Por Filipe Moraes, Julia Queiroz e Isabel Briskievicz Teixeira
Baterias universitárias da USP despertam a paixão pelo samba e incentivam ritmistas a desfilarem no Carnaval de São Paulo

Texto por Filipe Moraes, Julia Queiroz e Isabel Briskievicz Teixeira **
Sabe aquela batucada que você escuta no caminho pro bandejão na hora do jantar? Esse é o som do surdo marcando o compasso ou do repique ecoando pela Praça do Relógio. E pode ter certeza: ali tem um ritmista universitário fazendo seu ensaio. Mas o batuque não fica só no campus; ultrapassando os muros da Cidade Universitária, muitos desses alunos também desfilam em grandes escolas de samba no Carnaval de São Paulo.
As Baterias Universitárias (BUs) da USP são entidades estudantis compostas por alunos e ex-alunos que difundem a cultura do samba no ambiente universitário. Através de ensaios semanais, ensinam outros estudantes a tocar instrumentos musicais de percussão que geralmente fazem parte da estrutura das escolas de samba, como tamborim, chocalho, agogô, repique, caixas, surdos e até mesmo alguns mais inusitados, como xequerê e atabaque.
Esses ensaios compõem processos de apresentação, que acontecem em festas, torneios com outras baterias e torcidas nos jogos esportivos. As entidades também possibilitam o primeiro contato de várias pessoas com instrumentos musicais. Atualmente, existem 20 BUs uspianas na cidade de São Paulo e 15 somente na Cidade Universitária.
Mesmo sendo um paralelo quase imediato , BUs e escolas desempenham papéis diferentes no mundo do samba. Rafaella de Azevedo (Rafa), atual mestra da bateria da escola do Grupo de Acesso II, Imperatriz da Paulicéia – e também a primeira mulher a ocupar essa posição, ressalta que as apresentações, enfoques técnicos e tipos de ritmistas são muito diferentes.
“Acredito que existam diferenças técnicas e didáticas. A escola de samba foca mais em bossas em cima do samba e focadas em sustentação rítmica, enquanto as BUs têm uma liberdade maior de criação”. Os ritmistas universitários também tocam por alguns anos e vão embora, enquanto a cultura das escolas faz parte da identidade estrutural de seus componentes locais.
Apesar das diferenças, na bateria liderada por Rafa, 60% dos seus 151 ritmistas fazem ou fizeram parte de BUs. “Eles são uma fonte importante; têm um brilho nos olhos, comprometimento e grande dedicação. Pegam os desenhos muito rápido e sempre tiram dúvidas”. Na Rateria, BU da Escola Politécnica (Poli), 27 de seus 50 ritmistas (54%) desfilaram em escolas de samba ou blocos de carnaval neste ano. As formas de acesso às baterias de escola variam de testes a convites.
Mateus Mendes, estudante de Administração na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), toca repique na bateria do instituto, a S/A. Ele já tocava outros instrumentos musicais antes de entrar, mas nenhum era relacionado ao samba
Levando a batucada para fora da USP, ele conta que desfilou pela primeira vez no carnaval de São Paulo esse ano, pela escola de samba Rosas de Ouro.
“Por ser próxima da minha casa, eu sempre tive uma grande identificação com a Rosas, desde sua bandeira até o pavilhão. Existe também uma conexão muito forte com toda a comunidade”. O pé no samba também é quente: em sua primeira vez na avenida, Mateus levou consigo o título de campeão, já que a escola conquistou o primeiro lugar no Grupo Especial em 2025.
“A experiência de entrar no Sambódromo do Anhembi pela primeira vez como ritmista é incrível. Você ensaia quase o ano inteiro nas quadras, todas as segundas e sextas à noite, se dedicando muito a isso. E quando você pisa na avenida é uma sensação indescritível, ver todas as pessoas empenhadas em fazer o desfile brilhar. É um sentimento de trabalho completo”.
O estudante revela que a bateria universitária foi a porta de entrada para o mundo do samba e ali ele descobriu uma nova paixão: os desfiles de carnaval. “Acredito que as BUs têm um papel essencial na promoção dessa que é uma das maiores culturas do Brasil. Esse espaço tem o poder de levar universitários que nunca tiveram contato com o samba a conhecer uma parte do que compõe um símbolo do nosso país”. E a batucada continua: depois de voltar para casa como campeão do carnaval, Mateus diz que pretende continuar desfilando, seja na avenida ou na Praça do Relógio.
Já Sérgio Murillo, aluno da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e ritmista da bateria Bandida da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH), teve o seu primeiro contato com o carnaval ainda jovem, assistindo aos desfiles do carnaval pela televisão. “Foi por conta do meu pai, que acompanhava o Carnaval de São Paulo e do Rio”, relembra.
Ao entrar na faculdade, Sérgio conheceu as Baterias Universitárias e mergulhou de vez no mundo do samba. “Comecei a tocar em BUs em 2022, quando era aluno da Escola de Comunicações e Artes (ECA), e desde então sigo nas Baterias Universitárias”. Essa experiência abriu caminho para outros desafios e no Carnaval deste ano ele desfilou em cinco escolas – Acadêmicos do Tucuruvi, X-9 Paulistana, Unidos de Vila Maria, Colorado do Brás e Imperatriz da Paulicéia.
Para ele, o samba é mais do que uma atividade universitária. “É uma memória afetiva, tanto pelo meu pai quanto pelo significado das escolas de samba. Elas carregam um peso histórico muito influente na cidade de São Paulo e um desfile, um enredo, são culturalmente muito ricos.”
Atualmente, o ritmista toca cuíca na Bandida, mas sua trajetória no samba também inclui o chocalho. “Toquei chocalho por dois anos na bateria da ECA, a Batereca, mas me encontrei na cuíca.” E esse encontro parece definitivo: “Vou passar a minha vida inteira tocando cuíca, porque é um instrumento que eu realmente amo”.
Para outros, o contato com a bateria aconteceu antes mesmo de entrar na faculdade. É o caso de Vitória Couto, estudante de Oceanografia no Instituto Oceanográfico (IO). Ela conta que foi aluna do cursinho popular da Escola Politécnica (Poli) e foi ali que conheceu pela primeira vez a Rateria. “Um dos meus professores era da Rateria e ele sempre comentava nas aulas que tinha acabado de chegar de um ensaio, sempre muito animado. Um dia, num sarau de despedida, a bateria tocou pra gente, e eu fiquei encantada. Foi a primeira coisa que eu queria fazer assim que passasse na USP”.
Um ano depois, já como uspiana, Vitória entrou na Rateria e de lá não saiu mais. Hoje, ela toca tamborim pela BU e também escolas de samba. Levando seu corpo e seu samba, como canta Alcione, a ritmista desfilou por cinco escolas de samba diferentes nesse ano: Rosas de Ouro, Acadêmicos do Tucuruvi, Pérola Negra, Raízes do Samba e Imperador do Ipiranga. “Tenho muito amor pelas escolas, principalmente as que eu me sinto incluída. O tamborim é um instrumento muito difícil, com poucas pessoas que querem tocar. E dessas, poucas são mulheres. Então estar nesses ambientes também é uma forma de resistência”.
Apesar de revelar que escolas de samba e baterias universitárias são diferentes em muitos aspectos, a estudante conta que a Rateria teve grande influência no seu desejo de desfilar no Sambódromo. “Quando eu ainda era uma mera ritmista, eu olhava as pessoas que desfilavam no carnaval e ficava admirada. Pra mim, era algo inalcançável, eu achava que nunca ia conseguir”.
O que para muitos na Cidade Universitária é um barulho quase insuportável, para Vitória é um refúgio. “Sempre que eu tinha um dia estressante, eu ia pro ensaio e saia renovada. Era como se todos os problemas desaparecessem por algumas horas”.