Dinheiro na mão é vendaval

A gente faz piada sobre boleto na internet pra esconder nosso medo do futuro

Por Carolina Unzelte

“Isso, chama ela no zap e vocês combinam. Ela já está velha.”

Minha mãe está conversando com o corretor de seguros ao telefone e acabou de passar meu número para ele. Acha que estou atrasada para começar minha previdência privada, porque já tenho 19 anos e tem gente que “cuida disso desde bebê”.

Há quase dois anos trabalho. Quando faço as contas, não sei dizer ao certo para onde foi metade do dinheiro que ganhei nesse tempo. Não estou sozinha: segundo uma pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) no ano passado, 32,2% das pessoas entre 18 e 24 anos, ou seja, gente parte da geração millennial, não têm controle sistemático de suas finanças.

Só consigo ter essa postura desleixada porque vivo no conforto do lar dos pais, com as despesas básicas cobertas como mágica. A chamada “geração canguru”, de jovens de 25 a 34 anos, é crescente nos últimos dez anos no país e prolonga a estadia no ninho paterno por estudar mais e casar menos – mas também, garanto, tem a ver com a comodidade dos mimos e com a possibilidade de viver sem pensar muito do dinheiro do amanhã.

O ápice do meu planejamento financeiro foi descobrir a revolucionária ferramenta de depósito programado: todo dia 11, um terço do meu salário vai direto para a poupança. Acho que, só assim, sem nem ver a cor do dinheiro, consigo fazer com que ele não se perca em comida, roupa, compras on-line. Conto com isso e com alguma sorte para que minhas resoluções financeiras para 2018 sejam um pouco realidade.

E como é curto esse meu prazo, né? Ano que vem, que está chutando a porta, menos de um mês não é distância. Minha mãe, a do zap, comprou o primeiro apartamento com o marido aos 25 anos. Seis anos mais velha que eu. Ela começou a trabalhar com a mesma idade que eu! Com certeza ela tinha planos a longo prazo, não só esses que se dissolvem quando acaba janeiro.

Não é como se todos os meus sonhos girassem ao redor de dinheiro – acredito que só na medida em que os desejos de todos o fazem. É que capital é básico. E assustador, porque não entendo a diferença entre investir no tesouro direto ou na bolsa de valores. Entre os dois, aquela viagem, que me dá prazer imediato e histórias doces para depois, me ganha. (Isso é bem millennial da minha parte, já que quase 73% de nós sonham em conhecer o mundo, segundo pesquisa realizada em 2016 pela FAMECOS/PUC-RS.)

Estou atrasada. Já tenho 19 anos. Já tenho 19 anos e já estou atrasada. Só tenho 19 anos. Só tenho 19 anos e só estou atrasada. De alguma maneira, também estou calma. Apesar de saber que meu futuro financeiro é incerto tanto pela profissão que escolhi quanto pelo modo que começo a levar a vida, rio dos memes que escancaram o abismo financeiro que provavelmente me aguardam.

Porque a verdade é que não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe o que me aguarda. Não tô nem aí de ter um apartamento ou não aos 25 anos. Era mais fácil se planejar quando a receita-de-sucesso-da-vida era crescer, ser o dito cidadão respeitado, casar, ter filho, neto e morte, bem ao estilo “Ouro de tolo” do Raul Seixas. Era mais fácil porque era a única opção vislumbrada.

Mas agora, com toda essa história de liquidez da modernidade ou da modernidade da liquidez, que já estamos cansados de saber, as referências parecem fazer cada vez menos sentido. Por que ficar num mesmo emprego estável a vida toda se a diversidade de experiências parece bem mais interessante? Não sei se juntar dinheiro para comprar uma casa é prioridade quando tem tanto intercâmbio aí só esperando para ser feito.

Sem as referências tão bem estabelecidas, ganhamos o frio na barriga da liberdade de fazer escolhas e arcar com elas. Ser independente é ser cada vez mais dependente de si mesmo. Ganhamos de brinde um monte de inseguranças, medo das decisões, acúmulo de boletos e uma poupança que é remexida com maior frequência que a ideal.

Mas também lucramos com a experiência de investir em pequenos prazeres diários, aprendizados pessoais quando as contas apertam, em suma: investir em nós mesmos. Se eu não puder comprar brusinhas com alguma displicência aos 19, quando vou poder? Agora quero me valer da minha carteirinha de jovem para ter algum aval para pequenos erros bobos. Vou fazer valer o risco a mais que ofereço às seguradoras pela minha faixa etária. Pena que não tenho seguro.