo pelo fato do dinheiro ainda não ter chegado ao HU tem um triste fundamento: em 2018, os R$ 48 milhões provenientes dos royalties de petróleo e destinados pela
Alesp para o HU foram usados pela Reitoria para pagar aposentados da USP.

O promotor do caso no MPE, Arthur Pinto Filho, também se mostrou surpreso com a falta de um documento com indicativo de números, profissionais e valores. “Vamos oficiar o Secretário Estadual da Fazenda para que ele informe o que está acontecendo com o dinheiro que tem que ser encaminhado”. O promotor também comemorou a decisão das novas contratações via concurso público, “Vou fazer um ofício para que se faça um edital rapidamente”.

O ofício ao Secretário da Fazenda, solicitando esclarecimentos pelo não repasse, tem prazo de 30 dias. Caso não haja respostas, será convocada nova reunião no MPE. Foi solicitado também à Procuradoria da USP um rascunho do edital das novas contratações e à Superintendência do HU o documento final da proposta ao hospital. O fechamento desta
edição ocorreu antes de expirar o tempo de resposta, e o promotor afirmou que ainda não havia recebido retorno.