A Copa do Mundo acontecerá em poucos dias, mas especialistas afirmam que país abandonou as Olimpíadas
Autoridade Pública Olímpica (APO) divulgou o documento Matriz de Responsabilidades que mostra a situação dos projetos para os jogos Olímpicos. Segundo o documento, de 52 projetos, apenas 24 estão com orçamento definidos. Em seu relatório, o Comitê Olímpico Internacional (COI) se mostrou preocupado com os atrasos, porque apenas 10% das obras para as Olimpíadas Rio 2016 estão completas. Segundo o comitê, dois anos antes das Olimpíadas de 2012, a cidade de Londres já tinha concluído 60% de todas as construções.
SAI OU NÃO SAI?
Ao todo, 28 projetos ainda não tiveram seus valores estimados, é o que acontece com a maioria das obras na Região Deodoro: o estádio olímpico de canoagem slalom (de águas rápidas), o centro olímpico de Bicicross, a arena olímpica de esgrima, o centro nacional de Hóquei sobre Grama, o parque Radical e o complexo esportivo de Deodoro. Na Região de Copacabana, as obras de reforma do Estádio de Remo da Lagoa Rodrigo de Freitas e a adequação da Marina da Glória ainda estão em planejamento.
Para o pesquisador Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ, acontece com as Olimpíadas o que está acontecendo com a Copa do Mundo e já aconteceu com os Jogos Pan-americanos. Durante a candidatura da cidade, é feito um grande esforço publicitário para justificar os bilhões a serem investidos (28 bilhões em dossiê divulgado pelo Comitê Olímpico Brasileiro). Depois se descobre, afirma o pesquisador, que apenas alguns grandes projetos foram realizados: aqueles que mais interessavam às grandes empreiteiras e que despertaram interesses imobiliários.
MAIS QUE ATRASO EM OBRAS
Não é só de estádios e quadras que se faz uma Olimpíada. A preparação dos atletas brasileiros está atrasada, afirma Kátia Rubio, professora da Escola de Educação Física e do Esporte (EEFE) da USP e coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos. “O que a gente observa é que há uma falta de política de Estado para o esporte”, explica Kátia. A criação do Ministério do Esporte, por exemplo, se desvinculou do MEC somente em 2003.
Com a escolha da cidade do Rio de Janeiro, em 2009, a pesquisadora confessa que se esperava uma mudança nas diretrizes acerca do esporte, e que fosse investida uma estratégia de políticas mais duradouras para os atletas. “Não são só as obras que estão atrasadas”, Kátia aponta que um dos maiores atrasos está na preparação dos esportistas. “Um atleta olímpico precisa de 8 a 12 mil horas de treinamento, além de um tipo de refinamento que é a busca da perfeição”, e este tempo, afirma, foi prejudicado.
Kátia afirma que ao contrário dos atrasos em obra, que podem receber um projeto emergencial, é impossível acelerar ou refazer a carreira do atleta. “Talvez o maior legado que os Jogos Olímpicos vão deixar para o Brasil seja uma dívida imensa para o país”, acredita a especialista. Katia reconhece que os Jogos acontecerão, mas diz que não passarão de um grande espetáculo direcionado aos estrangeiros e que demandarão um grande fluxo de dinheiro do país, sem expectativa de retorno aos atletas – mas ainda tem a esperança de que nos próximos dois anos, com a mudança no Ministério e o incentivo de uma política estadista pelo esporte, e não como uma perspectiva de política partidária, “quem sabe a gente tenha efetivamente algo para deixar para as gerações que virão, senão a única coisa que a gente pode dizer é que nos restaram as dívidas”.
O QUE SOBROU DO PANAMERICANO?
Em contrapartida, a infraestrutura já existente na cidade poderia ser utilizada. O Estádio do Engenhão, principal equipamento para os Jogos Panamericanos em 2007, está fechado por problemas estruturais, conta Vainer. “Outras instalações foram privatizadas, com concessões longas e fracas sem a apropriação social”, diz Fernanda Sánchez, professora de Arquitetura e Urbanismo da UFF
Segundo a pesquisadora, nos últimos anos, houve uma tentativa do governo do Rio de Janeiro, sob demanda da FIFA, de fazer desaparecer diversas instalações do esporte público, como o Estádio Júlio de Barros, do atletismo, e o Centro esportivo Júlio de Lamare, de natação. “Ao varrê-los da cena, queriam ganhar terreno para área de dispersão do estádio, estacionamento e construção de um grande shopping center. Houve muita resistência e o governo teve que recuar”, explica.
Outro caso emblemático é o da Vila Autódromo, bairro popular situado ao lado do Parque Olímpico. Os moradores resistem, desde os Jogos Panamericanos, às diversas tentativas de remoção que vêm ocorrendo há vinte anos. Lá as universidades cariocas UFF e UFRJ, junto com a Associação de Moradores, fizeram um Plano Popular de Urbanização. Os estudantes chegaram a ganhar o Prêmio Urban Age, da London School of Economics e Deutsche Bank pelo projeto. Mesmo assim, a Prefeitura vem fazendo a remoção de parte dos moradores. Muitos resistem e querem ficar. “Nós, como professores e pesquisadores, queremos mostrar ao mundo e ao Brasil que é possível fazer Olimpíadas sem remover moradores pobres das áreas de jogos. Há uma luta simbólica e política permanente na cidade olímpica”, conta Fernanda.
O QUE FICA PARA O RIO?
“Em primeiro lugar, uma enorme dívida pública”, Vainer é enfático. “Como em outras cidades que acolheram este tipo de evento, a dívida será uma enorme limitação aos gastos públicos em serviços e investimentos essenciais nos próximos anos”. O pesquisador fala sobre as pessoas que foram expulsas de suas moradias para periferias distantes. “Não há informação de quantidade, mas se estima entre 50 e 70 mil”.
“De um lado, temos a limpeza social e étnica de áreas cujas terras se valorizam, em virtude de maciços investimentos públicos; de outro lado, um progressivo confinamento de camadas trabalhadores mais pobres a 3 ou 4 horas de distância do centro e zona sul, onde se concentram os empregos. Cresce a especulação, aumentam as desigualdades urbanas”, explica o pesquisador.
A área portuária também está em transformação, com obras de infraestrutura e empreendimentos corporativos internacionais e nacionais. Segundo Fernanda, grandes ícones, os equipamentos da cultura, como o Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) ou o Museu do Amanhã são lançados como “iscas”, operações urbanas pioneiras da chamada revitalização da área.
Vainer acredita que em todo o mundo se busca assegurar o chamado “smart growth” (crescimento inteligente) das cidades, isto é, o crescimento sem extensão da malha urbana, favorecendo densidades, reduzindo trajetos, limitando a impermeabilização dos solos e a incorporação das zonas periurbanas. O pesquisador completa que, no Rio de Janeiro, a expansão da territorial da cidade é a regra: “Cidade mais extensa, cidade socialmente mais desigual, cidade ambientalmente mais destrutiva. As Olimpíadas favorecem e consolidam esta dinâmica, com a agravante de contarem, para tal, com o decisivo apoio dos governos municipal, estadual e federal”.
Ainda segundo o pesquisador, tão ou mais importante, dentre os impactos, se destaca o ataque frontal aos direitos assegurados pela Constituição: direito à informação, à moradia, à cidade, ao meio ambiente. “Assistimos a um ataque generalizado ao estado democrático de direito, criminalização dos pobres e dos movimentos sociais. A cidade autoritária a serviço dos interesses privados”.
UNIVERSIDADE OLÍMPICA
A Universidade de São Paulo dá seu apoio ao evento esportivo por meio do programa de auxílio técnico e científico “A USP nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016”. Lançado em 2010, o projeto se propõe a realizar ações em pesquisa esportiva, avaliações de equipes nacionais e estrangeiras, suporte para atletas e educação continuada aos times.
De acordo com o supervisor geral do programa, Arnaldo José Hernandez, o projeto realizou investimentos infraestruturais nas unidades participantes, como a Faculdade de Odontologia (FO) e a Faculdade de Medicina (FM). Paralelamente, há o plano de lançar um curso técnico à distância, produzido pela Universidade Virtual do Estado de são Paulo (Univesp), para a preparação de atletas de diferentes esportes.”Se técnicos quiserem informações e auxílio por meio de nossas avaliações, nos ajudamos”, afirma Hernandez. “Quando o curso técnico estiver implementado, será uma oportunidade de ampliar conhecimento para técnicos esportivos em geral, independente dos resultados das próximas Olimpíadas”.
Porém, com a difícil situação financeira da Universidade, o programa encontra-se em estado de espera. Hernandez, entretanto, afirma que o suporte financeiro ao projeto ainda existe, dependendo somente da posição da nova gestão da reitoria sobre a liberação da verba.
Verbas liberadas na gestão Rodas, por outro lado, já foram entregues. De acordo com o diretor do Centro de Práticas Esportivas (CEPE), Emílio Antonio Miranda, a reitoria liberou R$ 2,5 milhões para reformas estruturais. Miranda afirma que esse dinheiro já se encontra em caixa, e que será aplicado nas obras das quadras do Módulo Três, cujo piso cedeu recentemente. A reforma da pista de atletismo também utilizou parte desse dinheiro, apesar de que uma quantia foi oferecida ao CEPE através de leis de incentivo fiscal e patrocínios. Reformas mais amplas do Centro, que envolvam uma verba maior, encontram-se paralisadas devido aos problemas financeiros da USP.