23ª Festa do Livro da USP: entre saudades e mudanças que vieram para ficar

Festa literária organizada pela Edusp atinge consumidores do norte ao sul do país em suas edições virtuais

 

 

por Lívia Magalhães

Festa do Livro da USP em uma de suas edições presenciais, localizada na Travessa C do campus Butantã. 2018, 20ª edição. Fotos: Marcos Santos/USP Imagens*

 

Há dois anos, a chegada do último trimestre do ano trazia muita antecipação para os leitores de São Paulo: significava que vinha aí a famosa Festa do Livro da USP. O espaço reservado para o evento em sua última edição presencial ocupou vários quilômetros sob  tendas resistentes – o imprevisível tempo paulista exige medidas de precaução – e exibiu dezenas de estandes que, querendo ou não, eram muito parecidos. O labirinto de exemplares desorientava os visitantes da melhor forma possível, com capas coloridas, milhares de palavras contidas em poucas páginas e o inconfundível cheiro de livro novo no ar.

As últimas duas edições do evento, porém, tiveram que acontecer virtualmente, por conta das restrições sociais em decorrência da Covid-19. O espaço já gigantesco em que ocorria o evento, na Travessa C do campus Butantã, cresceu exponencialmente: agora, as limitações geográficas pouco importam, tudo acontece na internet.

Banner do evento virtual. Foto: Reprodução

 

A festa literária acontece desde 1999, organizada pela Edusp, editora da Universidade de São Paulo. Desde sua idealização, o objetivo principal da festa tem sido estreitar os laços entre as editoras e a comunidade uspiana: trazer os livreiros para dentro do perímetro da Universidade e  oferecer um desconto mínimo de 50% nos exemplares disponíveis.

A primeira edição da feira, que aconteceu no prédio de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), no Butantã, parecia um evento completamente diferente do que vemos hoje: as editoras presentes eram apenas voltadas para Ciências Humanas, e a quantidade – 31 editoras –   era irrisória comparada às 225 que a Edusp juntou para a edição de 2021. Com o decorrer dos anos, o evento realizado na universidade pública passou a devolver para a sociedade, como é de seu costume, os investimentos feitos nela: a Festa há tempos saiu do âmbito universitário e entrou cada vez mais no nacional.

Já na 22ª edição, que aconteceu em 2020 e foi a primeira edição virtual do evento, podemos ver isso com clareza. “O evento foi extremamente positivo, a Festa do livro alcançou todas as regiões do país, de norte a sul, foi um sucesso de público e de vendas”, conta Márcio Pelozio, diretor comercial da Edusp.

Porém, também é importante creditar o sucesso da Festa em suas edições virtuais ao novo hábito de leitura de alguns brasileiros: de acordo com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), houve um aumento de 39% nas vendas de livros no Brasil entre janeiro e setembro de 2021, em comparação ao mesmo período de 2020.

Se por um lado o aumento desse hobby veio com a pandemia, por outro, a forma tradicional de comprar estes livros foi dificultada: o acesso às livrarias foi restrito com o distanciamento social imposto pela Covid-19. Com isso, houve “uma mudança na forma como o consumidor chega até os livros”, explica Márcio, e “o direcionamento das compras se canalizou para o e-commerce”.

Primeira localização da Festa do Livro, na FFLCH. 2012, 14ª edição.

 

Apesar dos descontos generosos e do sucesso de vendas, muitas vezes o valor dos livros da Festa somado aos preços de frete ainda são superiores ao custo total, quando comparado ao valor do consumidor que comprasse nas grandes empresas focadas em comércio virtual frisadas por Márcio, como a Amazon. Especialmente quando tratamos de clientes não paulistas, um dos grandes focos da feira virtual, que pagam fretes gigantes.

Deixando de lado todas as implicações éticas e visando o ponto de vista do consumidor médio, trata-se de praticar o consumo inteligente. Coisa que a plataforma não ajuda muito.

Ao entrar no site em que aconteceu a 23ª edição da Festa, o consumidor se deparava com as editoras que participavam do evento e tinham que clicar nelas para ver os livros que eram oferecidos por cada uma. Ou seja, não havia como pesquisar por livros específicos de forma direta. Esse sistema pouco intuitivo foi motivo de frustração para alguns clientes, mas neste ano um comprador decidiu participar do evento não apenas comprando livros, mas facilitando a experiência de todo o público. O consumidor Henrique Barbosa criou um catálogo geral de todos os livros sendo vendidos na feira para fins de pesquisa, que acabou sendo compartilhado entre vários grupos no WhatsApp. Até o momento da publicação desta matéria, o aplicativo ainda estava no ar, e é só clicar aqui para dar uma olhada.

O que as telas não veem…

Márcio, que trabalhou na Festa do Livro desde sua terceira edição, em 2001, começou seu trabalho na própria banca da Edusp vendendo livros. Apesar de pouco tempo depois ter passado para a organização do evento, ele ressalta que uma de suas coisas preferidas na Festa são os vendedores, que se relacionam com os compradores a partir do vínculo formado pela leitura. Os vendedores da Festa do Livro, segundo Márcio, são os ‘vendedores clássicos’, leitores daquilo que vendem. “Isso infelizmente está se perdendo um pouco”, comenta, fazendo referência aos vendedores que não têm um conhecimento de literatura muito extenso e que costumam ter dificuldade até de responderem clientes sobre títulos, um dos muitos motivos que afastam os consumidores de grandes livrarias físicas.

Festa do Livro na faculdade Politécnica, para onde a feira se mudou após crescimento. 2014, 16ª edição.

 

Mesmo com o crescimento do evento – algo que aconteceu, sem exceção, em todas as suas edições –, a Festa do Livro nunca perdeu sua principal característica e sua identidade: na  feira da Edusp, tudo é direcionado ao livro. Márcio conta que já foram oferecidas palestras, noites de autógrafo, lançamentos de livro e várias outras oportunidades que possivelmente aumentariam ainda mais a magnitude do evento, mas que a Edusp optou por deixar as coisas como estão. Não adicionar novas prioridades, por mais incríveis que elas sejam, e focar simplesmente na cópia física de um livro, na conversa com o vendedor sobre romances e livros de não-ficção, o laço que surge daí.

Márcio entende que o comércio digital veio para ficar, e que a Edusp estudará possibilidades de, nas próximas edições, realizar o evento tanto presencial quanto virtualmente. Dessa forma, o evento consegue manter tanto a acessibilidade para o Brasil inteiro quanto o contato humano inerente do presencial. “Se Deus quiser, no ano que vem, com todo mundo vacinado”, torce Márcio, “a gente volte a enfim se encontrar, todos, que é o grande objetivo da Festa do Livro”.

As imagens deste texto foram gentilmente cedidas por Marcos Santos*