Fim da greve na USP: Atenções voltadas para o cumprimento das promessas

Demanda dos estudantes por professores foi parcialmente atendida; Reitoria fala em responsabilidade orçamentária para barrar “gatilho automático” e mais contratações

Por Lívia Lemos e Thais Morimoto

Vão da FFLCH, um dos principais locais de encontro dos estudantes grevistas [Foto: Guilherme Valle]

Iniciada no dia 21 de setembro de 2023, a greve de estudantes da Universidade de São Paulo ocasionou a interrupção de aulas e atividades acadêmicas por mais de um mês em diversos institutos, tendo como principal demanda a contratação de professores. Outras reivindicações estavam na lista, como a volta do “gatilho automático” e a revogação do edital de mérito, que prevê distribuição de vagas docentes por meio de uma concorrência entre unidades.

As últimas não foram atendidas pela Reitoria, mas a principal obteve êxito: 1.027 docentes serão contratados até o semestre que vem, ante uma proposta original de 879. “Poderemos ver, nos próximos meses, o maior número de contratações em um período de tempo que nunca aconteceu antes”, pontua Pedro Chiquitti, estudante de História e diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Livre da USP. Pedidos como a construção de creche na USP Leste, alimentação aos finais de semana e mudanças nas políticas de permanência também foram aprovadas.

É o suficiente?

O número de docentes contratados pode não ser suficiente para suprir a demanda de aulas. Felipe Sabino, estudante de Gestão Ambiental e membro de um movimento estudantil independente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), explica que a proposta não se refere a novas contratações, mas à reposição de professores que foram demitidos, exonerados, se aposentaram ou faleceram desde 2014.

Demandas antigas de cursos com poucos docentes, como alguns da USP Leste, não foram contempladas. “Nunca tivemos o quadro de professores completo, temos cursos que nunca tiveram todas as disciplinas atendidas”, explica Sabino. Um levantamento com base em consultas às Comissões de Coordenação de Curso (CoC) da EACH e dos planos Político-Pedagógicos chegou ao número de 61 docentes – além dos 15 que tiveram vagas liberadas. A demanda, segundo os alunos, se justifica pela sobrecarga dos docentes atuais.

Questionada, a Reitoria afirmou que “a reposição dos docentes é feita com base nas necessidades levantadas pelas Unidades e na disponibilidade financeira da Universidade”. Já a diretoria da EACH, que foi procurada por mais de cinco vezes por telefone e e-mail, não se pronunciou até o momento do fechamento da matéria.

Orçamento limitado

Segundo a Reitoria, a questão orçamentária também impediu que outras demandas fossem atendidas, como o “gatilho automático”, que garantiria a reposição imediata de todas as vagas docentes abertas por motivo de aposentadorias, falecimentos ou exonerações. Sem o gatilho, membros do DCE e da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp) temem um novo déficit de professores no futuro próximo.

Na proposta apresentada pela Reitoria, apenas os professores exonerados serão imediatamente repostos. O órgão disse ao JC que “a previsão de contratação de servidores técnico-administrativos e docentes depende da disponibilidade orçamentária da Universidade, pois trata-se de uma despesa permanente”. Declarou ainda que “em anos recentes, a USP teve comprometimento de mais de 100% do orçamento com folha de pagamento, o que ocasionou um período de restrições orçamentárias que afetou toda a universidade”.

Chiquitti rebate as afirmações e defende que o orçamento da universidade precisa ser revisto. Segundo o DCE, há cerca de R$ 6 bilhões em caixa. A professora e presidente da Adusp Michele Schultz Ramos explica que “a USP tem reservas que vão além do estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, utilizada pela Reitoria para estabelecer patamares de comprometimento com folha de pagamento. Há inclusão de itens que não deveriam ser contados, como comprometimento com salários, vales e auxílios”.

Em resposta, a Reitoria afirmou que “a USP tem se preocupado em ter equilíbrio orçamentário duradouro, evitando períodos que levem a dispensa de servidores (PIDV) e períodos sem contratações. Para que isso ocorra deve haver sustentabilidade das ações, uma contratação deve prever o impacto futuro, e não somente no horizonte de curto prazo. Portanto não se pode realizar contratações baseadas em valores de superávits de exercícios anteriores, pois nos próximos anos seria insustentável. Um exemplo disso é que após superávits em 2021 e 2022, estamos em 2023 tendo um déficit de 8,5% em relação à previsão orçamentária”.

Ainda segundo o órgão, o superávit da USP está sendo utilizado para o retrofit, construção e ampliação de estruturas em diferentes locais, como, por exemplo, a reforma do Crusp e de moradias estudantis no interior, além de adaptações para mobilidade e segurança do corpo de bombeiros.

O JC já abordou sobre as finanças da USP em reportagem de 2014. Confira aqui: Membros da COP comentam crise financeira da USP

Edital de Mérito

Durante as negociações com a Adusp e com os movimentos estudantis, a Reitoria também negou a revogação do “Edital de Mérito” ou “Processo Competitivo” – a distribuição de vagas de docentes em sistema de competição entre as unidades, que subordina a contratação de docentes à aprovação de projetos apresentados. “A Reitoria nega a possibilidade de revogar o edital de mérito docente permanentemente”, diz o documento com as propostas para o fim da greve. “A proposta da Reitoria é estudar mudanças na porcentagem estabelecida”. O percentual usado atualmente foi definido pela Comissão de Claros Docentes (CCD) em abril de 2022, com “critério de 50% reposição e 50% mérito acadêmico”.

Um dos problemas desse método de contratação, segundo Ramos, é que “os critérios que estabelecem o ‘mérito’ não são conhecidos e a seleção fica a cargo de uma comissão presidida pelo próprio reitor. Ou seja, é o órgão que define para quais departamentos e áreas os docentes devem ser destinados. Essa política gerou muitos problemas entre os departamentos, deturpando um princípio fundamental para as atividades acadêmicas, o da colaboratividade”.

De olho nos acordos

Chiquitti destaca que o movimento estudantil está em estado de alerta para averiguar se as propostas negociadas com a Reitoria para o fim da greve estão sendo cumpridas. Em relação à contratação de professores, o diretor do DCE pontua: “A própria estrutura da universidade nos permite verificar se os concursos estão sendo abertos ou não, porque são dados públicos”. Chiquitti também salienta a importância dos estudantes como um todo estarem atentos para o cumprimento das demandas atendidas.

Com essa greve, a Universidade de São Paulo contabiliza mais de 7 paralisações que envolveram tanto estudantes, quanto servidores técnicos e professores. Conheça a linha do tempo de todas as greves da USP e quais motivos ocasionaram elas nessa reportagem do JC: 1988 a 2023: as greves históricas da USP.