Toda história tem mais de um lado

 

por Diogo Magri

 

Foto: Acervo pessoal

 

É clichê tanto quanto é verdade. Uma boa pauta tem sempre mais de um lado. Podem ser dois, três ou oito, mas sempre mais de um. Por consequência, exige sempre mais de uma fonte. Foi disso que eu mais senti falta nas principais matérias da edição 519 do Jornal do Campus: que mais pessoas fossem ouvidas.

Pego como exemplo a reportagem sobre o smart campus, tecnologia que deve ser implantada para melhorar a segurança da USP. São ouvidos apenas representantes da Universidade e responsáveis pelo aplicativo. Mas e quem vai usar? Gosta da ideia? O app é acessível aos estudantes, compatível com qualquer celular? O que se encaixa no termo “perigo potencial”? Ele pode ser usado, por exemplo, para impedir que moradores da favela São Remo frequentem o campus? Pode ser considerada uma medida de elitização? Pontuar os benefícios é igualmente importante a considerar possíveis problemas, e a partir daí procurar respostas para perguntas como essas.

Reforço a ideia para a pauta sobre o apagão das redes. Detalhada até demais, com muitos especialistas no assunto, mas sem uma aspa sequer de um estudante que possa falar do impacto do apagão (e da dependência das redes) num momento em que a maioria segue no ensino à distância. 

O mesmo para o texto sobre a volta dos bandeirões aos estádios de futebol, que ouve somente o ouvidor da Polícia. No último Palmeiras x São Paulo que tivemos na cidade, sem bandeirões e com torcida única, são-paulinos e palmeirenses se enfrentaram numa estação de trem perto de Osasco. Então, qual o papel do bandeirão na violência no futebol? O quanto a proibição dele e a adoção da torcida única têm relação com a incompetência da PM em coibir a violência? São respostas que não podem vir somente do ouvidor da Polícia. Seria uma boa oportunidade para falar com um especialista em violência no esporte da USP, que inclusive aproximaria a pauta da realidade universitária. E claro, torcedores!

Por fim, a reportagem sobre ciclismo na USP traz a relevante história de Marina Harkot, o que merece destaque. Mas de novo, senti falta de que ciclistas da USP fossem ouvidos. Além disso, é preciso chegar ao quarto parágrafo para saber qual é a notícia, a “mudança radical” na mobilidade do campus, algo que poderia estar já no título. Também subiria os dados, que estão muito completos no infográfico, para o topo do texto —são informações que renderiam bons ganchos e aberturas de lide, importantes para o leitor não desistir do texto no primeiro parágrafo. 

Em geral, as pautas continuam boas, como ressaltei na edição anterior, o que é o maior desafio de um jornal feito à distância. Do banco de dentes ao setembro amarelo (excelente pela abordagem ao assunto, com os contatos do CVV ao fim), todos os assuntos chamam a atenção. Principalmente os de editorias que costumam ficar em segundo plano, como ciência e esportes. Além disso, a pauta sobre intercâmbios em formato de podcast foi uma boa sacada que mostra que o JC, entre acertos e tropeços, está conectado com o mundo virtual e o público para quem escreve.

 

Diogo Magri é formado em jornalismo pela ECA-USP e trabalha como repórter do jornal EL PAÍS em São Paulo desde 2017.