Jornalismo sem pressa

Por Eliane Scardovelli

Tweets, stories, cliques, likes. O indicador até cansa de tanto deslizar pelo feed. Palavras soltas e centenas de imagens por dia. O que é que fica no final? Será que nosso uso das redes sociais influencia a maneira como fazemos reportagem? Diante dessa questão, proponho um exercício: ficar mais tempo.

Nem sempre é possível mergulhar num assunto com profundidade, já que os deadlines do hardnews costumam ser apertados e a gente sabe da fama que algumas redações têm de funcionar como “fábrica de salsicha”. Imagino também que vocês, alunos de jornalismo que fazem o Jornal do Campus, devem ter uma rotina atribulada, mas saibam que todo investimento de tempo numa reportagem, qualquer minuto a mais de presença do repórter, faz muita diferença no texto final.

Foto: Reprodução

É bom ver um repórter do JC se dispondo a ir para outra cidade conhecer outro alojamento estudantil, inclusive dormir lá por uma noite. Mas esse esforço não resultou em um retrato rico de situações que deveriam elucidar o tema principal da reportagem: a autogestão. Sem um acompanhamento fica praticamente impossível visualizar como isso funciona na prática. Na reportagem, o diretor-geral do conjunto residencial, aluno do campus, enfatiza que em São Carlos tudo é decidido democraticamente. Que tal ver se é assim mesmo? Bastava acompanhar algumas reuniões para saber como se dá a resolução de conflitos. Quais são as virtudes e os desafios desse cotidiano? A gente acaba de ler a reportagem sem saber, e é muito complicado quando se cria uma expectativa no leitor a partir de uma manchete ou, no caso, da linha fina, e essa expectativa é frustrada.

O mesmo acontece na reportagem sobre as catracas da Faculdade de Economia e Administração. Olha só o potencial que essa matéria tem, mas o mais simples e fundamental foi deixado de lado: observar e registrar o movimento nas catracas. Como ficam os alunos barrados? Como seria descrever a partir das cenas presenciadas o constrangimento dos alunos do cursinho? Ou será que a catraca não mudou a rotina deles tanto assim? Foi importante registrar os questionamentos dos alunos ao diretor do Conselho Técnico Administrativo da FEA, mas só isso não basta. Os problemas descritos pelos entrevistados têm menos força do que os momentos presenciados pela reportagem. É preciso tomar cuidado com o excesso de falas sobrepostas, se não a gente acaba caindo nas armadilhas do jornalismo declaratório.

Ao investir tempo e cultivar um olhar atento, temos a chance de entregar ao público reportagens mais completas e interessantes – e evitar que os nossos textos sejam apenas mais um conteúdo que passa rápido pelo feed de alguém.