Inglês na USP: integração ou segregação?

Alunos que não dominam o idioma relatam dificuldades de inserção no ambiente universitário e no mercado de trabalho

por Adrielly Kilryann

Arte: Guilherme Castro/JC

A USP, costuma-se dizer, é uma porta aberta para o mundo. A Universidade apresenta diversos caminhos para intercâmbios, integração com alunos estrangeiros e inserção no meio acadêmico e no mercado de trabalho em outros país ou em uma posição de destaque por aqui. Isso tudo se você já souber falar inglês.

A Base Nacional Comum Curricular prevê a obrigatoriedade do ensino da língua inglesa a partir do sexto ano do ensino fundamental. O documento expressa que “o estudo da língua inglesa pode possibilitar a todos o acesso aos saberes linguísticos necessários para engajamento e participação, contribuindo para o agenciamento crítico dos estudantes e para o exercício da cidadania ativa, além de ampliar as possibilidades de interação e mobilidade”.

Mas onde ficam os alunos que não adquirem este conhecimento de forma efetiva? Afinal, apesar do Inglês ser previsto nas grades das escolas brasileiras, não é possível assegurar que toda a população receba uma formação educacional ideal. Quando esses alunos chegam à USP, o que acontece?

“Somos privados das leituras de trabalhos e artigos que não possuem tradução para o português, o que desfalca nosso aprendizado. Alguns dos meus colegas já sabem inglês desde crianças, pois os pais os matricularam nos melhores colégios bilíngues de São Paulo. Além daqueles que fizeram intercâmbio durante o ensino médio, o que torna a disparidade ainda maior“, conta Geovana Vasconcelos, 20 anos, aluna do curso de Geografia.

Cristiano Morais, 35 anos, também aluno de Geografia, detalha que alguns materiais bibliográficos só existem na língua inglesa, sobretudo na área da geografia física. Apesar de os professores não determinarem leitura obrigatória, para Cristiano, eles são um excelente complemento acadêmico. “Esse material em inglês normalmente é mais denso, se aprofunda mais nos conceitos. Felizmente alguns colegas de classe fazem a tradução. Mas, sem essa ajuda, os demais alunos seriam prejudicados.”

As dificuldades de alunos não falantes de inglês são percebidas como algo comum à maioria destes universitários. De acordo com Adriana Weigel, professora do Programa Inco – Inglês para os alunos da graduação da USP, os problemas relatados com maior frequência são justamente em relação à leitura da bibliografia dos cursos e, às vezes, à participação em algumas atividades acadêmicas. “Por exemplo, quando há professores-visitantes estrangeiros ministrando aulas ou cursos em inglês. O sentimento é de exclusão por parte desses alunos”.

Para ela, a falta de conhecimento da língua inglesa acrescenta obstáculos ao processo de aprendizagem e faz os estudantes procurarem alternativas para contornar a situação. “Um aluno pode usar ferramentas de tradução, mas isso leva tempo e também requer conhecimento para usar tais ferramentas de modo adequado, a fim de evitar má-compreensão e equívocos”, explica a professora.

Mas recursos como Google Tradutor e DeepL, citados pelos entrevistados, não são suficientes para resolver o problema. “É muito difícil se comunicar e se integrar com alunos intercambistas, o que acaba me privando de inúmeros conhecimentos que eu poderia ter sobre aquela pessoa, o local de onde veio e a realidade em que cresceu. Essas informações certamente enriqueceriam minha reflexão, como geógrafa, sobre o mundo e sobre as pessoas”, relata Geovana.

Se para alguns as dificuldades começam já na graduação, para outros, elas surgem no mercado de trabalho. É o caso de Fábio Medeiros, 30 anos, aluno de Pedagogia. Na hora de buscar um emprego, há muitas escolas que são bilíngues e têm o idioma como requisito. “Se você souber inglês, você amplia as suas chances de trabalho”, comenta.

A situação é parecida para Lennon Lopes, 30 anos, que está no último ano do curso de História. “As melhores vagas de emprego são as que exigem fluência. Por causa disso, já perdi muita vaga, mesmo tendo experiência de trabalho”, relata. Ele acrescenta que boa parte do material bibliográfico do curso de História é em português, mas que, por almejar a pós-graduação na USP, o inglês se torna essencial. “Difícil um programa de pós não ter inglês como pré-requisito. Neste caso, a fluência vai determinar também meu potencial frente aos desafios da carreira acadêmica.”

Iniciativas como o Programa Inco buscam diminuir essas disparidades. Oferecido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Ensino de Línguas (CEPEL) da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), o curso de inglês gratuito é destinado aos alunos de graduação da USP. Para participar, o aluno deve se inscrever nos sorteios de vagas que ocorrem semestralmente, no site do CEPEL.