Por Ana Gabriela Zangari Dompieri

Ter um guarda-chuva não é exatamente um privilégio. Parece mais um interesse, parece apenas percepção de um sentido em tê-lo e, mais, carregá-lo consigo. Acho que o mais importante é realmente a parte do não esquecê-lo em casa. Guardado ou não, acho que quase todo mundo tem um guarda-chuva.
Chovia quando a garota desceu do trem. A mesma jornada de todo dia. Mas diferente, porque, como dizia, chovia. Ela havia se precavido. Antes de sair de casa, olhou pela janela, pensou, procurou, achou lugar na mala, deu-lhe espaço e o carregou até ali, crucial momento.
Um homem descoberto passa, na chuva, pelos olhos da menina. E não era banho de chuva, era a decadência. Não era aventura, era uma pena. Era o desabrigo, era só a falta…
Logo, passava outro, e, agora, uma mulher.
Algo se embrulhou dentro da menina. E não foi só o estômago e a garganta. Mas o próprio guarda-chuva.
Falando assim parece que foi de repente, mas o embrulho foi em camadas. A primeira era homem, celofane, suspeita; a segunda, também homem, era cartolina, confirmação; a terceira era mulher, e era papelão, resignação.
A menina odiava ficar molhada e tinha o dia todo pela frente, mesmo assim inclinava-se contra a adequação do guarda chuva na situação. Não parecia bom estar ali como eles. Mas parecia mandatório, ou certo, ou ainda consensualmente inevitável. E ruim. Mas incorrigível. Ela seria tão diferente usando guarda-chuva.
Talvez a chuva nem esteja tão forte assim. E estava. E ela via a chuva estando forte, e se conhecendo, ela não sabia quem estava soprando aquilo ao pé do seu ouvido. Era como se ela tivesse feito a equação inteirinha, até o fim, mas a pergunta “qual o valor de x?” a bloqueasse diante do próprio.
Ela lamentou, na voz que não era sua: “quem tá na chuva é pra se molhar…”. E deu o primeiro passo rumo à acidez.
Não sei explicar bem como, mas a solução continuaria bem sequinha e amarrada.
Se não fosse um último instinto que a fez voltar na conta. Conferiu cada linha da resolução que havia trazido de casa. Poxa, estava tudo certo. Já não lembrava o que tanto a dissuadia.
E quem sabe. Quem sabe… aquelas outras pessoas não tinham todas guarda-chuvas em suas mochilas. Quem sabe não apenas estavam convencidas que daqui até ali dava pra ir sem? E se, depois de irem e virem sem consequências fatais, só se convenceram que tormentos são incontornáveis? E quem sabe só não precisavam ver alguém perder um minutinho para resgatar de sua mochila os dispensáveis.
Guarda-chuva para chuva, calma para refeições, gentileza para convívio social, curiosidade para o mundo.