Museu do Ipiranga, fechado para reformas, tem ensaio teatral aberto

Peça foi criada para dialogar com o espaço, discutindo a luta indígena no Brasil

Por Laura Raffs

Quando alguém chega nos arredores do Museu Paulista, vulgo Museu do Ipiranga, logo se depara com placas avisando sobre o fechamento temporário para reformas, que perdura desde 2013. Na tarde do primeiro sábado de abril, era difícil encontrar alguém por lá, mas uma funcionária do museu permitiu o acesso do JC para acompanhar um ensaio teatral.

Entrando, é possível notar que o Museu está quase vazio. Algumas obras, como quadros e estátuas, ficaram no local; outras foram transferidas, segundo a assessoria da USP, para imóveis alocados.

Todo final de semana do mês de abril, às 15h, o espaço será ocupado pela peça de teatro “Morte e Dependência na Terra do Pau Brasil”, criada pela Cia. Livre e Cia 8 Nova Dança. A iniciativa nasceu de uma parceria entre o SESC e a USP. A primeira parte do espetáculo, acompanhada pela reportagem, se baseia em “Os Horácios e Os Curiácios”, peça de Brecht.

O espetáculo

No início da apresentação, ao lado de cada uma das pilastras do térreo, os artistas estão em pé, em cima de banquinhos. Eles falam sobre suas descendências, muitas delas indígenas. A luz foca em uma senhora. Ela conta o que seu avô sempre dizia com orgulho: “não esqueça que você é descendente de Fernão Dias Paes”. A avó do outro ramo da família, porém, revelou em seu leito de morte que sua bisavó era indígena. “Eu tenho vergonha de ser descendente de um matador de índios”.

Os espectadores são convidados a subir as escadas para continuarem assistindo a peça. A encenação recomeça tratando da vida moderna, como as pessoas são escravas do tempo e perdem suas identidades e desejos.

Nessa parte ocorre também uma volta aos costumes indígenas, o sons do violão e flauta entoam, as batidas dos pés e gritos ajudam a formar o ritmo, enquanto os artistas correm em grupo e dançam pelo espaço do museu.

Foto: Laura Raffs

Mudança de cenário

Agora todos estão no centro da sala, no térreo. Os artistas retiram documentos e falam sobre o genocídio que aconteceu no Brasil. Mostram com relatórios que a violência atingia os indígenas, dizimando centenas de tribos. Também tratam sobre a medida do presidente Jair Bolsonaro que entregou aos ruralistas a demarcação de terras indígenas, no início de 2019.

Um paralelo é feito com o governo atual, com armas de última geração de um lado e a resistência praticamente sem armas, do outro. Cantam: “nós não nos rendemos, nós resistiremos sim”, e o projetor mostra a comemoração no dia que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, com pessoas fazendo sinais de armas com as mãos. Então, os artistas apontam suas lanças para “O Bandeirante”, em escultura com mais de dois metros.

A peça está chegando ao final com o convite para os espectadores irem ao primeiro andar, seguidos por seguranças de patrimônio, que observavam atentos a movimentação. Na sala em que o público chega está o quadro “O Grito do Ipiranga”, de Pedro Américo, que ocupa toda uma parede.

A seguinte parte da história continuará a ser contada nos próximos encontros do grupo teatral com o público.

Descendo mais um andar

O Jornal do Campus também teve a oportunidade ir até outro andar do edifício do Museu Paulista: o subsolo. A peça não chegou até lá. Na verdade, tudo não passava de uma simples ida ao banheiro.

A sensação, ao descer as escadas, é digna de um filme de terror. Não há presença alguma. Nem pessoas, nem obras, nem objetos. Apenas salas abertas, muitas delas sem qualquer tipo de iluminação, que podem ser vistas através dos arcos de tijolos que saem do base do edifício. Visivelmente, a ala é mais antiga que as outras.

No novo projeto de reforma do Museu, anunciado pela USP, será criada uma nova passagem de acesso pelo subsolo, que deverá perder o ar fantasmagórico.